Olhar Direto

Sexta-feira, 29 de março de 2024

Opinião

Aos juízes, com um abraço

Eu escrevi, em outra ocasião, sobre minha tarefa diária de ensinar alguns valores ao meu filho de cinco anos. Desta vez, preciso falar sobre o que aprendo com ele diariamente também. Eu leio quase todas as noites para ele dormir (as histórias se repetem, é claro). Recentemente, eu li "Para o seu Almeida, com um abraço", um livro no qual três meninas ensinam lições ao seu Almeida, de forma bem sagaz.

Ele é um senhor mal-humorado, que destrata crianças em cadeiras de roda, grita com a esposa e joga bitucas de cigarros pelo chão. As meninas, então, resolvem recolher estas bitucas e enviá-las a ele com um cinzeiro, também mandam uma fita k-7 com raras risadas que ele deu ao longo dos dias com a esposa, e o ajudam com as compras do mercado, juntamente com o menino cadeirante. Tudo isso, acompanhado de um bilhete: "Para o seu Almeida, com um abraço".

Eu lembrei disso quando li notícias sobre a revogação da prisão preventiva contra o empresário Marcelo Felipe Morelo. Ele foi detido sob acusação de agredir a esposa, que foi hospitalizada por conta dos ferimentos, no dia 11 de setembro, em Sorriso (420 km ao Norte de Cuiabá). Segundo a polícia, após passar dias fazendo uso de entorpecentes, ele teria acordado e passado a agredir a vítima com socos por todo o corpo e coronhadas, além de tê-la ameaçado de morte com uma pistola.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso concedeu Habeas Corpus em favor de Marcelo, e o juiz Anderson Candiotto determinou algumas medidas cautelares, como comprovação de ocupação lícita e residência fixa, no prazo de 30 dias; proibição de ingerir bebida alcoólica ou qualquer outra substância entorpecente, inclusive se apresentar publicamente sob efeito de tais substâncias; monitoramento eletrônico por meio de tornozeleira eletrônica, entre outras.

Apesar de serem medidas importantes, e de a vítima passar a contar com o botão do pânico, que poderá acionar caso ele se aproxime dela, ele foi posto em liberdade. E considerando que o acusado fez questão de sorrir para a foto no ato da prisão, fica difícil acreditar que irá cumprir todas estas imposições. Mas já que a decisão está consolidada, não poderia o juiz ter incluído a obrigatoriedade de atendimento psicossocial permanente? Claro que com o compromisso de apresentar relatórios médicos de acompanhamento, além de tratamento para dependentes químicos.

Não se trata de "defender criminoso", como alguns esbravejam, o que eu defendo é que apenas punição, sem que ocorra uma profunda transformação cultural com relação ao respeito às mulheres, é enxugar gelo. Limitar uma pessoa do convívio social sem fazê-la entender que toda esta violência é resultante do machismo já se mostrou ação ineficaz.

Temos avanços significativos quanto à conscientização feminina. É lindo ver a coragem com que passamos a enfrentar o medo de denunciar, o medo de falar, de emitir opinião, de discordar, de desagradar. E acredito que esse movimento será cada vez maior. Mas quanto aos homens, que avanço teremos? Esta reflexão não pode ser deixada de lado, caso contrário mulheres continuarão sendo humilhadas, desrespeitadas, violentadas e continuarão morrendo.

É preciso trabalhar as duas frentes, mas quando se tem uma decisão judicial pela soltura do suspeito, é imprescindível que se exija ao menos a participação dele em programas de recuperação e reeducação.

São ações previstas na Leia Maria da Penha, inclusive, que eu recomendo aos juízes, com um abraço.


Nara Assis é jornalista e servidora pública em Mato Grosso.
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