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Opinião

Vitamina D grátis

Valfredo da Mota Menezes

O Sol foi considerado e adorado como um Deus por muitos povos. Foi considerado e amado como um Rei, durantes séculos, por todos os povos. Nos primeiros anos do século passado descobriu-se que seus raios curavam algumas doenças de pele, reverteram quadros de raquitismo e o sol passou a ser considerado como opção de tratamento (helioterapia). Durante quase todo o século passado o “banho de sol” transformou-se numa atividade terapêutica e estética. Todas as moças queriam ter um “corpo dourado do sol de Ipanema....” ou de qualquer outro lugar. O Brasil era um país moreno. Há muitos anos a ciência já havia mostrado que os raios ultravioletas (UV) do sol, principalmente UVB, quando penetra na pele transforma o precursor da vitamina D na forma ativa da vitamina D (D3); que a exposição da pele ao sol é a principal fonte de vitamina D. Há muitos anos já se conheciam os efeitos benéficos da Vitamina D sobre a estrutura óssea das pessoas. Ela ajuda na absorção, na deposição e mobilização do cálcio nos ossos. Crianças sem vitamina D serão crianças sem cálcio e, consequentemente, raquíticas. Adolescentes sem vitamina D serão adultos com osteoporose e consequentemente com fragilidade óssea e fraturas. A sua diminuição, ao alterar a absorção de cálcio, leva a fraqueza muscular e óssea, facilitando à queda e a osteoporose com consequente fratura de bacia e/ou vertebral, que em pessoas idosas pode, pela imobilização prolongada, levar a morte. Entretanto, desde o último quarto do século passado, depois de ter sido associado ao câncer de pele, o sol passou a se execrado, temido e evitado. As recomendações e alertas sobre seus “malefícios” passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas e foram endossadas por entidades acreditadas e respeitadas mundialmente, como a própria Organização Mundial de Saúde que, em 1992, concluiu que a radiação UV é fator de risco para o câncer de pele. 

“O sol dá câncer de pele”. Esta foi e tem sido a frase aterrorizadora que, mesmo sem a necessidade de algum complemento ou explicação, faz com que a maior parte das pessoas passe a usar proteção contra seus raios. Isto ficou ainda pior com as consequências que viriam do “buraco na camada de ozônio”. Todos nós íamos morrer de câncer e sapecados pelo sol. “Vamos salvar as nossas crianças!”. “Cubram as quadras esportivas”, “cubram as piscinas”; “não deixe ninguém sair de casa sem protetor solar”. As moças já não queriam o “corpo dourado”. Ficaram pálidas e passaram a pintar o cabelo. Viramos um país de “loiras”. Porém, nada melhor “que um sol depois do outro”. O tempo passou e alguns estudos, já neste século, começaram a por em dúvida a afirmação categórica da culpa do sol em todas as situações e em todas as pessoas. Mostraram que, embora o sol seja um fator de risco para o aparecimento do câncer de pele, o melanoma (o câncer de pele que pode levar à morte) ocorre em pessoas com predisposição genética, principalmente em pessoas com pele muito clara, ruivas, ou com grande número de nevos (pintas) na pele e que já sofreram repetidas queimaduras solares1. Mostraram, também, que “a incidência de melanoma está associada ao aumento do índice UV e baixa latitude e somente em brancos não-hispânicos”2. Mostraram, ainda, que os cânceres mais benignos (basocelular e de células escamosas) ocorrem com mais frequência em pessoas de pele muito clara e com exposição crônica e repetidas queimaduras solares3.  Também neste século estudos chamaram a atenção para a deficiência de vitamina D em diversos países. No Brasil, alguns estudos mostraram um alto grau de deficiência em várias cidades pesquisadas: São Paulo com taxas de até 96%; Curitiba com 90,6%; Rio de janeiro com 67%; Belo Horizonte com 42%; Recife com 66%; Vitória com 42%; João Pessoa com 33%.(Apud – Sergio S. Maeda et al.)4. A descoberta recente de um receptor da vitamina D em diferentes células do organismo levantou a possibilidade de que ela pudesse também ter efeito protetor sobre essas células5. Além disso, três recentes revisões sistemáticas mostraram benefícios da Vitamina D. Uma sugere que pessoas com deficiência de vitamina D têm maior índice de mortalidade6, outra que a vitamina D diminui o índice de quedas em pessoas idosas7 e outra mostra o benefício da vitamina D na diminuição de resfriados8. Esses fatos – déficits de vitamina D e benefícios da suplementação de vitamina D - talvez sejam os causadores do aumento exponencial da prescrição de vitamina D que vem ocorrendo nos últimos tempos. Grande parte da população (desde crianças a idosos) passou a tomar a vitamina D por via oral. Isto é, grande parte da população está comprando vitamina D. Se sabemos que a principal fonte de síntese da vitamina D é o sol, por que estão comprando quando basta sair ao sol??. A resposta está no excessivo medo que nos impuseram sobre a possiblidade de o sol provocar câncer. A Sociedade Brasileira de Dermatologia chega mesmo, como em seu último Consenso, a quase proibir qualquer exposição ao sol. A recomendação é tão radical e fundamentalista que, no mínimo, as mulheres deveriam usar burca e as crianças deveriam voltar para dentro do útero o só saírem depois de mais nove meses, e já lambuzadas de protetor solar e todas tomando vitamina oral9. A Sociedade Brasileira de Endocrinologia, embora reconheça e enfatize a importância do sol, em seu Consenso, entretanto, só recomenda a reposição oral4. Infelizmente, o fato de o Autor principal e de alguns coautores do Consenso serem palestrantes e receberem pagamento de duas indústrias que fabricam e comercializam a Vitamina D fragiliza muito essa recomendação.    

Acredito que as Sociedades médicas e mesmo a OMS, diante das novas evidências, poderão, em pouco tempo, mudar a recomendação de que nenhum sol deve ser permitido para algum sol deve ser permitido. É natural que, depois de tantas informações sobre os malefícios do sol, as pessoas continuem com medo. O sol realmente é um fator de risco (principalmente quando causa queimaduras), entretanto a falta dele é outro sério fator de risco especialmente para crianças e adolescentes. Então qual é a exposição segura? Qual deve ser a dose de radiação considerada segura para a síntese de vitamina D sem que provoque queimadura com consequente risco de câncer de pele?  Já começaram a surgir alguns oportunistas que tentarão tirar seu dinheiro. Já tem gente vendendo “doses de sol”. Estão prescrevendo o uso do sol ou de radiação UVB sob supervisão. Oferecem segurança contra seus malefícios, síntese de vitamina D e você ainda “pega uma cor”. Ninguém precisa pagar para isso. O que as pessoas precisam saber é que para diferentes tipos de pele serão necessários diferentes tempos de exposição e que qualquer coisa que influencie a penetração do raio UVB na pele pode alterar a produção de Vitamina D. Assim, quanto mais escura for a tonalidade (mais melanina) e mais protegida estiver a pele (protetor solar, roupa, nuvens etc.) menor será a penetração e menor a formação de vitamina D. Quanto mais clara, maior a penetração e menor deverá ser o tempo de exposição. Na dependência da sensibilidade à radiação solar, a Dermatologia classifica a pele em seis diferentes tipos que vai do Tipo I (pele muito clara, com pouca ou nenhuma melanina, que quando exposta ao sol por cerca de 40 - 60 minutos fica vermelha, irritada e não bronzeia) até pele do Tipo VI (pele escura e com muita melanina que nunca fica vermelha ou irritada e que aumenta a tonalidade com o sol). Uma pele muito clara que fica irritada, vermelha, mas que consegue ficar ligeiramente bronzeada é do Tipo II, a do Tipo III é semelhante ao I e II, porém consegue um bronzeamento mais intenso. As dos Tipos IV e V são semelhantes a VI, porém com menos melanina, não ficam irritadas ou vermelhas e aumentam facilmente o bronzeado10. É importante que a população conheça esta classificação para fazer a sua própria dosagem segura de radiação.  

Algumas pesquisas mostram que basta cerca de 10 a 20 minutos de exposição solar para se manter um nível adequado de vitamina D11-13. Pesquisadores da Noruega propõem o uso de uma calculadora que, embora não tenha ainda sido validada no Brasil, serve como um parâmetro mínimo para que cada pessoa possa fazer seu próprio calculo14. Todo esse volume de novos estudos provocará novas discussões e novos direcionamentos em relação à exposição solar, vitamina D e câncer. Todavia, fica claro, que a reposição pela exposição solar é a mais fácil e a mais barata. A minha recomendação é: o Sol faz bem, porém use com moderação. 

(As referências deste artigo podem ser solicitadas ao Autor pelo e-mail: valmota@gamil.com) 

Médico, Prof. Universitário e Doutor em Medicina Interna e Terapêutica 
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