Olhar Direto

Sexta-feira, 19 de abril de 2024

Opinião

​Carícias duras e porradas com ternura

Tolher a liberdade de imprensa é uma das primeiras estratégias dos autocratas. E é pela própria imprensa que assistimos um Judiciário apostando numa resposta à sociedade para o famoso jargão: "a polícia prende e a Justiça solta". Hoje, podemos dizer que não é mais assim. Vivemos uma nova era. O espírito que rege o nosso tempo é o das leis. O único problema é que, agora, a venda que sempre cegou a deusa Têmis (deusa da Justiça) é a mesma que promete amordaçar os veículos de comunicação. Entramos em colapso pela overdose causada pelo uso indiscriminado do remédio jurídico “prisão”. 

Na tentativa de se garantir a ordem e a paz social, excessos vêm sendo cometidos por todas as instituições. O Congresso vive uma crise institucionalizada. Na semana passada, ela transcendeu. Agora é entre instituições. O agravamento se deve à alteração das 10 medidas contra a corrupção elaboradas por membros do Ministério Público. Isso porque os deputados decidiram criar punições para membros do Judiciário, quando for comprovado abuso de autoridade. Hermenêutica (interpretação das leis) e bom senso devem ser questões complementares. Têmis, a balança empunhada pela mão esquerda (sem metáfora sobre posição política) e, em último caso, as grades.

A ameaça de prender jornalistas que cobriam o depoimento bombástico do empreiteiro Giovanni Guizardi, da construtora Dínamo, promovido pela juíza Selma Rosane dos Santos, da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, foi um passo no descompasso. O empresário, que tem revelado detalhes de um esquema montado na atual gestão do governo do Estado, mais especificamente na Secretaria de Educação, não demonstrou qualquer incômodo com a presença e o trabalho dos profissionais da imprensa. Logo, a intimidação foi um claro exagero. 

Rechaço com veemência qualquer tentativa de achaque ao ofício da imprensa. O trabalho do jornalista é primordial para a democracia. Destaco meu respeito profundo à coragem e dignidade da senhora Selma. Mas é inevitável a análise do tratamento desprendido aos veículos de comunicação pelo Judiciário mato-grossense e brasileiro. Quando convém, vazamentos sistemáticos e seletivos. Quando não, o silêncio. A espada empunhada pela mão direita (também sem metáforas sobre a posição política) da deusa Têmis tem sido a língua afiada dos jornalistas. Neste dia 12 de dezembro de 2016, tiveram de pô-la de volta na bainha, sem barulho nem alarde. 

É assim que, num país sem grandes heróis, nasceu do ventre da Justiça o novo mito brasileiro - Sérgio Moro, seu parceiro Deltan Dallagnol e uma competente equipe de promotores do Ministério Público Federal (MPF) de Curitiba. E o que me preocupa - não digo que é o caso dos magistrados supracitados - é o aparelhamento político-ideológico do Judiciário. Não podemos negar que a autonomia, harmonia e independência entre os poderes é o princípio básico da Constituição Federal. É o que nos faz República. 

Mas, não é isso o que temos visto. Da mesma forma, não podemos permanecer vendados. A operação Lava Jato, assim como a famosa “Mãos Limpas”, ocorrida na Itália no início da década de 90, está provocando uma faxina suprapartidária no país. Tudo começou com as delações alçadas à imprensa do ex-diretor de Operações da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, e do doleiro, Alberto Youssef, que envolviam inicialmente o PT, PP e PMDB. Nesta semana, foi a vez de Michel Temer e Aécio Neves serem citados em depoimento do ex-executivo da Odebrecht, Claudio Melo Filho, que expõe o atual governo e a privatização do Congresso. 

Assim, a queda de braço entre os poderes constituídos vem da revisão do teto do funcionalismo público e dos supersalários, passando pela punibilidade de membros do Judiciário (sem dizer do escárnio que é a aposentadoria compulsória). Medidas consideradas retaliadoras, no momento em que o brasileiro está cortado em postas. O fatiamento da nossa moral perante os estrangeiros parece não ter fim. As 10 medidas poderiam ser um alvejante. Mas são os de colarinho branco, os cândidos Barões, os principais responsáveis pela algazarra. 

Por fim, é dezembro. Fim de ano. Fechamento de ciclo. E a chuva, típica desta época indica a necessidade de uma ducha redemocratizadora. O banho não acabou e já não vejo a hora de me vestir. Não será de vermelho, verde ou amarelo. Tampouco o preto da toga. Para uma nova era, é preciso ter coragem para rufar o martelo na mesa com toda força e gritar “ordem, ordem!”. Sem ela não vivenciaremos o progresso. Sem uma imprensa livre e instituições sólidas, repetiremos o passado. Voltaremos a ser uma ditadura da América Latina. Precisamos ser duros, sem deixar de respeitar o próximo. "Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura jamás” (Che Guevara).    

*Hugo Fernandes é jornalista
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