Olhar Direto

Terça-feira, 23 de abril de 2024

Opinião

Anestesia

É impressionante a anestesia e o conformismo do povo diante de um sistema cruel como é o capitalista.

Essa constatação pode até ser um tanto óbvia, mas me veio de forma tão clarividente e intensa que resolvi escrever esse artigo.

Tudo isso porque em um dia como outro qualquer da semana peguei um ônibus para voltar do serviço para casa. Como é de costume, o motorista estava "sentando o pé" e fazendo curvas bruscas, principalmente nas rotatórias.

Percebi que no ônibus havia idosos e pelo menos duas mães com bebês de colo. Elas mal conseguiam levantar das cadeiras por conta do excesso de velocidade e esperavam uma reta ou um momento de maior estabilidade do veículo para darem um salto da poltrona e conseguirem descer a tempo no ponto desejado. Toda essa manobra (vale ressaltar) estando com uma criança no colo.

Ao me deparar com a situação, decidi falar com o motorista. De maneira educada pedi a ele que, por favor, dirigisse mais devagar por que havia idosos e mães com bebês no ônibus.

Ele, que já estava irritado com um problema de leitura do Cartão Transporte da catraca eletrônica, se estressou de vez e me disse com voz exaltada: “quem tá dirigindo rápido aqui rapaz!? Tô fazendo um favor de carregar vocês, porque não está passando o cartão, e você ainda fica reclamando?”.

Pedi a ele para se acalmar e abaixar o tom da voz, pois eu estava sendo educado e que realmente o ônibus estava muito rápido, principalmente nas curvas e que não era só eu que achava isso.

O que começou como uma mera reclamação virou um bate boca. Ele me disse que eu não deveria descontar o meu estresse nele e que eu deveria falar diretamente com a empresa, que ele era apenas um funcionário.

Eu disse que também reclamaria na empresa, mas que ele também tem sua parcela de responsabilidade e que precisa ter a consciência que está carregando vidas.

Foi nesse momento que ele se estressou de vez, parou num ponto onde havia um fiscal e disse aos passageiros “pra todo mundo descer e pegar outro ônibus”, que ele não ia ficar aguentando “encheção de saco no ouvido”.

Muitos passageiros ficaram “P” da vida comigo. Uma moça gritou: “ei, você não tem mais nada o que fazer não? Eu quero ir embora pra casa e por sua culpa o motorista parou o ônibus”.

Outra moça disse: “você tem que reclamar na empresa, com a prefeitura, sei lá! Mesmo assim não dá em nada, essa situação nunca vai mudar”.

Teve um rapaz que me apoiou, mas ficou quieto, se manifestou apenas comigo de maneira baixa. Outra parte dos passageiros ficou neutra diante do episódio. 

Eu tentei rebater dizendo que não era possível acharmos aquilo uma situação normal. Acharmos que o motorista não estava rápido e que devemos nos acomodar, pois a precariedade do transporte público nunca vai acabar. Mas não adiantou, o pessoal continuava a me repudiar.

Por fim, o fiscal convenceu o motorista a voltar a dirigir o ônibus, eu me comprometi a não falar mais nada e prosseguimos a viajem.

Depois do ocorrido, o que me deixou mais impressionado nem foi o excesso de velocidade do motorista, mas sim a anestesia, o conformismo, e principalmente a falta de consciência coletiva do povo.

Esse sistema (o capitalista) fez com que as pessoas se virassem apenas para si. Estamos sempre preocupados em chegar logo no trabalho, em voltar logo para casa, mas nunca, ou quase nunca, nos preocupamos em lutar coletivamente contra problemas sociais ou por melhorias no serviço público que nos afetam diretamente no cotidiano. 

O povo, os trabalhadores, estão tão judiados, sacaneados pelo sistema e há tanta injustiça e desigualdade no Brasil, que as pessoas se acostumaram a achar tudo normal . Que faz parte andar em ônibus sucateados, superlotados e que a empresa - concessionária do transporte público - está fazendo um favor de nos carregar como bois para o abate.

Cheguei em casa e liguei no setor de reclamação da empresa do ônibus. Um senhor atendeu e anotou o meu relato. Perguntei se havia algum protocolo no qual eu pudesse acompanhar a minha reclamação e ter uma resposta do caso. O senhor me disse que não havia protocolo, mas que minha reclamação chegaria à gerência que falaria com os motoristas sobre o problema.

Não sei por que tive a impressão de que minha ligação não iria dar em nada. 

Marcio Camilo é músico jornalista em Cuiabá 
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