Olhar Direto

Sábado, 20 de abril de 2024

Opinião

​Angélica flor e Anjo florido

Maurício Barbant / ALMT



Era 1971, os torturadores da Ditadura Militar (1964- 1985), depois de muito espancá-lo, amarraram-no em um Jeep e o arrastaram pelo pátio da Base Aérea do Galeão, quando  paravam o carro, inquiriam: - Onde está o Lamarca?! Como ele nada dizia, colocavam sua boca no escapamento do veículo e o obrigavam a inalar o gás que, horas mais tarde, o mataria.

O corpo inerte e desfigurado pela insana e sádica tortura terminou jogado de um helicóptero no oceano Atlântico. Assim terminavam os dias do  guerrilheiro do MR-8, Stuart Angel Jones, aos 25 anos.


Zuleika Angel Jones, a estilista mineira radicada no Rio de Janeiro, mundialmente conhecida como Zuzu Angel, procurou por cinco penosos anos pelo filho “desaparecido” (segundo os militares), mas que ela sabia morto. Ela queria apenas enterrá-lo para que pudesse deixar de  vê-lo em cada esquina da Cidade Maravilhosa, ou ainda, de relance, na sombra voante mais leve. Como Stuart tinha dupla nacionalidade; Zuzu, através de um desfile-protesto repleto de manchas vermelhas, pássaros engaiolados e anjos amordaçados, conseguiu atrair a atenção do mundo para a sua interminável busca. Ela, cada vez mais próxima da verdade, além de atitudes que desafiavam os generais de plantão, era uma ameaça ao regime de exceção.

Como muito bem cantou Vinícius de Moraes, em “No Colo da Serra”: “O colo de uma mulher/Uma companheira/Uma brasileira/ Pra se amar”, Stuart Angel encontrou na companheira de sonhos e de armas, a lindíssima Sônia de Moraes Angel, a mulher prometida. Casaram-se em 68, ano que para muitos ainda não terminou. Em 71, ele “desaparece” e ela, em 73. Igualmente presa, estuprada, torturada, morta e enterrada em cova rasa e clandestina pelos algozes da caserna brasileira. “... ficaram no chão/Mirando as estrelas/ Mas sem poder vê-las/ No céu brilhar”.


Mas os detratores a serviço do regime, não satisfeitos em mentir e caluniar, continuavam senhores da vida e da morte e assim não bastavam as mortes de Stuart e Sônia; era preciso “naturalmente” vitimar a mãe incansável e resoluta, era necessário ceifar Zuzu. Sentindo o cerco se fechar, Zuleika distribuiu dossiês sobre a morte do filho e escreveu ao amigo Chico Buarque: "Se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho" 


Em 1977, Chico compôs “Angélica”: “Quem é essa mulher/Que canta sempre esse estribilho?/Só queria embalar meu filho/Que mora na escuridão do mar/Quem é essa mulher/Que canta sempre esse lamento?/Só queria lembrar o tormento/Que fez o meu filho suspirar/Quem é essa mulher/Que canta sempre o mesmo arranjo?/Só queria agasalhar meu anjo/E deixar seu corpo descansar/Quem é essa mulher/Que canta como dobra um sino?/Queria cantar por meu menino/Que ele já não pode mais cantar/Quem é essa mulher/Que canta sempre esse estribilho?/Só queria embalar meu filho/Que mora na escuridão do mar”.

E o fez porque em 14 de abril de 1976, na estrada da Gávea, saindo do túnel, dentro da madruga a morte a espreitava, o Karmann Ghia dela “misteriosamente” voou rumo à ribanceira. Angel virara anjo ruflando as asas ao encontro do filho...Hoje, milhares de carros atravessam o túnel  rebatizado em sua homenagem. Todos correndo atrás da vida, com olhos apressados que perpassam pela placa “Túnel Zuzu Angel” e, talvez, nem a leiam e os que a leem, perguntem: - Quem foi? 

*Sérgio Cintra é professor de Linguagens.
sergiocintraprof@gmail.com
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