Olhar Direto

Quarta-feira, 24 de abril de 2024

Opinião

De cabeça para baixo

Quando alguém pensa que nada pode ficar mais complicado ou chega a um momento que tudo lhe parece fazer sentido, eis que mais rochas se soltam e rolam montanha abaixo. Nesse sobressalto em que todos correm, cada um para seu lado, o poder judiciário busca legislar numa pseudo iniciativa popular e manifesta-se não só pré-disposto a paralisar se insatisfeito com o andamento do processo, como também se mostra renitente em alterar a prática de aposentadoria compulsória, com todas as mordomias, quando confirmadas gravíssimas irregularidades no exercício das suas funções.

Por sua vez, o poder legislativo legisla a um ritmo vertiginoso com oportunas sessões noturnas proponentes de leis que, isentas de discussão eleitoral ou plenária, visam uma vez mais abrir brechas para refugio das responsabilidades criminais ou morais dos eleitos. Um autêntico e viscoso baile de máscaras onde as personagens são a camuflagem do momento, profundamente incoerente e vazia de conteúdo sério.

Já o poder executivo descumpre regularmente com a sua função revelando total incapacidade de governar o seu povo e avança consistentemente para calamidades financeiras, para o aprofundamento das desigualdades sociais e desmonte da administração pública. Orçamentos e licitações são peças virtuais, invariáveis a cada exercício.

A estes poderes junta-se de cabeça baixa a comunicação social que todos os dias perde a pauta da imparcialidade e materializa a construção de partes muito concretas. Entidades de regulação e fiscalização também elas perdem a cabeça com oportunas trocas de favores, assim como instituições de prevenção e segurança pública se prendem com compadrios e vinganças de sangue.

A academia, transmissora de saber, aos poucos vai ficando à beira da omissão de liberdade e contemporaneidade. O poder econômico e financeiro segue perdidamente o lucro inquestionável, distribuindo os maiores venenos à sociedade. Os sindicatos aparelham-se a jeito de ficarem falando consigo mesmos e as igrejas anunciando a palavra divina avolumam riquezas terrenas longe de qualquer salvação.

A ideia de que tudo isto são pequenos e pontuais desvios de percurso, é um erro fatal que esconde a verdadeira dimensão dos golpes proferidos na essência das instituições. Desvirtuam-se por completo as suas missões e a realidade do país apresenta-se crua e dura.

Mas existem cabeças que não têm tempo a perder com devaneios. Cabeças que em condições desfavoráveis imperativamente precisam cuidar das suas crianças, dos seus velhos e enfermos e ir trabalhar dia após dia se a saúde e a idade o permitir. Atormentadas, dormentes, estas cabeças aguentam, aguentam e vão aguentando até que um elo se feche e una todas as indignações.

Desenganem-se aqueles que acreditam que a luta contra a corrupção será o elo, não é, pois por muito ambíguo que possa parecer a corrupção une e desune. A verdadeira luta é uns furos mais acima. É contra a ausência de dignidade humana e mais uma vez a história nos ensina que sem ela muitas cabeças podem também se perder nas guilhotinas da revolta.

Rui Perdigão é administrador, consultor e presidente da Associação Cultural Portugueses de Mato Grosso.
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