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Opinião

O segredo do bonzo

Diogo Egidio Sachs

A delação, ou seja, a colaboração premiada da Lei 12.850/2013 é um novo instrumento de obtenção de prova de crime que coloca em lados opostos de uma mesma balança a ponderação sobre conduta criminosa e sua consequência. O fiel desta balança é: a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades desta organização; a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; e, a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada. Discute-se doutrinariamente e judicialmente se o Chefe de uma quadrilha pode ser beneficiado por colaboração premiada.
 
As delações homologadas por Ministro do Supremo Tribunal Federal do Ex-governador de Mato Grosso, de parte de sua família e a de seu Chefe de Gabinete da Casa Civil não são pouca coisa. Contudo, é apenas o início de uma investigação policial, de forma que, fazer julgamento agora seria impróprio e leviano. Assim, podemos dizer que possivelmente tenham sido praticadas condutas ilícitas, tais como as mencionadas nessas delações que imbricam uma grande parte dos políticos deste Estado, com e sem mandato, servidores públicos e diversos empresários de relevância econômica indiscutível. Quanto a empresários, muito cautela, às vezes estes têm que pagar o que lhes exigido por agente inescrupuloso, - a dificuldade é artificialmente criada para vender a solução ou facilidade.
 
Se provadas as revelações da referida delação, uma profunda alteração haverá de acontecer no Estado de Mato Grosso atinente aos relacionamentos pessoais, práticas e procedimentos entre o público e o privado, influenciando e muito o resultado das eleições gerais de 2018. Não estou aqui julgando a conduta ou o caráter de qualquer pessoa pelo que fez, possa ter feito ou por ter se tornado por força das circunstâncias o dedo de veludo de mais de uma década de relacionamento entre o poder legislativo e o executivo de Mato Grosso, em verdade meu intento é registrar, para não esquecer, que tudo que se refere a esta delação é trágico; sintam, por exemplo, o constrangimento que é ver-se obrigado a ficar pelado em revista policial realizada na carceragem do Fórum de Cuiabá, que supostamente foi levada a efeito em 19 de janeiro de 2016, apesar do protesto de advogado.
 
Os vídeos de pessoas recolhendo dinheiro em Gabinete da Casa Civil de Mato Grosso têm um impacto avassalador sim, todavia, pelo mesmo motivo há igual repulsa social em saber de existência de central clandestina de escutas manuseada por policiais supostamente a mando de Governo. Dito isto, para afirmar que é impossível julgar com justiça uma pessoa e uma vida inteira tão somente embasado em filmagem secreta ou escuta clandestina.
 
Os grampos e vídeos apresentados nas delações se igualam: ambos são chocantes. Porque revelam de maneira nua e crua valores e comandos éticos que alguns indivíduos obedecem, e que, somente foram revelados porque acreditavam que a última porta atrás de si estava fechada, podendo assim soltar a máscara social e revelar o que verdadeiramente pensam e fazem na intimidade; uma devassa não consentida foi levada a cabo, nos dois casos a privacidade foi ferida covardemente. Enfim, discurso um, prática outra, porém, firme nos objetivos aos quais se quer atingir na vida pública (lícito ou ilícito pouco importa).
 
Não menos impactante, porém, é a notícia de que cargos públicos foram negociados, e que deveres de fiscalização do bem publico foram sonegados por conta de vantagem financeira. Há quem passe por um bosque e veja somente lenha para queimar; não vê vida ali, somente tem valor algo que lhe seja útil, podendo descartar tudo mais, posto que o que não lhe serve é resto. Ai do homem, se a terra pudesse ouvi-lo dizer que ela lhe pertence. Quem é dono de quem? No fim ela irá cobrir todos. Muitos entendem o Estado como lenha para ser queimada.
 
O voto e o poder que conduz um boletim de urna favorável foram pedidos então com finalidades puramente egoísta, quais sejam: ficar rico, por vaidade, ou ainda para garantir alguma proteção legal; é o que se pode concluir ouvindo, lendo e vendo várias das delações premiadas daqui e do Brasil todo.
 
Machado de Assis nos revela em um conto ficcional qual é o segredo do Bonzo: “-Haveis de entender, começou ele, que a virtude e o saber, têm duas existências paralelas, uma no sujeito que as possui, outra no espírito dos que o ouvem ou contemplam. Se puserdes as mais sublimes virtudes e os mais profundos conhecimentos em um sujeito solitário, remoto de todo contacto com outros homens, é como se eles não existissem.”. (...) “Considerei o caso, e entendi que, se uma coisa pode existir na opinião, sem existir na realidade, e existir na realidade, sem existir na opinião, a conclusão é que das duas existências paralelas a única necessária é da opinião, não a da realidade, que é apenas conveniente”.
 
Delações ou colaborações premiadas são temerárias, pois quem deseja muito escapar de sua sina, muitas vezes não se atina, falando menos de seu umbigo do que o de alheia barriga. Mefistófoles chama atenção de Fausto: - Tu que me procuraste. Agora eu quero o que é meu!
 
Para cumprir a doutrina do Bonzo do reino de Bungo em seu rigor e substância, cabe apenas inculcar aos outros a opinião que não temos, ou uma qualidade que sabemos não possuir. O porquê eu não sei, apesar de todas as manhas e artimanhas, aqui há um povo inconveniente, que ainda deseja fartura como a sorte a não dar, e que ainda insiste querer de verdade, não só em opinião (metafísica e invisível), saúde pública, água encanada, estrada asfaltada e Justiça. Cuidado, pois de susto se adquire outro VLT sem precisar nem querer Cuiabá!
 

Diogo Egidio Sachs é Advogado
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