Olhar Direto

Sexta-feira, 29 de março de 2024

Opinião

Intervenção militar. Saída para crise moral ou oportunismo?

Após a fala do General de Exército Antonio Hamilton Martins Mourão em uma loja de Maçonaria em 15/09 sobre o tema intervenção militar no Brasil, o assunto tomou corpo e ocupou a mídia desde então. O General afirmou que uma “intervenção militar” poderia ser adotada pelo Exército caso o Poder Judiciário “não solucionar o problema político” atual pelo qual a Nação padece. Assim, chegaria o momento em que os militares teriam que “impor isso” (a intervenção). As declarações do General Mourão, considerando a disciplina e hierarquia a que estão sujeitos os militares, causou certo constrangimento, tanto ao Comandante do Exército, General de Exército Eduardo Villas Bôas, quanto ao Ministro da Defesa, Raul Jungman. Até porque, a política de comando do Comandante do Exército é pautada no tripé formada pela legalidade, legitimidade e estabilidade, como ele mesmo, sabiamente, tem pronunciado. Nesse contexto, a última coisa que o Exército quer, é ser motivo de desestabilização de um cenário já complexo e altamente volátil.

Estes são os fatos noticiados. Inúmeras análises foram elaboradas por diversas “autoridades” de plantão e, como não poderia deixar de ser, em tempos de redes sociais, comentários e opiniões de toda ordem. Some-se a isto o fato de haver vozes que defendem cada vez mais abertamente a suposta “intervenção militar” em face aos acontecimentos de ordem política, moral e econômica resultantes do desastroso governo petista dos últimos treze anos, continuado por um governo impopular e “atolado” em denúncias de corrupção e organização criminosa. Realmente um cenário desolador!

Analisar conjunturas não é tarefa das mais fáceis. Diferente de resolver um equação matemática ou calcular o movimento de um planeta utilizando a física newtoniana, política, economia e ética são fenômenos sociais e, portanto, sujeito a infinitas variáveis, porque são resultantes da ação humana. Mesmo assim, é possível avaliar e construir cenários para entender os fatos sob determinadas perspectivas. A primeira delas é uma análise da legislação vigente para conferir a legalidade de uma eventual entrada em cena do aparelho estatal de força. Havendo esta alternativa, no contexto do Estado Democrático de Direito, garantido pela Constituição, ainda restaria o ponto mais crítico: qual o momento  para adoção de tal medida, como fazê-la e, não menos importante, quanto tempo mantê-la?

Qualquer análise sobre este tema, obrigatoriamente deve começar pela Carta Magna. O Título V trata da “defesa do estado e das instituições democráticas”. Está dividido em três Capítulos: o primeiro disciplina o “estado de defesa” e o “estado de sítio”; o segundo organiza as “Forças Armadas” e o terceiro trata da “Segurança Pública”. Os estados de “defesa” e de “sítio” podem ser decretados pelo Presidente da República, sempre após ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional. Aquele (estado de defesa)  é utilizado  para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza e, este (estado de sítio) em situações de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa, declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.

Veja leitor que são situações extremas que pode vir a atravessar a Nação. Contudo, dependem da iniciativa do Presidente da República e, em ambos os casos, necessita de apreciação pelo Congresso Nacional. Em seguida, temos o Art. 142 que disciplina e organiza as Forças Armadas. São constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica; são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (apoio residual às operações de segurança pública).

Finalizando, o Capítulo três estabelece que a  segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares.

Assim, a leitura atenta de todos os dispositivos citados demonstra não haver na redação legal a palavra “intervenção militar”, ainda mais com o sentido em que é proferida atualmente. Então não há nenhuma intervenção prevista na Constituição? No Título III, Capítulo VI, temos a palavra “intervenção”, disciplinada nos artigos 34 a 36. Trata de situações pontuais em que a União pode intervir nos Estados e no Distrito Federal e estes nos Municípios. Existe um rol taxativo de situações (exceções) sendo que a regra é a não intervenção. Nenhum dos requisitos legitimadores desta intervenção poderia ser utilizado para justificar a natureza da intervenção ora em comento.
Poderia se argumentar ainda que a intervenção militar pela qual segmentos da sociedade tem reivindicado não tem a natureza das acima previstas na Constituição. Esta intervenção deve ser legitimada através de uma interpretação sistêmica da Carta Magna. É possível, posto que o direito é uma ciência inexata e dotada de um caráter discursivo preferencial. Contudo, é importante destacar que uma ruptura institucional, ocasionada por uma intervenção militar de natureza política, sem previsão expressa na Constituição, poderia jogar o país em um caos ideológico sem precedentes.
A atual conjuntura brasileira, tomada de espanto e desesperança com os escândalos de corrupção institucionalizada desbaratados pela operação laja-jato e outras, aliado à impunidade ou sanções aquém da gravidade dos delitos em concreto, desenvolve no imaginário popular uma sensação de desesperança e descrédito nas instituições responsáveis por prevenir, apurar e punir as condutas desviantes dos agentes públicos e privados envolvidos nos grandes esquemas de desvio de dinheiro público. A opção pela defesa de uma ingerência de natureza militar na ordem política, econômica e moral da sociedade parece surgir como a única solução para tão complexo problema.
Parece que defendemos a democracia até o ponto de aceitarmos perdê-la (intervenção militar) acreditando ser possível reavê-la novamente após uma “depuração” moral. É tentador. Dado que a Constituição organizou os poderes sob a ótica de Montesquieu (1689-1755): legislativo, executivo e judiciário, independentes e harmônicos entre si, pergunta-se: é possível uma intervenção de natureza militar sem romper a premissa acima apresentada? Como ficam os fundamentos da República, elencados no artigo 1º com uma intervenção desta natureza?
Intervenção militar, significa em última análise, a supremacia do poder executivo sobre os demais. Mas hoje não existe essa “independência” e “harmonia”, você, com razão, imediatamente questiona. De fato, aquilo que, em tese, está positivado na Carta Magna, no mundo real, habitado pelos humanos brasileiros, não vem sendo seguido. Interesses escusos e inimagináveis, tomaram conta do processo e dinâmica dos poderes: o sistema de freios e contra-pesos, tão necessário ao equilíbrio institucional, foi substituído por uma política medíocre, fisiológica, clientelista, demagógica, populista e cleptocrata. O pior dos mundos!!
Dessa forma, acredito que, por mais desolador que seja o atual cenário, nossas instituições ainda não colapsaram. Fraquejam, mas ainda funcionam. Nenhum dos atuais agentes políticos de cargos eletivos lá está sem o voto popular. Já fizemos o impedimento de dois presidentes da república dos quatro eleitos pelo voto direto após 1988. Não é pouca coisa!
Mas o Brasil é o Brasil. Político condenado em primeira instância tem figurado em primeiro lugar em algumas pesquisas de intenção de voto para Presidente. Assim, pergunta-se: por que ainda votamos em pessoas comprovadamente desonestas? Será que uma intervenção militar faria tais brasileiros repensarem suas atitudes e processos mentais de escolha de representantes? É possível impor uma determinada ordem moral de cima para baixo? É assim que sociedades mais conservadoras como a Inglaterra, por exemplo, fizeram. É assim na maior democracia que o mundo já viu?
Sou de parecer que havendo o caos total e incontrolável, é óbvio que o Estado, representado pelo monopólio do uso da força (Max Weber), interveria de alguma forma, até mesmo, contra legem. Não creio que vivenciamos tal momento. De outro lado, e aí realmente não tenho a solução, nosso povo deveria desenvolver uma nova mentalidade no que tange à sociedade que deseja. Educação é sempre a melhor saída no longo prazo. Escolher melhores representantes e cobrá-los incessantemente, participar mais da vida política e refetir sobre os processos que controlam a sociedade é outra forma também.
Enfim, o mundo tende a ficar cada vez mais complexo e talvez a própria democracia não esteja mais atendendo tais mudanças. O que faremos? Eis o mistério!!
 
Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)
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