Olhar Direto

Terça-feira, 16 de abril de 2024

Opinião

Homofobia e o “aumento” de registros de ocorrência em Mato Grosso

A imprensa vem noticiando que houve um aumento de registros de ocorrências no estado de Mato Grosso, motivados por homofobia. Contudo, faz-se necessário analisar o fenômeno a partir de elementos contextuais que permitirão verificar se essa hipótese dar-se-á nessa premissa, necessariamente. Quando o Estado diz que houve um aumento do registro de ocorrência, significa então, que mais Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – LGBT, tem denunciados as autoridades policiais que foram vítimas de algum tipo de violência, decorrentes de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero. Dizendo isto, não quer dizer que esses crimes tenha aumentado, mas tão somente publicizados. Caso contrário, cairíamos no “senso comum” de que o fenômeno é recente, e por algum motivo tem aumentado, invisibilizando com isso, seu aspecto histórico e estrutural.
 
Pode-se dizer que o aumento dos registros, também decorre de ações especificas pautadas pela segurança pública, e uma dessas, e pode-se dizer histórica, ao colocar Mato Grosso como vanguardista do país, foi o de implantar em 2009, no campo “motivação do crime”, presentes nos boletins ocorrência das polícias civil e militar, a opção “homofobia”. A partir dessa ação, o Estado conta com uma ferramenta objetiva, capaz de produzir dados oficiais, a partir do registro policial. Além desta, criou-se em 2011, o campo “nome social”, para atender uma das demanda da população trans que é reconhecimento do uso do nome a qual é (re) conhecida no meio social. E recentemente, em 2017 criou-se, também no boletim de ocorrência, os campos “orientação sexual” e “identidade de gênero”, dos quais possibilitaram a identificação dos LGBT, no ato do registro.
 
Para além dessa objetividade, é necessário também, problematizar as subjetividades presentes na relação vítima-policial. Quero dizer que, não basta o Estado investir e capacitações, se não houver a sensibilização do profissional de segurança pública diante do problema em questão. E nessa relação, muitas vezes conflituosas, encontramos dois fenômenos que se constituem como “gargalos da segurança pública”: as “cifras negras” e as “subnotificações”. Esses fenômenos refletem os crimes e as violências que são praticadas, mas que, por uma série de razões/motivos não chegam ao conhecimento do Estado. De maneira geral, faz com que as ocorrências sejam notificadas abaixo do esperado, e com essa não formalização, gera-se índices abaixo da realidade.
 
 Ao refletir sobre quais seriam essas razões/motivos para que os LGBT não registrem ocorrências de violências e crimes praticados no seu cotidiano, encontramos duas hipóteses que vem sendo confirmadas por vários estudos. A primeira é a “revitimização”, que se constitui como um fenômeno decorrente do sofrimento continuado ou repetido da vítima de um ato violento, após o encerramento deste. Quando aplicado esse fenômeno a população LGBT, situamo-nos, no ato do registro policial, ou seja na esfera institucional, quando o LGBT sofre novamente com o preconceito, a piada, a chacota e o “despreparo” daquele profissional, que em tese, seria o agente estatal capaz de cessar aquele sofrimento, mas acaba produzindo/gerando novos sofrimentos a vítima. O fenômeno também é percebido em outros momento dessa relação, ou seja, nas abordagens truculentas, no atendimento a vítima em unidades periciais para realização de Exame de Corpo de Delito, e também na pouca efetividade das investigações policiais. Esses entraves presente na segurança pública, acaba por fomentar a “descredibilidade” por partes dessa população nos órgãos e instituições de segurança pública.
 
Um outro fenômeno, também analisado, é a condição pública da sexualidade da vítima, geralmente quando o LGBT não é “assumido” ele não registra a ocorrência por receio de expor a sua sexualidade. E esse fator em si, tem como elementos motivacionais, a rejeição ao LGBT, presente no imaginário popular e alimentado diariamente por discursos fundamentalistas, baseados em crenças individuais de natureza mítica, assim como, a omissão do Estado em discutir legislações que coíba e puna agressores homofóbicos.
 
Creio que já passou do momento do Estado e da sociedade, assimilar que a violência e os crimes praticados contra LGBT, como dito antes, tem um conteúdo histórico, tem uma linguagem excludente, e passe a encará-la, para além de uma questão social, uma questão pública, uma questão de todos e todas, e não tão somente, do indivíduo em si. O fenômeno da homofobia, deixou ser exclusividade dos LGBT, e passou acometer heterossexuais, que são vitimizados ao serem “confundidos” com gays. Um pai já não pode abraçar e beijar seu filho em público, um irmão já não pode andar abraçado com o outro nas ruas, sem que haja, minimamente, as piadinhas, os palavrões, os olhares, e não raramente, as agressões físicas chegado ao homicídio.
 
Partindo desse pressuposto, entendemos que não houve um “aumento” dos crimes homofóbicos no estado, mas tão somente, um número maior de LGBT tem procurado as delegacias de policias e registrado a ocorrência. Todavia, apenas o ato do registro em si, não significa dizer que há um aumento da “confiança” por parte dos LGBT nos órgãos e instituições da segurança pública. Posto que não se tem uma política de acompanhamento e monitoramento dessas ocorrências, e muitas das vezes, tornam-se simplesmente dados estatísticos. Ademais, não se percebe um empenho pôr parte do próprio Estado em criminalizar a homofobia, torna-la uma tipologia penal, capaz de dar uma resposta objetiva a milhares de pessoas que sofrem cotidianamente com essa perversidade.
 
Por fim, reconhecemos que a segurança pública de Mato Grosso, mesmo com todas as complexidades que a constituem, tem sido nos últimos anos, o único órgão estatal a desenvolver ações objetivas e com respostas concretas, no que tange a população LGBT. O que serve de exemplo para as outras Secretarias, principalmente, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, que desde sua criação não tem sequer uma política LGBT como modelo e referência para o estado e para o país.
 

Rodrigues de Amorim Souza, é Gestor Público e Especialista em Políticas de Segurança Pública e Direitos Humanos pela UFMT.
rodriguesschneider@gmail.com
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