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Opinião

Reforma trabalhista

Julio Cezar Rodrigues

Muito se tem discutido, e faz parte do regime democrático fazê-lo, a reforma trabalhista apresentada pelo Governo Temer ao Congresso Nacional contendo alterações em mais de 100 artigos da nossa “novíssima” CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) do Governo Vargas, aprovada por um Decreto-Lei de 1943. Esta, atualmente, já contém inúmeras alterações ao longo destes 74 anos.

Ontem (11/07) o projeto de lei foi votado no Senado Federal e aprovado. Não sem antes algumas Senadoras promoverem um Show de horrores naquela que deveria ser a Instituição mais consciente e madura do legislativo brasileiro. Partidos como o PT e PSOL que se dizem os defensores da democracia, deveriam voltar “à prancheta” e reestudar tudo o que aprenderam sobre este tema. Para o pensamento político de esquerda, depois de Gramsci, a democracia é meio para o fim último de chegar ao poder. Eles já desistiram há muito da “ditadura do proletariado”. Mas, voltemos ao tema.

É da natureza humanaresistir a mudanças que tirem o ser de sua zona de conforto. Quando a mudança envolve discurso político ideológico, a situação tende a ser agravar. Some-se a isso o fato de que vivemos uma época de absoluta falta de confiança nas Instituições responsáveis pela condução desse processo: um Presidente denunciado por corrupção passiva em pleno exercício do cargo e um Congresso Nacional com parcela significativa de seus membros atolados na operação “lava-jato”. E agora um Senado fornecendo o pior exemplo de democracia possível.

Vozes de setores organizados como os sindicatos, partidos e militantes de esquerda disparam acusações contra a citada reforma trabalhista. De outro lado, o Governo Temer, que encontra-sefragilizado (sem popularidade e base de sustentação política altamente volúvel) em modo de “sobrevivência” não soube comunicar com a sociedade as vantagens e melhorias que esta reforma pode ou poderia trazer, notadamente para retomada do desenvolvimento econômico e redução do desemprego.

Quantas pessoas o leitor estima que conhece os pontos que estão inseridos na reforma? O brasileiro já não tem o costume de ler, quanto mais textos legais, na maioria das vezes com a linguagem característica do direito positivado, ou seja, densa, erudita, técnica etc. Nesse cenário, aqueles que são contra a reforma e exercem a função de formadores de opinião, constroem o discurso à maneira que lhes convier. Faça o teste. Pergunte a um militante petista ou de outro partido da oposição o que está sendo proposto de reforma, ele responderá que não sabe mais é contra.

Este artigo não tem o objetivo de discutir os dispositivos que encontram-se no projeto de lei recentemente aprovado e que segue à sanção do Presidente, após tramitar na Câmara de Deputados novamente. Quero fazer outra reflexão, sem adentrar ao mérito dessa proposta de reforma trabalhista. Antes, porém, destaco que um dos principais aspectos diz respeito à flexibilização nas negociações entre empregados e empregadores, o chamado "acordado sobre o legislado". Assim, abrir-se-ia a possibilidade de haver negociação sobre, por exemplo, parcelamento de férias, jornada de trabalho, redução de salário e banco de horas (contudo terão força de lei). Contudo, algumas garantias existentes não estão na reforma para serem extintas, a exemplo do fundo de garantia (FGTS), salário mínimo, décimo terceiro, licença maternidade e férias proporcionais.

Como disse, não farei juízo de valor sobre os tópicos específicos da reforma (existem excelentes artigos na mídia comentando tecnicamente). Pretendo sim, refletir sobre duas questões: (i) os 14 milhões de desempregados no país, estão contra esta reforma? e (ii) por que tantos brasileiros migram para os EUA, por exemplo, fins de trabalhar em um país onde as leis trabalhistas não oferecem o mesmo grau de proteção que as nossas?

Aprendemos desde a tenra infância que o “trabalho dignifica o homem”. Faz parte da ética cristã disseminar esta máxima. Assim, uma pessoa desempregada sente-se indigna e impotente frente aos seus deveres de chefe de família ou, caso ainda não o seja, detentor de uma profunda desesperança quanto ao seu futuro.

Somente quem passou por essa situação compreende o quão terrível é viver sob os auspícios de tamanha carga emocional por encontrar-se na situação de depender ou do Estado ou de familiares e amigos para sobreviver.

Ousaria dizer, como hipótese, que os milhões de desempregados em nosso país seriam favoráveis a qualquer mudança legislativa na seara trabalhista que possibilitasse o seu retorno ao mundo laboral como empregado ou, diante desse cenário, abriría-se, talvez, a luz empreendedora que estava adormecida em seu interior e o fizesse lançar-se no mercado como empregador. Por que não?

A segunda questão é emblemática e paradoxal. A legislação trabalhista nos Estados Unidos, entre outras coisas, não obriga as empresas a pagarem férias remuneradas, imposto sindical, aviso prévio, multa de 40% por rescisão de contrato de trabalho, décimo terceiro salário. Também não existe FGTS. Os únicos “encargos trabalhistas” que as empresas estadunidenses pagam são: Social Security, o regime de previdência geral dos Estados Unidos, equivalente ao INSS no Brasil, e o Medicare, o seguro de saúde. Enfim, encargos que incidem sobre a folha de pagamento das empresas privadas são bem menores se comparado com os incidentes no Brasil.

Ora, se é assim na terra do Tio Sam, por que tantos brasileiros arriscam-se a entrar ilegalmente naquele país para trabalhar sob tais condições? Porque desejam TRABALHAR e receber renda, que não conseguem auferir no Brasil, uma vez que o Empreeendedor (aquele que gera emprego) não resiste às nossas normas trabalhistas. Somente esse dado da realidade, posto que não é uma construção metafísica, é um fenômeno que pode ser constatado empiricamente, já deveria ser suficiente para enterrar as críticas da esquerda sobre qualquer natureza de reforma trabalhista em nosso país.

Contudo, infelizmente, existe uma parcela ideologizada da sociedade que, em nome da manutenção de suas crenças limitantes, preferem jogar o país às traças, do que reconhecer que determinadas reformas, por serem de governos que detestam politicamente (o governo “golpista” e “ilegítimo” de Temer) são necessárias. Somente “eles” possuem as condições morais para proporem quaisquer tipos de reformas.

Não defendo Temer, tampouco concordo com sua conduta não-republicana exposta via proprietários do Grupo JBS. Essa questão seguirá seu curso via “devido processo legal” através das instituições competentes. Faço questão de lembrar aqui que, quando a “alma mais honesta do planeta” e o seu “poste” governaram a nação, somente a título de exemplo, defenderam que haveria necessidade de mudanças nas regras de terceirização (existem vídeos no you tube comprovando), contudo, quando foi colocado no texto da reforma essa questão, lançaram-se à mídia contradizendo aquilo que defendiam há pouco tempo. Assim não dá!

Como afirmou o diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho (embaixador do Brasil na França entre 1956 e 1964) mas atribuído erroneamente a Charles de Gaulle (1890/1970) “o Brasil não é um país sério!”. Pois precisamos sê-lo, sob pena de não ficar nada para as próximas gerações.
 

Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)
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