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Opinião

O brasileiro e seu caso de amor pelo Estado

Julio Cezar Rodrigues

Não seria absurdo dizer que após a promulgação da Constituição de 1988, iniciamos um novo Brasil. Claro que este documento formal não mudou nossa cultura, nossos hábitos ou nossas crenças. Contudo, a Carta Cidadã estabeleceu um novo “contrato social” entre o Estado e seus cidadãos. Foram estabelecidos “fundamentos” (art. 1º) e “objetivos” (art. 3º) para a República Federativa do Brasil. Um rol com direitos e garantias fundamentais (Título II), elencando direitos e deveres individuais e coletivos e direitos sociais foram positivados.
  
Assim, além dos direitos “naturais” (vida, liberdade e propriedade) que geram prestações negativas (obrigação de não fazer), surgiram os demais direitos individuais, coletivos e sociais, os quais, por definição, implicam em deveres com prestações positivas (obrigação de fazer). Nasce o “estado de bem estar social” em terras tupininquins e, com ele, a relação de amor do cidadão brasileiro com seu estado protetor, mas, com um estranho paradoxo embutido: não gostamos da classe política responsável em administrar esta grande nave chamada Brasil.
  
Em seu livro intitulado “A Cabeça do Brasileiro”, o sociólogo Alberto Carlos de Almeida se propôs a investigar o que o povo brasileiro realmente pensa sobre uma série de assuntos polêmicos, e, para tanto, organizou uma pesquisa chamada “Pesquisa Social Brasileira” (PESB). Foram entrevistadas 2.363 pessoas entre 18 de julho e 05 de outubro de 2002, em uma amostra de 102 Municípios (incluídas as 27 capitais). Do total de entrevistados, 9% eram analfabetos e apenas 12% com ensino superior. Foram ainda excluídas da pesquisa as cidades com menos de 20.000 habitantes.
  
Interessa-nos para este ensaio como o brasileiro médio entende sua relação com o Estado. Nas palavras do sociólogo, o brasileiro ama o Estado. É ele quem deve fornecer todas as condições para progredirmos na vida, e se isso não acontecer, a culpa não é nossa, a culpa é do Governo que não ofereceu condições para que isso acontecesse”. Contudo, um fator curioso surgiu na pesquisa. Ao inquirir sobre o nível geral de desempenho e confiança nas instituições públicas brasileiras (partidos políticos, congresso nacional, assembleias legislativas e câmaras de vereadores) obtiveram a pior nota nos dois quesitos. Em contrapartida, grandes, médias e pequenas empresas (entes privados) juntamente com a igreja católica, receberam as melhores notas. Concluiu o autor que, nós, brasileiros, “queremos o estado, independentemente de seu desempenho”.
 
Qual reflexão pode ser feita a partir de tais informações? Por que não confiamos nos políticos e amamos o Estado? Para tentar responder esta pergunta, Bruno Garschagem escreveu o livro “Pare de acreditar no Governo. Por que os brasileiros não confiam nos políticos e amam o estado”(2015). Parece que, de uma forma estranha, o brasileiro consegue separar o “Estado” de seu “Governo”, endeusando aquele mas apontando os vícios dos políticos que dirigem este.

Os últimos escândalos que abalaram e ainda estremecem o país (mensalão, petrolão, JBS etc) contribuem para massificar essa postura do brasileiro.
 
Esta talvez seja a discussão mais complexa a ser enfrentada pela sociedade. As forças ideológicas debatem sobre este tema desde o Iluminismo. Qual o tamanho do Estado? Qual o papel do Estado? O espectro político que vai de uma extrema-esquerda a uma extrema direita possuem respostas divergentes e antagônicas. Em paralelo, temos a visão libertária que defende o estado-mínimo, pejorativamente chamado pela esquerda de “neo-liberal”. Tradicionalmente, o Brasil sempre teve governos intervencionistas. Assim, foi-se solidificando a crença em um estado que é, ao mesmo tempo, fonte dos males e das soluções.
 
A mudança dessa mentalidade estatista para uma visão libertária, ou, pelo menos a apresentação “sem paixão” de que existe vida fora dos “braços” do estado aos jovens e adultos, poderia ser via sistema formal de ensino. Contudo, seria ingenuidade pensar em tal propósito. O sistema oficial de ensino público já está sedimentado na visão “marxista” e/ou “gramsciana” de mundo. Como lembra Garschagem em seu livro, um exemplo dessa ocupação nas universidades foram os encontros para estudar o livro “O Capital”, de Karl Marx (falaremos um pouco sobre esta obra no próximo artigo), que ficaram conhecidos como “Seminários de Marx”, realizados a partir de 1958 na USP. Nada contra encontros para estudar determinado autor. Porém, nunca se viu encontros para estudar a obra “A Riqueza das Nações” de Adam Smith ou “A Ação Humana” de Ludwig Von Mises, por exemplo (aliás, esta obra desconstrói todo o alicerce teórico de Marx).
 
O atual momento político é ímpar para refletirmos sobre o papel do estado. O mundo real nos apresentou da maneira mais cruel possível que, políticos das mais variadas matizes ideológicas, apropriaram-se do estado brasileiro, via conluio com entes privados e refestelaram-se com os recursos públicos extraídos dos trabalhadores da nação (empreendedores, empregados, micro-empresários, produtores rurais, autônomos, informais etc), aqueles que verdadeiramente produzem riqueza e valor.
 
Em um país como o nosso, ainda nos primeiros degraus da escada ética, é quase impossível enfrentarmos o problema da corrupção e do mau uso do erário se não for diminuído o poder e o tamanho do estado. Quanto mais concentrado os recursos e maior o grau de discricionaridade dos gestores, maior a probabilidade da corrupção. Sendo assim, haveremos de decidir entre termos homens públicos de caráter para a gestão da res-pública (tarefa quase impossível) ou um estado menor e com menos oportunidade para o corrupção.
 
Reflitamos a respeito!
 

Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)
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