Olhar Direto

Quinta-feira, 18 de abril de 2024

Opinião

Brasil invisível

Divulgação


 
Nada justifica a violência, absolutamente nada. Nem a física, nem a psicológica e nem tampouco a das verborragias dos palavrões em diálogos ríspidos. Acontece que para explicar, mas jamais justificar, catástrofes como a da Boate Kiss, ou da barragem de Mariana, as barbáries como a do garoto João Hélio, ou desta garota violentada por mais de 30 homens, se faz necessário entender o Brasil e os humanos invisíveis que nele habitam.
 
Boa parte do surto de violência que assola o país vem deste grupo despercebido aos olhos de parte significante da sociedade. Estes invisíveis estão em todas as cidades brasileiras, principalmente as maiores. São pessoas que estão vivendo em um mundo paralelo ao da maioria, com suas próprias leis, sua própria cultura, e ser violento e cometer atrocidades é status social. Agredir, roubar e matar não deixa de ser uma maneira de sobreviver e dizer aos visíveis que eles existem.
 
Quando ocorre barbárie, como no caso desta menor violentada por mais de trinta homens no Rio de Janeiro, há um reboliço principalmente dos justiceiros de plantão da internet, ou dos movimentos partidários camuflados em ativistas, que logo passam a formular frases, erguer bandeiras e postar todo tipo de campanha e desaforo. Mas este Brasil que se manifesta é o visível, não tem nada a ver com aquele onde os “criminosos”, “assaltantes” e “meliantes” em sua grande maioria vivem e são criados. É verdade que boa parte destes crimes são financiados pelo Brasil visível.
 
A indignação diante da violência faz parte da natureza humana, mas é muito pouco diante desta verdadeira epidemia que vive o Brasil. Segundo dados oficiais temos hoje cerca de 155 homicídios por dia, ou algo próximo a 57 mil por ano. Destes, a grande maioria são de pessoas com uma ou mais passagens pela polícia. A população carcerária do Brasil está acima de 620 mil presos somados a aproximadamente 150 mil que estão cumprindo prisão domiciliar por não termos vagas suficientes nos presídios. Uma pergunta sempre cai bem: Se tem tantos presos e se morrem tantos por dia, porque não diminui o número de bandidos nas ruas?
 
A violência é tanta no Brasil que fazendo uma comparação com um Boeing 747-8, que leva no máximo 386 passageiros, é como se a cada dois dias caísse um Boeing lotado em nosso território, ou se caíssem 182 Boeing 747-8 por ano no Brasil. Mas se fossem aviões teríamos um escândalo, seria a maior catástrofe de nossa história. Sim, os passageiros dos aviões são pessoas visíveis.
 
Diferente do acidente de avião, a grande maioria dos assassinos e dos assassinados, dos violentos e dos violentados no Brasil são invisíveis e por isso se tornam protagonistas apenas em alguns programas policiais que faturam em cima da desgraça alheia. Ou quando o grau de violência causa comoção social. As estatísticas causam indignação, mas não causam ações para resgatar principalmente os que ainda são passíveis de não cometer o primeiro crime. Não criamos condições para eles chegarem ao mundo dos visíveis antes que o crime chegue a eles.
 
A origem deste Brasil invisível data de meados do século XIX, com a abolição da escravatura (Lei Eusébio de Queirós de 1850) e é acentuada no século XX, com a exclusão do mercado de trabalho, e explode agora no século XXI, com o consumismo exacerbado em um mundo cheio de facilidades para uns e de extrema dificuldade para outros.
 
As leis de libertação libertaram pouco, pois a grande maioria foi abandonada a própria sorte. Os programas de inclusão incluíram muito pouco. Seja no Império ou na República, o país sempre foi muito cruel com os que não têm a sorte de nascer em famílias com algum recurso. Cruel na origem, na vida e na morte. Não só o Estado é culpado; boa parte dos visíveis são cúmplices do Estado excludente.
 
No trânsito que mata, no dedo que aperta o gatilho, na faca que sangra, no sexo forçado, no tapa na cara, na violência barata, na tortura, nos palavrões, nas cusparadas, na falta de socialidade, nas crianças que nascem de forma indesejada e sem recursos, na fumaça ou no expirar das drogas, no gole do líquido que mata tem um pouco de nós. Nós, os visíveis, que não queremos enxergar o Brasil invisível.
 
 

*João Edisom de Souza é professor universitário e analista político em Cuiabá
joaoedisom@gmail.com 
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