Olhar Direto

Sexta-feira, 29 de março de 2024

Opinião

Monocultura X agricultura familiar

Este artigo não tem intenção de agravar ainda mais os conflitos agrários pela posse das terras - que ocorrem aqui, ali e acolá no território brasileiro – mas apenas alertar a sociedade e as autoridades constituídas a respeito de qual caminho estamos tomando:

O da insegurança alimentar, da desertificação das áreas agricultáveis, do desequilíbrio climático e da exclusão social? Ou de um processo de desenvolvimento rural sustentável, que gere inclusão social, segurança alimentar e preservação do que resta do meio ambiente? 

O intuito aqui não é criticar o agronegócio estabelecido corretamente e dentro da sustentabilidade exigida pela lei, mas apontar as consequências danosas da monocultura desenfreada e ilegal, em detrimento da diversidade produtiva da agricultura familiar.    

Por mais que o assunto já tenha sido exaustivamente debatido, nunca é demais lembrar que o desmatamento descomedido e a consequente adoção de grandes latifúndios das monoculturas provocam a destruição dos recursos não renovais (água, solo e biodiversidade). E isso, em um ciclo de destruição do Ecossistema, logo, implica na redução da disponibilidade de terras e água para agricultura, bem como nos crescentes desequilíbrios ambientais.

Para se ter uma ideia disso, se o índice de desmatamento do Cerrado brasileiro se mantiver como é hoje - cerca de 2,5 maior do que na Amazônia -, o mundo pode registrar a maior perda de espécies vegetais da história.

De acordo com uma tese dos pesquisadores do Instituto Internacional para a Sustentabilidade (IIS), publicado no início do ano na revista científica Nature, o Cerrado brasileiro já perdeu 46% de sua vegetação nativa, e só cerca de 20% permanece completamente intocado. Ainda, segundo os pesquisadores, isso levaria à extinção 1.140 espécies endêmicas - um número oito vezes maior que o número oficial de plantas extintas em todo o mundo desde o ano de 1500, quando começaram os registros.

Nesta semana, um monitoramento feito pelo Instituto SOS Pantanal divulgou que o bioma do Pantanal já perdeu, até o ano passado, 15,7% da sua área de vegetação nativa, ou 23.700 km², um pouco maior que o Estado do Sergipe, isso em função do avanço da agropecuária e de monoculturas.  

Diante desse dilema: entre a preservação ambiental e a sobrevivência, entidades, ONGs, representantes do setor, com a coordenação do Governo Federal, instituíram o Plano Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (PNDRSS). O Plano, na ocasião, foi elaborado e aprovado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (Condraf) após a realização de várias conferências realizadas até 2013.    

Para que a produção agrícola brasileira pudesse se organizar, em torno de um projeto sustentável, uma série de metas foram elencadas pelo PNDRSS para a implementação da agricultura familiar. Aqui vale lembrar que muitos estados da federação ainda estão em fase de elaboração dos Planos Estaduais do PNDRSS, bem como dos Planos Estaduais da Economia Solidária.    

Desta forma, os apontamentos feitos no PNDRSS revelam que todos os aspectos apresentados sobre do tema – monocultura x agricultura familiar – sinalizam para a necessidade de se ampliar a produção de alimentos, em quantidade, diversidade e qualidades, buscando pôr em prática as políticas em curso que se dirigem para a construção de um modelo de produção sustentável, saudável, e menos nocivo às pessoas e para com o meio ambiente. E que também possa garantir o abastecimento de forma segura e estável.

Contudo, ocorre que o governo atual não tem demonstrado interesse em implementar essa visão sustentável na produção agrícola brasileira. Tanto é que nesta semana mais de 60 organizações, sendo estas de entidades ambientalistas, de indígenas, de direitos humanos e do campo (as mesmas entidades que exaustivamente debateram o PNDRSS) decidiram se unir em um movimento de resistência contra as medidas do governo Temer e da bancada ruralista do Congresso Nacional que, segundo essas organizações, podem violar os direitos humanos - especialmente de indígenas e de trabalhadores rurais - e colocar em risco a proteção do meio ambiente.       Assim, através de uma carta pública, essas entidades alegaram que em meio ao caos político que assola o país, a bancada ruralista e o núcleo central do Governo Federal fazem avançar, de forma organizada e em tempo recorde, um pacote de medidas que incluiria violações a direitos humanos, "normalização" do crime ambiental e promoção do caos fundiário.

A carta diz que, se aprovadas, tais medidas produzirão um retrocesso sem precedentes em todo o sistema de proteção ambiental, de populações tradicionais e dos trabalhadores do campo, deixando o país na iminência de ver perdidas importantes conquistas da sociedade ocorridas no período democrático brasileiro.

Diante dessas questões –de exclusão social, de violações de diretos, de danos irreparáveis para o meio ambiente e ao cidadão consumidor – fica a sensação de que o Brasil está sendo rifado pelos congressistas ligados à aristocracia rural. Agora, a regra geral deles é o seguinte: "O povo, o trabalhador, os aposentados, os servidores, os índios, os quilombolas, os pequenos produtores rurais e respectivas representações que se danem", pois as leis estão sendo feitas de forma parcial - de acordo com os interesses dos acordos de cada bancada.

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), o Supremo Tribunal Federal (STF) a própria Constituição Federal, já não são os limites legais para esses legisladores draconianos. Não obstante a isso, têm parlamentares aí que querem reformar até as cláusulas pétreas constitucionais do país, tudo isso para atender aos interesses particulares deles. Agora, imagina o que essa oligarquia de políticos mal-intencionados podem tramar, aprovar, sancionar e executar até as próximas eleições?     

*Marcelo Ferraz é jornalista e escritor.  
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