Olhar Direto

Quarta-feira, 24 de abril de 2024

Opinião

O homicídio no trânsito práticado por condutor alcoolizado é sempre doloso?

O homicídio cometido no trânsito por quem, em estado de embriaguez dirigia veículo automotor, tem sido rotineiramente considerado  delito de competência do tribunal do júri com base no dolo eventual.
 
No entanto, trata-se de um equivoco por parte dos promotores que assim oferecem denúncia e dos juízes que as recebem e mandam a júri os réus que respondem à esses delitos, senão vejamos.
 
Antes de adentrarmos na discussão, importante frisar o que é o dolo eventual e o que é a culpa consciente. O dolo eventual é a vontade do agente de realizar algo sabendo que se o fizer, um segundo resultado, não desejado, pode acontecer, mas admitindo o segundo resultado ocorro, caso ele ocorra.
 
Já a culpa consciente, é aquela em que a pessoa age prevendo que sua conduta pode causar um resultado lesivo, porém acredita que o resultado lesivo não ocorrerá graças a sua habilidade na atuação. Ou seja, aqui ela age pensando que se algo fora do normal ocorrer, ela poderá evitar um eventual dano.
 
Pois bem, o artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê o crime de homicídio culposo no trânsito. Neste mesmo dispositivo legal, em seu parágrafo 3º, temos a previsão do homicídio culposo praticado na direção de veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência.
 
Não haveria motivo algum na existência desse 3º parágrafo no artigo 302 do CTB, se todo homicídio praticado no trânsito, por condutor embriagado, fosse processado e julgado como homicídio doloso.
 
Não bastasse isso, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), recentemente publicou no informativo 623, um entendimento firmado de que para se configurar o dolo nos casos de homicídios ocorridos no trânsito, praticados por condutores de veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada, não basta apenas a embriaguez do condutor do veículo automotor, é necessário que hajam provas de outras circunstancias que façam ensejar o dolo eventual, tais como a prática de manobras perigosas, dirigir em zigue-zague, subir no canteiro, meio fio, entre outras condutas perigosas.
 
Ou seja, nos casos de homicídios cometidos no trânsito, por quem estava em estado de embriaguez, para ser processado e julgado no rito do júri, deve ter consigo outros elementos além da capacidade psicomotora alterada, pois somente o fato do condutor estar embriagado, tecnicamente falando, caracteriza o delito previsto no parágrafo 3º do artigo 302 do CTB.
 
Sendo assim, quando estivermos diante de casos de homicídios no trânsito, onde o condutor estava com a capacidade psicomotora alterada, mas que conduzia o veículo respeitando as outras regras, temos então um caso que se enquadra perfeitamente no delito previsto no artigo 302, parágrafo 3º do CTB, não podendo ser tratado então como homicídio doloso.
 
Pois, se o condutor dirige, ainda que em estado de embriaguez, mas não ultrapassa o limite de velocidade, não realiza manobras perigosas e segue com seu veículo dentro dos limites da via não invadido outra pista, não há que se falar, que o condutor estava dirigindo alcoolizado sabendo que poderia causar um acidente e matar alguém e que não se importava com o possível resultado.
 
Teríamos então, um caso de culpa consciente, pois o agente conduz o veículo com a capacidade psicomotora alterada, mas em virtude de sua habilidade no trânsito e almejando seguir as outras regras impostas, acredita que evitará qualquer resultado danoso a bem jurídico de terceiro.
 
Ocorre que não é isso quem vem ocorrendo nos casos de homicídio praticado no trânsito, por condutores sob o efeito de álcool, pois com base no dolo eventual os promotores, não raras vezes, denunciam os autores desse tipo de infração como incursos no crime do artigo 121 do Código Penal (CP).
 
Agindo assim, o Ministério Público e o judiciário quando tratam o crime de homicídio praticado no trânsito por quem estava com a capacidade psicomotora alterada, como doloso, desprezam a norma do parágrafo 3º do artigo 302 do CTB, o que me parece falta de técnica.
 
Ora pois, o parágrafo 3º do artigo 302 do CTB é bem claro e há, como já mencionado, orientação jurisprudencial no sentido de que, para se considerar como homicídio doloso, devem haver outros elementos, não bastando apenas que o condutor esteja alcoolizado.
 
Dessa forma, me parece mais correto que antes de denunciar os crimes de homicídios cometidos no trânsito por condutor embriagado, deve-se fazer uma profunda apreciação de todo acervo probatório e verificar se há elementos que demonstrem que o agente conduzia o veículo perigosamente, realizando manobras, avançando semáforos, ultrapassando e muito o limite de velocidade, entre outras circunstancias capazes de aferir uma conduta dolosa, caso contrário estaremos diante de uma conduta culposa.
 

Carlos Henrique Nascimento Areco é Advogado Criminalista, Sócio no Escritório Carlos Areco Advocacia, Membro da Comissão de Direito e Processo Penal da OAB-MT e Pós Graduando em Direito e Processo Penal na FESMP-MT.
 
 
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