Olhar Direto

Terça-feira, 16 de abril de 2024

Opinião

Naturalização do crime (E.M)

Divulgação

 

É raro discordar de alguém com a tarimba de Onofre Ribeiro. Diz ele que o episódio dos grampos está supervalorizado e que a população volta-se para outras prioridades quando convocada para votar. Afirma, ainda, que a prática de grampos é relativamente natural em disputas e que todo mundo sabe que todo mundo sabe do ilícito. João Edison, outro amigo e colega de longa data, ameniza o escândalo ao afirmar: é ingenuidade pensar que, em eleições, os candidatos não grampeiem adversários.

Preciso discordar dessa tentativa de contemporização, de um lado, e de naturalização, de outro. Nesse tema, a água na fervura levanta um vapor perigoso capaz de misturar personagens, o certo do errado, o legal do ilegal. Vamos afirmar o que precisa ser dito: grampear alguém ilicitamente não é natural, não deve ser tomado como regra do jogo e não será ingenuidade imaginar que um delito desta monta há de ser investigado e punido severamente. A contemporização é tão temerária como o próprio delito. O repúdio é o mínimo que se espera.

O caso não trata apenas de uma interceptação ilegal. A questão aqui é bem mais grave, desprezada por ambos os analistas. Há crimes particulares e crimes de Estado. Os crimes cometidos por particulares são enfrentados com os meios disponíveis, sendo o Ministério Público o principal meio de combate para chegar ao Poder Judiciário independente.

O caso ganha contornos dramáticos quando se trata de crime de Estado, ou seja, cometido de dentro do aparelhamento estatal, em desfavor de adversários políticos e cidadãos não alinhados. Os regimes de força, durante períodos sombrios de exceção, mantinham expedientes ilegais desta natureza: espionagem, prisões arbitrárias, deportações administrativas, censura ao jornalismo livre, demissões sumárias.

No stalinismo, sim, o grampo era natural. No maoísmo sim, a bisbilhotice era uma regra. Talvez no castrismo, no chavismo, em governos autoritários ou populistas. Em regimes democráticos, nos quais a lei deve sobrepujar a todos, um crime de Estado é gravíssimo porque coloca o aparato estatal contra o cidadão, absolutamente indefeso para fazer frente. Não é para isso que pagamos impostos, certamente.

Parece que a imprensa nacional também não desfaz do caso dos grampos. Tampouco os sítios virtuais de notícias em Mato Grosso. A imprensa – setor social que lutou pela consolidação dos direitos civis durante a ditadura – acompanha o caso com interesse que o escândalo requer. Não é para menos.

Quem está preso não é qualquer soldado, não é fato? Tratam-se de coronéis, a mais alta patente da Polícia Militar Estadual, alguns ligados ao governo por meio da nomeação para cargos de confiança. Se são culpados ou não, somente o Poder Judiciário dirá, cumprindo os ritos legais e oportunizando o amplo direito de defesa.

A investigação ganha dramaticidade ao somar declarações de um promotor de justiça reconhecido socialmente pelo combate ao crime organizado em Mato Grosso. Diz ele repetidas vezes: avisei pessoalmente ao Governador, oficiei duas vezes, além de apresentar o caso até mesmo por slides.

O segundo protocolo foi fraudado do balcão para dentro, isto é, por gente da própria administração pública. Se fatos dessa natureza são naturais, não quero imaginar o que seria anormal, atípico, imoral.

Num ponto, devo concordar com Onofre e João Edison. Para as eleições vindouras, importa mais as realizações concretas do governo. O eleitor é um bicho pragmático e não programático. Ele quer saber quantos hospitais foram construídos, quantas bibliotecas, quantos quilômetros de asfalto, se o soro chegou às veias, se o filho está na escola, se há merenda no bucho, se pode andar tranquilo nas ruas. O pragmatismo eleitoral nos conduziu até o atual descalabro brasileiro.

No entanto, é preciso concordar com meus dois amigos: enquanto a opinião pública se debate escandalizada com fatos naturais ou naturalizados como crimes de Estado, o eleitor costuma não bancar o juiz. O voto vem com a somatória de alianças políticas, realizações de governo e uma dose cavalar de esperança no desenvolvimento.

Essa é a fórmula conhecida. Nessa altura, um alerta. O mundo parece que está mudando. Daqui pra frente, pode ser que o eleitor queira muito mais. Talvez exija o que, até então, pareça um absurdo – ética, transparência, lisura, valores que, até então, não são naturais no meio político nacional.


*Eduardo Mahon é advogado em Mato Grosso

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