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Quinta-feira, 28 de março de 2024

Opinião

PMMT: engrenagem indispensável ao funcionamento da sociedade mato-grossense

A PMMT foi criada na fase provincial por meio da Lei n. 30, de 05 de setembro de 1835, a qual instituiu o corpo policial com a denominação de Corpo de Polícia Homens do Mato, no entanto há indícios de atividades policiais por essas terras muito antes desse ano, conforme nos indica Ubaldo Monteiro (1985, p. 13): "Realmente, a data instituída e acatada é essa, como sendo a da criação do organismo policial de Mato Grosso, face à 1ª Constituição da província, depois da independência Brasil".

Seu nome de fundação fazia clara alusão a algumas das funções da polícia à época: a recaptura de escravos fugidos e a destruição de quilombos. Além disso, exercia atividades de auxílio à justiça, à defesa interna da capitania e de manutenção da ordem.

Essa instituição, logo nos seus primeiros anos, teve relevante participação nos conflitos que ficaram conhecidos como Guerra do Paraguai - a mais sangrenta guerra travada na América do Sul -, tendo sido seu efetivo incorporado à Força de Voluntários da Pátria, que é como ficaram conhecidos os batalhões formados pelo Império com o propósito de auxiliar o Exército Imperial no combate às forças paraguaias.

A obra "A Polícia de Mato Grosso - história e evolução - 1835 a 1985", de autoria de Ubaldo Monteiro (1985), é uma das poucas referências sobre a história dessa instituição. Nele o autor cita que a PMMT recebeu diversas denominações ao longo do tempo até que, por fim, por força do Decreto Estadual n. 337, de 25 de julho de 1947 assume a denominação que permanece até hoje: Polícia Militar.

Hoje a PMMT conta com aproximadamente 7.600 homens e mulheres tratados constitucionalmente como militares estaduais, distribuídos pelos 141 municípios do estado onde atuam cumprindo a incumbência que lhes é designada constitucionalmente, ou seja, preservar, por meio do policiamento ostensivo, a ordem pública - um estado no qual o cumprimento da lei e das disposições emanadas das autoridades são integralmente acatadas, sem constrangimentos, pela população - e lidar com a prevenção do crime e sua repressão imediata (atuação na iminência do fato).

A maior parte de suas ações são serviços de prevenção e auxílio, exercendo, assim, atividades indispensáveis à vida em comunidade. Ocupa, portanto, uma posição singular na grande ordem política, de modo que a especialização e a profissionalização balizam seus desafios no século XXI ao ter que, mais do que lidar com os dilemas da lei e da ordem, cuidar da segurança do cidadão, de questões relacionadas ao crime organizado, intolerâncias, terrorismo, entre outros. Em suma, os principais determinantes da necessidade da instituição policial passam pelo encargo de garantir a ordem legal, reprimir os crimes e dar assistência à população nas suas mais variadas necessidades, de modo que sua condição de existência, sua função no contexto social atual, é extremamente complexa.

 Ainda que a concepção tradicional da função policial enfatize a aplicação da lei e a manutenção da ordem como elementos fundamentais de sua missão, verifica-se que há na prática uma maior ênfase à prevenção criminal e serviços sociais diversos que correspondem ao atendimento assistencial à população.

O que vemos hoje é que a mesma polícia, os mesmos policiais, que ao final de uma ação enérgica de manutenção da ordem auxiliarão o trânsito em um engarrafamento; salvarão os feridos de um acidente; acolherão uma pessoa agredida; darão fim a uma ocorrência com refém; auxiliarão profissionais da saúde; etc. Destarte, diz Monjadert "nada é mais enganador do que a distinção de uma 'boa' polícia, que protege, em oposição à 'má' polícia que reprime". (O que faz a polícia: Sociologia da Força Pública, 2003, p. 15)

Assim, a mesma polícia que é um instrumento de poder a um tempo, é também um serviço público essencial suscetível de ser requisitado por qualquer pessoa em outro. Distinguindo-se não pelo uso real da força, mas por possuir autorização para fazê-lo; não que o trabalho policial consista no uso da força para resolver problemas, mas sim que a atividade policial consiste em lidar com situações em que o uso da força é uma possibilidade.

A polícia não criou e não pode resolver sozinha as condições sociais e políticas que estimulam a criminalidade. A maior parte de tais soluções se encontra fora da gama de suas atribuições. Assim, há que se examinar mais detidamente as condições particulares de causalidade do crime e como tais condições estão relacionadas às estruturas econômicas, sociais, históricas e políticas presentes na sociedade.

A criminalidade de rua é uma questão preocupante, de modo que a promessa do estabelecimento da lei e ordem, do fazer as ruas seguras, é atrativa, uma vez que o medo do crime é um fato desmoralizante e opressivo da vida nos dias atuais. Isso posto, muitas pessoas acreditam que uma polícia mais repressiva deveria ser apoiada e encorajada, porém, as soluções propostas que incluem o endurecimento do tratamento dado aos criminosos, maior aparato policial, entre outros, não têm se mostrado viáveis, e não são discutidas nem atacadas as verdadeiras causas do crime e as razões de sua permanência em nosso meio.

A Polícia Militar é uma das instituições que mais se identifica com a defesa dos interesses do Estado. É quem, na prática, define a cidadania, e, nesse sentido, não se pode negar que é uma das instituições que maior contato tem com a população em seu cotidiano, portanto, é necessário estabelecer um modelo policial ainda mais profissional, com práticas compatíveis com a democratização que se passa nas sociedades contemporâneas e com a realidade social do país, um modelo que facilite o controle externo, a transparência, o respeito aos direitos humanos, inclusive dos policiais, que são, antes de tudo, trabalhadores e cidadãos. As polícias são resultados do contexto social em que atuam, integradas que são por cidadãos oriundos da própria sociedade.

Destarte, a democratização da força policial se torna um elemento vital no sentido de não deixar que a retórica da lei e ordem represente o interesse de determinados grupos. Para isso é necessário alterações institucionais ligadas ao debate envolvendo a polícia e o público sobre o papel dessa instituição numa sociedade democrática e uma consideração sobre as implicações sociais das atividades de policiamento, reconfigurando a polícia já não mais "como aparelho de Estado, mas enquanto corpo comum servidor da causa da cidadania - claro, da cidadania que vem e não dessa aí que temos hoje, envolvida até o pescoço com a violência mantenedora do direito". (COTTA, Matrizes do Sistema Policial Brasileiro, 2012, p. 19) 
        
O ambiente democratizado exige, portanto, uma aproximação maior dos policiais à população e um comprometimento com uma segurança pública preventiva, de modo que o crescente reconhecimento da importância e da complexidade do trabalho policial exige que esses profissionais estejam aptos a lidar com um amplo conjunto de tarefas que não demandam meramente resistência física e coragem, mas, também, medidas crescentes de recursos criativos, conhecimentos sociológicos, psicológicos e de comunicação.

A polícia que queremos não pode se deixar instrumentalizar pela política ou se deixar levar pela indiferença das autoridades com poder para regulá-la e controlá-la em nome de grupos políticos que se beneficiam eleitoralmente da disseminação do medo. O arbítrio não pode ser chancelado em nome da segurança. Necessário se faz caminhar em direção à constituição de uma polícia que não seja vista apenas como o braço forte do Estado; que, mais do que no nome, nas práticas seja cidadã, enxergando-se como parte da sociedade a que serve e se ocupando com a proteção dos direitos dos cidadãos; que seja um serviço à disposição do público, "constituindo por isso mesmo uma engrenagem indispensável ao funcionamento de uma sociedade democrática". (MONET, Polícias e Sociedades na Europa, 2006, p. 151).
 

Franklin Epiphanio é Major da Polícia Militar do estado de Mato Grosso.
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