Olhar Direto

Sexta-feira, 19 de abril de 2024

Opinião

O mover da roda

“Da íntima natureza de cada homem é que nasce o seu motivo de agir: o homem é aquilo que ele ama: o que o homem é, é isso que ele crê, e com isso se identifica.” (cap.17 – Bhagavad Gita) 

É notório o comportamento arrogante e prepotente de muitos de nossos representantes políticos e dos que exercem altos cargos públicos. É impressionante como o poder modifica os indivíduos que, muitas vezes, nasceram no seio de famílias simples e humildes. Porém, uma vez alçados ao poder, normalmente, perdem-se da identidade e do reconhecimento interno como seres simples e cidadãos comuns. Soterram esse lado em nome da imagem que desejam projetar e desconectam-se de uma das partes mais belas e dignas do ser humano: o estado de simplicidade - característica principal das Grandes Almas. 

Entretanto, esse comportamento é uma faca de dois gumes, que fere, em primeiro lugar, a própria pessoa na dimensão do invisível, na dimensão espiritual.  Há leis da vida a que ninguém escapa. Aqueles que se esquecem e tentam negar a sua essência, ficam distantes de si, do outro, da Vida, distantes de Deus.  Caminham na mão do mundo, porém na contramão da Existência.
 
Há algum tempo, estive no gabinete de um gestor público para apresentar-lhe o trabalho que realizo na área de Qualidade de Vida no Trabalho e Humanização da Convivência. Ao entrar em sua sala e sentar-me, para minha surpresa, constatei a visível diferença entre a altura de sua ostentosa cadeira  e das que foram colocadas aos visitantes. A sensação que senti foi de estranho desconforto, e logo percebi que a postura daquele gestor estava em total consonância com a altura das cadeiras.
 
Como acontecerá o encontro com o outro se não houver o encontro dos olhos?  Os que olham e tratam o outro revestidos da ilusão da superioridade e da separação privam-se da visão de unidade que existe com tudo que nos rodeia. Não  reconhecem que a vida é sinônimo de mudanças, e o poder é tão efêmero!...
 
Como são plenas de verdade as palavras ditas por meu pai, Sr. Hélio Corrêa da Costa: 
 
“A vida é como uma roda e a roda gira. Quem está em cima desce e quem está em baixo sobe. A gente não se desfaz, não desfaz da vida nem dos que têm a vida.
 
De repente, na hora de uma passagem estreita como a morte, você poderá precisar de alguém que desprezou e ignorou... Nós não sabemos nada sobre o dia de amanhã nem sobre os Mistérios da Vida.”
 
Meu pai foi um homem simples do campo, que amava sua profissão de pecuarista e realizava seu trabalho com amor, dedicação e honestidade. Com a consciência desperta, expressou muita sabedoria no seu jeito de viver. Sabedoria inalcançável pelos “poderosos” cheios de si, porém, vazios do contato e do encontro com o próximo.

Em Brasília, entrevistei o senador Pedro Simon e a ex-candidata à Presidência da República, Marina Silva. Que diálogo inspirador e encantador nós tivemos! Eles,  ícones da política brasileira, permaneceram acessíveis e receptivos. As pessoas que manifestam diferenciada força interior são as que mantêm forte e saudável ponte de conexão consigo e com seu entorno - não se perderam de si mesmas.

Reporto-me à passagem da vida de Abraham Lincoln, narrada por Osho:

“Quando foi eleito presidente dos Estados Unidos, no dia de sua posse no Congresso,  alguém se levantou e disse-lhe: ‘Lincoln, antes de começar o seu discurso, não se esqueça que você é filho de sapateiro’. E acrescentou ainda:  ‘E estou usando um sapato feito por ele’. O Senado todo riu. Queriam  insultá-lo e humilhá-lo, já que não conseguiram derrotá-lo. Porém é muito difícil humilhar um homem como Lincoln.  
 
Mas Lincoln respondeu com extrema serenidade: ‘Estou tremendamente grato por você ter me lembrado de meu pai, que está morto. Nunca vi um sapateiro semelhante. Era único, era um criador porque amava fazer sapatos. Eu procurarei ser um presidente tão bom quanto o sapateiro que ele foi. Ao que me consta, meu pai sempre fez os sapatos de sua família, se os seus sapatos apresentarem algum problema, você pode trazê-los e eu os consertarei. Desde cedo, aprendi a consertar sapatos e, agora que meu pai está morto, posso cuidar dos seus. Aliás, se algum de vocês tiver um sapato feito pelo meu pai que esteja precisando de conserto pode trazer para mim. Mas de uma coisa estejam certos: eu não sou tão bom quanto ele, seu toque era de ouro’. E os seus olhos encheram-se de lágrimas ao lembrar-se de seu pai.”

Neste momento, lágrimas de emoção também enchem os meus olhos pelas recordações que as linhas e entrelinhas deste texto suscitaram-me em relação ao meu pai. Acordam na minha memória, também, lembranças de algumas pessoas, as quais e para as quais, afortunadamente, fomos espelhos limpos e transparentes. Isso oportunizou enxergar e reconhecer a nossa melhor parte, o que divinizou a nossa convivência e tornou-a um presente de Deus. 

Namaste (o Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em você)!
 
Enildes Corrêa é Administradora e Profª de Yoga com formação e aperfeiçoamento na Índia. Palestrante e cronista. 

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