Olhar Direto

Terça-feira, 16 de abril de 2024

Opinião

O que a moral tem a ver com a economia?

O leitor seria capaz de imaginar um mercado onde não há nenhum funcionário ou caixa? Os clientes instalam um aplicativo no celular, cadastram um cartão de crédito e simplemente pegam os produtos das prateleiras e colocam no carrinho sozinhos. Ao final, escaneiam os códigos de barras com o aplicativo e, em poucos instantes, processam o pagamento. Também é possível fazer o pagamento mensalmente. Ao sair do mercardo, ninguém examinará se você colocou algum produto na sacola sem escaneá-lo.

Realidade distópica ao estilo de “black mirror”? Difícil imaginar algo assim não é? Pois esse lugar existe. Fica na cidade de Estocolmo, capital da Suécia. Foi criado por um empreendedor suéco chamado Robert Iiijason. Fugiria ao nosso objetivo tentar discorrer porque tal empreendimento é possível neste país e inimaginável aqui nas terras tupininquins, contudo, através dele é possível fazermos algumas reflexões. Vamos a elas.

Antes de mais nada, convém lembrarmos que os suécos são biologicamente idênticos aos brasileiros e outros cidadãos do mundo. Somos todos pertencentes à categoria taxonômica “homo sapiens” (homem sábio). Se refletirmos um pouco, tal empreendimento está sendo viável na terra dos “vickings” na medida em que existe, por parte de cada indivíduo que integra aquela comunidade humana, a observância e o acatamento de uma regra moral relativamente simples: “nao te apropriarás daquilo que não te pertences sem o necessário pagamento ou concessão, mesmo sem a vigilância ou fiscalização de outrem”!

Por que? Você continua intrigado. Esta regra moral não me parece complexa, tampouco inexequível. Se a adotássemos teríamos outra nação! Meu argumento exige um breve passeio pela história. Em apertada síntese, nossa espécie vem de uma jornada de pelo menos 200.000 anos neste planeta. Em seu livro “Sapiens – uma breve história da humanidade” (recomendo a leitura), o historiador israelense Yuval Noah Harari narra essa epopéia sob três marcos fundamentais. Há pelo menos 70.000 anos atrás, algo conhecido hoje como revolução cognitiva aconteceu.  Esta “revolução” disparou as forças responsáveis pelo nosso sucesso adaptativo como espécie (pelo menos até agora). Ele é marcado pela formação do pensamento abstrato e a construção de ordens imaginárias que existiam apenas subjetivamente, mas que juntos formavam um rede intersubjetiva. Este fenômeno permitiu que formássemos redes de cooperação jamais atingida por qualquer outra espécie do planeta. Por ordem imaginária entenda (moral, deuses, mitos, estado, sociedade, direitos etc). Foi o primeiro passo para a conquista e o domínio do resto do planeta Terra e levando as demais espécies humanas à extinção.

Continuando, podemos afirmar com certo grau de certeza que aproximadamente dez ou doze mil anos atrás os sapiens deram início a segunda grande revolução: a agrícola. Marcada pela domesticação de plantas e animais e pela fixação do homem à terra, encerrando um grande período de vida nômade. Este fato moldou nossos destinos e potencializou aquelas forças obtidas com a revolução cognitiva,  conduzindo-nos até a terceira revolução, já na era moderna: a científica / industrial. Interessa para o argumento deste artigo dizer que, nesse período todo, os sapiens construíram sistemas de crenças e regras morais (ordens imaginárias) que permitiram um nível de cooperação altamente complexo, redundando no desenvolvimento de estruturas sociais e formas de organização política com variadas matizes.

Com efeito, esta jornada até os dias atuais (7 bilhões de sapiens habitam este planeta localizado na periferia da via láctea) não se deu como uma massa uniforme de seres progredindo linearmente no tempo e com todos os agrupamentos adquirindo o mesmo grau de conhecimento, cultura, arte, estética, política, religião, ética e moral. Inúmeros grupos de sapiens tomaram caminhos distintos devido a uma série de fatores, inclusive geográficos, como aponta a tese do Dr. Jared Diamond, magnificamente demonstrada em seu livro “Armas, Germes e Aço” (aliás, alguns grupos de sapiens não chegaram a idade dos metais ainda). Neste contexto, temos que algumas nações prosperaram sob o ponto de vista econômico e moral enquanto outras ainda lutam para atingirem padrões mínimos de existência digna e de uma moral civilizada.

Voltando a questão da regra moral com que iniciamos e, tentanto ofertar uma resposta (longe de querer afirmar ser esta a verdade) temos que os suécos conseguiram construir a ideia de que cumprir aquela máxima moral traria mais vantagens do que desvantagens. Então a moral vem da razão? Exatamente. Como ensina o Professor de filosofia da USP Clóvis de Barros Filho, a “moral é que nos afasta da natureza” e nos faz humanos. Neste ponto, introduzo um dos maiores filósofos da era moderna, Immanuel Kant (1724/1804). Na sua obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes e outros escritos” ele já nos alertava que “todos os conceitos morais têm sua sede o origem completamente a priori na razão”.

Neste caso, a máxima apresentada “nao te apropriarás daquilo que não te pertences sem o necessário pagamento ou concessão, mesmo sem a vigilância ou fiscalização de outrem” vem a ser aquilo que Kant denominou de “imperativo categórico”, ou seja, leis criadas pela razão pura e que devem ser obedecidas mesmo contra a inclinação, paixões e desejos, ou, nas palavras do filósofo: “age segundo máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”.

Alguém dúvida qua a máxima moral acima mencionada e que serve de fundamento para entender como aquele empreendimento é possível em Estocolmo não possa ser válida em qualquer lugar do planeta? Apenas reflita o seguinte: praticamente todos os problemas que enfrentamos no dia-a-dia neste país, sejam as pequenas transgressões até o comportamento de governantes, empresários, trabalhadores, profissionais etc, advém da não observância desta lei moral. Quem mata, rouba a vida; quem mente, rouba a verdade; quem falsifica, rouba a certeza; quem fura a fila, rouba o lugar do outro; quem fura o sinal vermelho, rouba a vez do outro; quem pratica corrupção, rouba a dignidade de uma nação... e, assim, os exemplos seguem ao infinito.
Os suécos conseguiram compreender que a observância por todos de uma máxima moral que pode ser universalmente validada (imperativo categórico) trás vantagens e benefícios para todos. No caso do exemplo do empreendimento, menores custos para o proprietário e o consequente preço menor para o consumidor. Portanto, amigos, “moral da história”: a moral de uma sociedade determina o padrão econômico de uma nação. É fácil constatar que, caso os brasileiros seguissem este imperativo categórico, teríamos um estado menos burocrático, com menos gastos em fiscalização e baixo índice de judicialização de conflitos, enfim, um estado mais “barato” (estimativa do Controladoria Geral da União é de aproximadamente 200 bilhões de reais/ano os recursos públicos desviados pela corrupção nos três entes governamentais).

Acredito que o momento atual é propício para um “basta” na forma como o brasileiro se posiciona em relação a esta questão. É imperativo que as pessoas deflagrem um “onda” constituída por comportamentos assertivos de cada indivíduo em todas as esferas da vida social. Não é fácil, mas também não é impossível.
 
Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado.
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