Imprimir

Opinião

O uso de veículos aéreos não tripulados (vants) pelas forças policiais

Carlos Henrique Nascimento Areco

A segurança pública sempre será assunto de grande relevância para a população, pois sem ela, os bens mais importantes do ser humano ficam desprotegidos, tais como a vida, o patrimônio e a liberdade.

Pensando nisso, os legisladores e chefes do executivo se preocupam muito com a questão da segurança e estão sempre trabalhando para propor novas leis e programas que venham a dar tranquilidade as pessoas,  até mesmo para que isso se converta em votos nas eleições.

No entanto, imperioso destacar que a promoção da segurança pública não pode vir por meio de normas que acabam privando o cidadão de seus direitos e garantias fundamentais, os quais podem ser encontrados no artigo 5 º da  Constituição Federal de 1988, no caso em análise, mais precisamente no inciso X onde temos a intimidade, vida privada, a honra e a imagem das pessoas.

Em que pese a previsão dessas garantias constitucionais, desde a promulgação da Constituição Federal temos acompanhado diversas flexibilizações delas, que decorrem dos avanços científicos e tecnológicos, quase sempre em nome da segurança pública, o que até hoje, efetivamente, não alcançamos.

Pitágoras, antes do nascimento de Jesus Cristo já dizia: eduquem as crianças para que não seja preciso castigar os adultos. Essas palavras tem vida até hoje mas nossos representantes não as consideram e preferem criar meios de obtenção de provas nos processos penais e investigações policiais ao invés de investir tempo em matérias que de fato resolvam o problema da segurança pública.

Exemplos desses meios de obtenção de provas é a Lei 9.296/96 que trata das interceptações telefônicas e a Lei 12.850/13 que trata das organizações criminosas, leis essas que além de tratar sobre formas de obtenção de acervo probatório, tipificam crimes que podem inclusive punir os agentes de segurança pública, ou seja o próprio estado elabora tipos penais para se resguardar de possível atitude criminosa cometida por seus próprios representantes na aplicação de seus sistemas para obter provas.

Recentemente temos o Projeto de Lei do Senado (PLS) 167/2017 de autoria do Senador Wilder Morais (PP/GO) que versa sobre o uso de Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs) ou popularmente conhecidos apenas como drones, pelos  órgãos de segurança pública, projeto esse que em seu texto de justificação diz ter a finalidade de disciplinar o uso desses equipamentos, mas ao meu entender, ele visa apenas dar respaldo técnic jurídico na atuação das forças policiais com o uso dessas ferramentas.
Os VANTs são instrumentos que sobrevoam áreas com capacidade para captar, registrar e transmitir imagens em alta definição. Com essa tecnologia as forças de segurança pública pretendem facilitar o trabalho policial em atividades operacionais e de inteligência.

Ocorre que o uso desses equipamentos podem gerar graves violações aos direitos e garantias fundamentais do cidadão que não seja alvo de investigações policiais e que, por ventura, esteja circulando ou possua residência em local de visibilidade alcançada pelos drones, quando utilizados em áreas urbanas ou de grande circulação e convívio de pessoas.

Noutra quadra, temos a necessidade de garantir a segurança pública, de punir os infratores da lei e, quando possível, recuperar ativos do estado e bens de particulares que tenham se perdido nas mãos de criminosos.

No entanto, o referido PLS 167/2017 possui apenas 5 artigos onde são tratados assuntos como os tipos de VANTs que devem ser usados, indenizações e tratamento médico à eventuais vítimas de drones e curso para operação desses equipamentos.

Em parte alguma do projeto se fala dos limites que a utilização desses veículos aéreos devem respeitar, e isso é o que mais me preocupa. Em que pese a Agencia Nacional de Aviação Civil (ANAC) já tenha publicado as regras de utilização de drones no Brasil, ela também não impôs demarcações à utilização pelas forças policiais, pelo contrario, a ANAC criou determinados limites excluindo da necessidade de cumpri-los as forças de segurança pública, impondo respeito apenas as regras do Departamento de Controle e Espaço Aéreo (DECEA).

Não acho que a polícia não possa utilizá-los, no entanto, entendo que esse uso deve ser controlado e limitado a determinados casos, e a única barreira imposta pelo PLS é a proibição de VANTs com armamento e autônomos (que não precisam de piloto remoto).

Entendo que essas limitações, além de cuidarem da integridade física das pessoas devem cuidar também da intimidade, da vida privada e da honra das pessoas, para que não corramos o risco de nos depararmos com milhares de ações judiciais visando indenizações por violações aos direitos e garantias fundamentais em decorrência do uso inapropriado desses veículos aéreos pelo estado.

Ao meu ver, essas limitações devem ser no sentido de especificar tempo de vôo de cada VANT e em cada região, para que não hajam equipamentos fixos em determinadas áreas como se estivéssemos em um reality show da vida real ou que fiquem sobrevoando nossas cabeças como se fossem guardas.

Deve haver, um raio de atuação para cada drone com câmeras direcionadas exclusivamente nos alvos e suas residências em caso de operações com busca e apreensão, para que não ocorram invasões a vida privada de vizinhos de alvos de operações policiais, exceto em casos de perseguições ou confronto armado com criminosos, quando é impossível esses marcos sem garantir o mínimo de segurança ao agente da lei.

Entendo ainda, que não é toda e qualquer operação policial que mereça a utilização de equipamentos caros como os drones, devendo ser restringido seu uso aos procedimentos policiais com cumprimento de mandados de prisões preventivas, visando assim inviabilizar a fuga do acusado, que seu uso seja determinado por autoridade judicial mediante provocação de membro do Ministério Público ou autoridade policial e que não seja usado para monitoramento de investigados.

Vale trazer à baila ainda, que algumas forças policiais já estão usando VANTs em suas operações, mesmo sem uma regulamentação especifica para isso, o que ao meu ver, viola o princípio da legalidade administrativa previsto no artigo 37 caput da Constituição Federal e do devido processo legal, o qual se trata de cláusula pétrea e se encontra no artigo 5º, LIV da CF/88, visto que não representam por autorizações judiciais para se utilizarem dessas ferramentas.

Dito isso importante salientar que em face à violação do devido processo legal, toda e qualquer prova produzida por intermédio da utilização de drones, antes da vigência de lei que regulamente sua utilização pelos poderes policiais, deve ser considerada nula e desentranhada de qualquer processo ou procedimento investigativo sob pena de nulidade de todo o bojo processual.

Me parece mais sensato a utilização desses VANTs  em áreas de pouco convívio humano, tais como fronteiras, zonas rurais e rodovias, pois assim se reduziria as chances de atentado contra os direitos e garantias fundamentais e se destinaria ao combate de crimes ambientais, tributários e o narcotráfico, mas ainda assim, as limitações supracitadas devem ser observadas.

Vale ressaltar que o crime tem que ser combatido, porém não a custo de maculações contra a vida privada, a intimidade, a honra, a imagem e ao devido processo legal, pois essas são garantias que a constituição nos dá para que vivamos em harmonia e liberdade.
Dessa forma, antes de ser sancionado, entendo que devam ocorrer algumas alterações no referido PLS, e que se esquente o debate sobre o tema, para que não nos vejamos amanhã ou depois, vivendo em um big brother estatal, com VANTs circulando diariamente sobre nossas cabeças e residências, alcançando inclusive o que fazemos dentro de nossos lares, incorrendo assim em violações de garantias fundamentais previstas na constituição.
 

Carlos Henrique Nascimento Areco é Advogado, Sócio Proprietário no Escritório Carlos Areco Advocacia, Membro da Comissão de Direito e Processo Penal da OAB-MT e Pós Graduando em Direito e Processo Penal na FESMP-MT.
 
 
Imprimir