Olhar Direto

Sexta-feira, 29 de março de 2024

Opinião

Cunha e o fantasma da reputação

Autor: *Francisco Viana e João Edisom de Souza

09 Mai 2016 - 10:49

João Edisom de Souza / Divulgação


“A prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento”.
Stanislaw Ponte Preta

 
 
 
Diz um velho ditado que “quem com muitas pedras bole, uma lhe caí a cabeça”. O presidente da Câmara dos Deputados está colhendo o que semeou: o STF, por unanimidade, fez uma cassação brancaao afastá-lo da presidência e suspender o seu mandato, por tempo indeterminado. Foi aplaudido também por unanimidade. Ninguém no País parecia gostar de Cunha, salvo seu pequeno e ruidoso número de liderados ou os oportunistas, que logo o esquecerão.
 
Bem faria o STF se não parasse em Cunha e fosse adiante, interrompendo o mandato de todos os investigados da Lava Jato. O Congresso não pode continuar como está. O congressista deve inspirar confiança e não descrença. Isto porque a descrença desorganiza a vida do pais, desorganiza o espaço público ocupado pela política, enfim, planta profusão de incertezas. Cunha não vinha fazendo outra coisa, senão apostar no caos. Tornou-se sinônimo de um pais de faz de contas, de uma democracia apenas retórica, manipulável.
 
Tinha uma outra opção. Mentiu sobre as contas no exterior, admitia seu erro e tentariasuperá-lo. Teria tido êxito? Nunca se saberá. Feliz ou infelizmente, a história não se faz com Se, e desse modo, não há como saber se o desfecho seria o mesmo. O problema é que Cunha não deu à mínima importância a dignidade do cargo e, assim, ficou comprometida a sua reputação. Isto é: a parte mais humana do ser, segundo Shakespeare, em Othello. A reputação é tudo porque ela é o fiduciário organizado das instituições e que contribuem para que os processos sejam automáticos, independente das pessoas, reconhecendo a força coletiva. Em outras palavras, impessoal.
 
Não. Cunha seguiu o caminho do personalismo como se estivesse acima do Congresso, do Judiciário e do Executivo. E também da mídia e da sociedade. Era óbvio que não daria certo. O episódio de votação do impedimento da presidente da República foi um espetáculo triste. Via-se nitidamente que era uma irrealidade. Deus derrubou a presidente. Ou seja, Cunha. O processo se tornará nulo? Terá que ser novamente realizado como um novo presidente da Câmara? Os implicados na Lava Jato poderão votar?

O que está acontecendo hoje no Brasil aconteceu antes na Espanha. Felipe González chegou ao poder, com o Partido Socialista, e ficou 13 anos. Fez um bom governo. Modernizou a Espanha, venceu a cultura do franquismo. Não se reelegeu mais quando viu seu governo minado por denúncias de corrupção. Não se envolveu pessoalmente, mas foi tíbio, não agiu com firmeza quando surgiram os primeiros desvios. O resultado é que de meados da década de 90 para cá os socialistas, que perdera o poder, são colocados sob suspeita, a sua reputação não é das melhores, os jovens, principalmente, recusam o cinismo politico.
 
No Brasil, a história se repete em farsa. Dilma Rousseff também não participou de corrupção (nada confirmado por enquanto), mas ao que tudo indica foi igualmente permissiva. O drama é que González saiu do poder ao perder uma eleição e foi um primeiro ministro eficiente, ingressou a Espanha no Mercado Comum Europeu e limpou as manchas do franquismo; Dilma Rousseff não teve a mesma eficiência. Seu governo mergulhou o país numa crise econômica de grandes proporções, com 11 milhões de desempregados e não acertou o passo na política – não fez as reformas, e fez uma política de alianças desastrada.
 
Qual será ofuturo? Não se sabe. Não há mínima possibilidade de previsão. Cada dia é uma surpresa? Os atos de Cunha serão mantidos? Em princípio, sim. O impedimento deve sermantido na Câmara e irá para votação no Congresso dia 11. Se esse ritmo for continuare a presidente for afastada, resta saber se Michel Temer será presidente. Considerando que no Brasil vice não é votado de forma direta. Daria certo essa transição? Como o Brasil será visto aos olhos do mundo? Uma republica de bananas? Precisamos fazer a coisa certa. Se Dilma for deposta que seja por um Congresso integro, não um Congresso contaminado pelo veneno da corrupção. Se for derrubada, que seja por que perdeu o apoio da população e cansou, como cansaram os socialistas na Espanha. Não por seus acertos, mas pelos seus erros e debilidade.
 
No Brasil, precisamos construir uma democracia participativa-representativa e esta se constrói com consensos. Não os consensos fabricados, mas autênticos. Não é uma questão moral. Mas racional: o Estado estrutura a ordem social. Cunha estava desestruturando essa ordem. Era a prova viva de que as instituições funcionavam pela metade. Agora, a situação mudou. Mudarão também as regras do jogo? Réus serão réus, representantes da sociedade serão representantes da sociedade?

A política precisa se ajustar aos padrões democráticos. Personagens como Cunha não podem simplesmente ser eliminados. Devem inspirar normas que garantam a estabilidade das regras. Porque quem é réu em processos diversos não pode presidir a Câmara, nem muito menos o Senado. Que venha o futuro imediato: ele promete novas reações nas instituições e quem sabe também da sociedade? Uma coisa é certa: Cunha não é mais ameaça a linha sucessória.
 
 
*Francisco Viana é doutor em filosofia politica (PUC-SP).
*João Edisom de Souza é professor de Ciência Política. 
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