Olhar Direto

Sábado, 20 de abril de 2024

Opinião

O Brasil e seus militares: você os conhece?

O Brasil possui duas classes de militares, idênticos em essência, diferentes em missão a cumprir: o “Militar” (art. 142 da CF/1988) integrante das Forças Armadas e os “Militares dos Estados” integrantes das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (art. 42 das CF/1988). Juntas, essas instituições somam aproximadamente um milhão de homens e mulheres prontos para atuarem naquela que vem a ser uma das razões da existência do Estado: a segurança interna e externa da nação.
 
Leitor, pense o Estado como uma grande tela com moldura. Esta “tela” seria a “arena” onde o “jogo” politico (polis) acontece. Nesta “arena” nós, indivíduos integrantes desta nação, vivemos, praticamos nossas relações, professamos nossa fé, trabalhamos, estudamos, divertimos, viajamos etc. E o que seria a “moldura” da tela? Os limites que o Estado impõe e que não devemos ultrapassar, e que nos “trazem” de volta à arena do “jogo”. Quando o cidadão pratica um crime ou uma infração, ele avança esses limites (quebra a ordem) e o Estado, de forma imediata, a restaura. E quem são as pessoas/instituições que personificam esta “moldura”? As forças disciplinadas no Título V da Carta Cidadã: “da defesa do estado e das instituições democráticas”.
 
Com efeito, o Estado de Direito existe não como um fim em si mesmo, mas, principalmente, para garantir os objetivos fundamentais da República (previstos no art. 3º da CF/1988). E quem protege o Estado? Você pergunta. As instituições e as regras constantes do Título V da CF/1988. Ali estão disciplinados os institutos do “estado de defesa e estado de sítio” (artigos 136/140), a constituição, organização e missão das Forças Armadas - Marinha, Exército e Aeronáutica – (artigos 142/143) e a “segurança pública” (art. 144) com a relação dos órgãos e a respectiva missão de cada um. Entre estes, destacam-se os “Militares dos Estados”: Polícia Militar, com a missão de “polícia ostensiva e preservação da ordem pública” e os Corpos de Bombeiros Militares, responsáveis pela “execução das atividades de defesa civil e outras definidas na lei estadual”.
 
Mas, por que duas instituições de segurança pública são militares? Até entendo que as Forças Armadas assim o sejam, o leitor questiona, mas, quanto a estas, tenho dúvidas. Tal incerteza é legítima e duvidar das coisas é da essência da nossa espécie como seres racionais auto-conscientes. Muitos países possuem modelo semelhante ao brasileiro de organização da polícia de ordem pública (França, Espanha, Chile etc). Wilson Odirley Valla, em seu livro “Doutrina de emprego da polícia militar e bombeiro militar” pontifica que o principal fundamento para que tenhamos forças estaduais militarizadas está em um princípio já consagrado em inúmeros textos legais, constitucionais ou não, de que “toda a força colocada ao serviço do direito deve ser limitada, disciplinada e hierarquizada”.
 
Os Militares dos Estados adotam o “modelo de administração militar” para cumprir a missão imposta pelo ordenamento jurídico. Poderiam adotar o paradigma civil de administração? Sim. Muitos países assim o fazem. Contudo, nossas polícias de ordem pública subsistiram ao tempo graças ao seu caráter militar. Este regime jurídico, na verdade, reflete a evolução histórica das forças estaduais. Em nosso Estado, por exemplo, a história da Polícia Militar se confunde com a historiografia de Mato Grosso. Seja como for, o modelo se consolidou com a Constituinte de 1988, legitimado pelo momento de intensa reivindicação democrática clamada pelo país.
 
Os Militares (todos eles) são organizados sob um regime de “hierarquia e disciplina”. Para as forças militares estaduais, tais valores são tidos como essenciais para orientar a execução dos atos de polícia de ordem pública e prevenção de sinistros. Assim, por exemplo, ao militar não é exigido apenas a observância da lei, antes, ela deve ser “rigorosa” e o acatamento deve ser “integral”, culminando com um cumprimento de missão “perfeito”. Estes adjetivos, integrantes do conceito de disciplina militar, são colocados pelo legislador justamente para diferenciar axiologicamente estes agentes públicos dos demais.
 
Para Max Weber (1864/1920) "o Estado é uma relação de homens dominando homens, relação mantida por meio da violência legítima (isto é, considerada como legítima). Ele é uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território". Perceba que o Estado, com tamanho poder (Leviatã, nas palavras de Hobbes) necessita de limites, sob pena de voltar-se contra seus próprios cidadãos (Venezuela?). Assim, utilizando-se das palavras do Coronel PM Nelson Fernando Cordeiro, ex-Comandante da Polícia Militar de Minas Gerais, “o caráter militar é uma garantia para a sociedade contra o arbítrio e o despotismo de uma força sem controle apropriados”.
 
Filiamo-nos a esse entendimento e acrescentamos ainda que, em um estado democrático de direito, os valores cultuados pelo militares não estão em dissonância daqueles que são necessários para a construção de uma sociedade livre, justa, solidária, sem pobreza e sem preconceitos (Art. 3º da CF/1988). As falhas, eventualmente perpetradas por agentes destas instituições seculares, devem-se, não em decorrência ao caráter militar, antes, acontecem justamente pela não observância e acatamento inflexível dos valores que são pilares destas excepcionais organizações humanas.
 
 
Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)
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