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Sábado, 20 de abril de 2024

Opinião

Silvério França: 40 anos de sapataria, selas e arreios

Robson Silva / Secom VG


Um dos primeiros sapateiros da terra de Couto Magalhães, “seo” Silvério Lopes França, nascido em Nossa Senhora do Livramento em 1911, residiu no mesmo endereço desde que chegou em 1950: Avenida Couto Magalhães, 1.576.

Quando o entrevistamos, com 81 anos de idade, memória lúcida, recordava que fez serviços para muitos fazendeiros da região. “Em 23 dias, certa vez, fiz 23 selas de animais” – lembrava com um ar dever cumprido.

Sempre levantava às 3 horas da madrugada e dizia que o crescimento populacional da VG não acompanhava a demanda do mercado. Com apenas oito meses de estudo, criou oito filhos, além de três adotivos.

É impressionante a facilidade com que “seo” Silvério Lopes França recordava a sua passagem pelo município de Nossa Senhora do Livramento e até mesmo na terra de Couto Magalhães, onde desenvolvia com os filhos e os netos a profissão que aprendeu: a de sapateiro, de fabricar selas e arreios. “Com oito anos de idade eu comecei a trabalhar na roça com meus pais, em Livramento”. Naquele tempo, conforme recordava, a educação dos pais era dura. “Nós éramos tratados a altura, principalmente com a comida. Mas tanto pai, quanto mãe podia bater nos filhos para educá-los”, lembrava.

Aos 10 anos, foi para a escola. “Era um professor particular, chamado João Batista, que dava as aulas. Não valeu nada. Ele só enrolou os alunos e acabou fugindo”. Pouco tempo depois, seu pai o mandou para outra escola, também na roça. “Desta vez foi o professor Emídio Mamoré, com quem aprendi a somar, dividir e multiplicar”. Seo Silvério Lopes ficou oito meses na escola. Naquele tempo, conforme citou, seu pai desembolsava a quantia de 25 mil réis mensalmente para manter a escola. “Depois de oito meses meu pai disse que não poderia mais pagar. Como eu não tinha renda própria, abandonei os estudos e voltei para a roça.

Em 1931, mudou-se para o município de Poconé, em companhia da família. “Ficamos três anos lá, tocando lavoura”. Em 1934, voltou para Livramento, onde foi trabalhar também na roça com um dos irmãos. O trabalho era árduo: “nos moíamos dois carros de cana por dia”.

Em 1935, casou-se com Maria Fernandes de França, que era de Várzea Grande. “Ficamos oito anos na roça e em 1950 mudamos para a Cidade Industrial”.

 
Do casamento surgiram oito filhos, sendo quatro casais. O filho mais velho, Gonçalo Evangelista de França, é engenheiro agrônomo e trabalha na Embrapa de Sete Lagoas MG. A filha mais velha é professora aposentada: Rosa Maria Neta. Os outros filhos: Bernardina Gonçalves de França, Maria Terezinha de França, Rita Gonçalves de França, Alberto Lopes de França, Elizeu Vicente de França e Pedro Gonçalves de França, também receberam estudos.

PONTO COMERCIAL

Chegando aqui na VG, “seo” Silvério França foi trabalhar de sapateiro, onde trabalhou por mais e 40 anos.

“Quando os amigos me perguntam qual é o nome do meu comércio, eu respondo que chama Quebra Galho”. Dos filhos, o sapateiro ganhou dezoito netos. “Eu sempre trabalhei de sol a sol para criar meus filhos e me sinto honrado de observar que todos estão bem”, disse Seo Silvério.

O popular Silvério Sapateiro não ficava um dia sequer sem trabalhar. “Abro as portas logo pela manhã e só fecho depois das 17 horas”.

Sobre sua vitalidade, dizia: “o segredo é não beber e não fumar”. Ele cultivava um hábito desde os dez anos de idade: o tradicional guaraná ralado. “Tomo três doses por dia e posso até ficar sem comer, mas sem o guaraná, não”.

PACATO E CRÍTICO

Sobre a Várzea Grande de hoje (há 23 anos) não chama muito atenção de “Seo” Silvério. “Melhorou muito, mas ainda necessitamos de mais infra-estrutura”, reclamava.

No que diz respeito à política várzea-grandense, Silvério Lopes França participou ativamente quando seu filho, o Alberto (Beto) foi candidato a vereador. “Eu sempre acompanhei as campanhas, agora trabalhar mesmo, foi somente na candidatura do meu filho”.

Seo Silvério conhecia plenamente o andamento da política da cidade de Várzea Grande. “Eu acompanho pelo noticiário e nos comentários do dia-a-dia”.

A sua profissão, conforme esclareceu, por ser um dos primeiros na VG, propiciou um conhecimento com as famílias antigas. “Júlio é Jaime Campos, por exemplo, quando crianças, vinham buscar serviços na sapataria para pagar depois. Eles diziam, “Seo” Silvério, não tenho dinheiro hoje”.


FATO QUE MARCOU SUA VIDA

Um dos acontecimentos que marcou a vida do seo Silvério Lopes, além da viagem para Jales SP, onde foi participar da festa de formatura de uma das filhas, foi à construção da Igreja de Nossa Senhora do Carmo. “Eu e alguns amigos puxamos, com carroça, os tijolos, a areia e o cascalho para a construção da primeira Igreja”.

Outra passagem que recordava, diz a respeito a uma viagem a Cáceres com o filho mais velho, o engenheiro agrônomo. “Ele perguntou se eu conseguiria viajar para Cáceres e voltar no mesmo dia, devido a minha idade. Disse que já estava pronto. Viajamos, quando chegamos a Várzea Grande, me abordou sobre o cansaço. Eu disse que retornaríamos no mesmo pé, se quisesse”.

A família e o trabalho sempre foram as duas paixões de Silvério Lopes França, que não escondia as suas frustrações em voltar a fazer arreios e selas para os animais, como antigamente, pois nos dias de hoje já se compra tudo pronto.

“Seo” Silvério Lopes França, tocou a sua sapataria “Quebra-galho”, até quando o seu corpo valente agüentou.

*Wilson Pires de Andrade é jornalsita em Mato Grosso e escreve sobre histórias e "causos" de Várzea Grande
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