Olhar Direto

Quinta-feira, 18 de abril de 2024

Opinião

Legitimação de posse em mato grosso

Para explicar este Instituto voltemos no tempo e analisamos a questão da propriedade territorial rural no Brasil.

A primeira carta escrita pelo Rei Dom João III, a Martim Afonso de Souza, foi em 28 de setembro de 1530, vinha informar que a nova terra seria dividida em Capitanias Hereditárias.
 
Desta feita, “de terra selvagem, as terras brasileiras passaram a ser domínio público a partir de 1500, dessa forma quando os portugueses começam a colonizar o Brasil e a constituírem as capitanias hereditárias e a concederem os quinhões de Sesmarias, começa simultaneamente a transformação do país em propriedade privada. Junto com a adoção de atitude políticas de transferir a propriedade do domínio público para o privado, o período Sesmarial que teve de 1530 a 1850, onde sua maior característica era a concessão extensões de terras imensas no novo território de colonização português a quem quisesse uma propriedade” (ALCANTARA FILHO E FONTES 2009, p.2-3. apud, SILVA, 1997).

A Sesmaria que fora implantado pela Lei Régia de 16 de junho de 1375 em Portugal “[...]”, tinha o intuito de reparar as deturpações no uso e capacidade das terras rurais, haja visto, que era um período em que a produção de alimentos estava baixa, chegando mesmo a faltar em alguns lugares, o que fortalecia a emigração do campo para a cidade pela falta de trabalho generalizada;

A definição do sistema das Sesmarias vigente no reino desde a idade média, nas Ordenações Manuelinas e ordenações Filipinas, era:

“Sesmarias são propriamente as dadas de terras, casaes, ou pardieiros, que foram, ou são de alguns senhorios, e que já em outro tempo foram lavradas e aproveitadas, e agora não o são” (Ordenações Manuelinas, liv. IV, tít. 67; Ordenações Filipinas, liv.IV, tít. 43)(BONFIM, 2012,p.11. apud COSTA PORTO, 1965,p.36).
 
Assim, por direito, oriundo do descobrimento todas as terras do território brasileiro pertenceriam por título originário à Coroa Portuguesa, somente em sete de setembro de 1822, o Brasil conquistou o domínio deste território por força da independência conquistada.

A fase sesmarial alongou-se até o início do século XIX, sendo extinta em julho de1822, iniciando assim, o período das posses até que fosse regimentado uma lei de legalização de terras no Brasil. A partir dai começa nova temporada na constituição de terras no Brasil se estendendo até 1850, quando acontece a chamada Lei de Terras. Um período conhecidos como “Império de posses” ou “faze áurea do posseiro”.
 
Conhecida como a Lei de Terras, a Lei n° 601, de 18 de setembro de 1850, estabelece pela primeira vez um modo de organização de propriedade, no que diz respeito às terras no Brasil, determinando em seu art. 1º, a proibição de aquisição de terras devolutas de forma gratuita, exceto, em terras situadas em uma zona de 10 léguas nos limites do império com países estrangeiros.
 
Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra.

Exceptuam-se as terras situadas nos limites do Imperio com paizes estrangeiros em uma zona de 10 leguas, as quaes poderão ser concedidas gratuitamente.
 
O instituto da “legitimação de posse” tem sua origem eminentemente agrária, com a edição da Lei de Terras do Império (Lei nº.601 de 18 de setembro de 1850), que prescreveu em seu art. 5º:
 
Art. 5º Serão legitimadas as posses mansas e pacificas, adquiridas por occupação primaria, ou havidas do primeiro occupante, que se acharem cultivadas, ou com principio de cultura, e morada, habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes:
 
Com o advento da Constituição de 1891 as terras devolutas passaram a integrar o patrimônio dos Estados em que estivessem situadas, consoante art. 64, passando cada ente federado a ter legislação própria sobre essas terras. Praticamente todos os Estados adotaram o instituto da “legitimação de posse” em suas respectivas legislações, sempre com a exigência do binômio morada habitual e cultura efetiva.
 
Art 64 - Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais.
Parágrafo único - Os próprios nacionais, que não forem necessários para o serviço da União, passarão ao domínio dos Estados, em cujo território estiverem situados.
 
O Código de terras de 1949 – Lei 336, de 06 de dezembro de 1949, recepcionou e normatizou a matéria sobre as terras pertencentes ao Estado, conforme art. 1º, em virtude do disposto na Constituição Federal de 1891:
 
Artigo 1º - São terras públicas todas as terras devolutas ou reservadas, compreendidas nos limites do Estado de Mato Grosso e a ele pertencentes ex-vi do artigo 64 da Constituição Federal de 1891.
 
Em seu Capitulo IV - art. 52 e ss,  prevê a concessão gratuita de lotes de terras nas seguintes situações:
 
Artigo 52 – A concessão de lotes de terras devolutas, a titulo gratuito, só poderá ser feita em núcleos coloniais.

Artigo 53 – Os lotes serão concedidos gratuitamente a nacionais ou ‘extrangeiros’, que desejarem se estabelecer como agricultores no Estado tendo preferência os primeiros.

Artigo 54 – A área de cada lote colonial não poderá exceder ‘cincoenta’ (50) hectares, quando destinados exclusivamente à lavoura, podendo ser concedida área maior, de acordo com a qualidade das terras e o fim a que se destinam.
 
Verifica-se que a Lei anterior revogada pela 3.922/77, previa expressamente as possibilidades de concessão gratuita de terras por parte do Estado. Diferentemente, o Código de Terras atual é cristalino no sentido de exigir licitação em alienações em terras publicas, conforme disposto nos arts. 7º, 8º e 9º, Vejamos:

Art. 7º - A alienação de terras públicas atenderá ao interesse coletivo e objetivará o desenvolvimento econômico e social do Estado.

Parágrafo Único – A doação de terras públicas dependerá de Lei e sempre conterá clausula de reversão em beneficio de pessoa jurídica de fins não lucrativos, aplicadas em iniciativa de interesse social.

Artigo 8º - O Estado poderá doar ou ceder à união, áreas necessárias a obras de interesse nacional.

Artigo 9º - Somente através de licitação poderá ser feita a alienação de terras publicas, com ressalvas do art. 25 e do parágrafo 3º do art. 26”. Ademais, o seu § 1º dispõe  “ É documento hábil para aquisição de terras públicas o titulo de domínio expedido pelo INTERMAT, após a integralização do pagamento (...)
 
Note que a alienação só pode ser realizada a titulo oneroso, exceto, naquelas situações pontuais, que mesmo assim, exige Lei autorizativa.
 
O Decreto 1260/78, que regulamenta a Lei 3.922/1977 - Código de Terras do Estado de Mato Grosso - instituiu a legitimação de Posse.
 
O Estado poderá legitimar posse de área continua de até 100 (cem) ha, ao ocupante de terras devolutas que cumpra com os requisitos legais, disposto no art. 8º, do Decreto Estadual 1260/78 e Inciso I, Item 1, da Norma de Serviço nº 001/2002 do INTERMAT.
 
Art. 8º. O Intermat poderá legitimar posse de área contínua até 100 (cem) hectares ao ocupante de terras devolutas, que as tenha tornado produtivas com o seu trabalho e o da sua família, desde que preencha os seguintes requisitos:

não seja proprietário de imóvel rural; b) comprove a morada permanente e cultura efetiva pelo prazo mínimo de 1 (um) ano. Parágrafo Único: Para legitimação de área de até 100 (cem) hectares, serão cobrados os serviços de medição, demarcação, taxas e emolumentos regulamentares.” 

O legislador mato-grossense não incluiu o instituto da legitimação de posse como modalidade de alienação de terras públicas. Sendo normatizada em capítulo próprio - CAPÍTULO III - enquanto o que trata especificamente “Da Alienação das Terras Devolutas” esta disposto no - CAPÍTULO IV -, ou seja, trata-se de uma modalidade própria de transferência de bem público ao particular, entretanto, esse não desautorizou que essa transferência ocorresse de forma onerosa ao adquirente.
 
Ocorre que as áreas regularizadas através do instituto da Legitimação de Posse no Estado de Mato Grosso, vêm sendo transferidas aos requerentes de forma gratuita ao longo do tempo, inclusive, atualmente, o que, certamente, gera prejuízo aos cofres públicos.
 
Certo que a legitimação de posse pode ocorrer por venda direta, sem a necessidade de licitação, ocorrendo um procedimento “sumario”, onde dispensa a apreciação legislativa e processo licitatório.
 
Entretanto, não se pode admitir a transferência de áreas publicas (devoluta ou patrimoniada) de forma gratuita, sem lei autorizativa, uma vez que causa dano irreparável ao erário publico. Ainda mais considerando um Estado que decretou Estado de Calamidade financeira.
 
Cuiabá – MT, 25 de fevereiro de 2019.
 

Luiz Carlos Fanaia de Almeida é Advogado INTERMAT, especializado em direito Agrário, direito Ambiental e Gestão em Cidades.
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