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Opinião

A carta de Palocci

Julio Cezar Rodrigues

No dia 26/09, Antonio Palocci, um dos fundadores do PT e principal articulador da política econômica do Governo Lula e Dilma, em carta endereçada à Presidência do partido, pediu sua desfiliação.
 
O conteúdo desta carta é revelador e estarrecedor. Apresenta as entranhas do PT e, com a articulação linguística e semântica de Palocci, a mensagem é enviada de forma cristalina, sem rodeios e sem entrelinhas.
 
Palocci não é um petista qualquer (agora oficialmente ex-petista). Segundo o próprio Brahma (mais conhecido como Lula) trata-se de uma pessoa extremamente inteligente. “Não tenho preocupação com nenhuma delação. Palocci é meu companheiro há 30 anos, é um dos homens mais INTELIGENTES desse país”, disse Lula em 28/07/2017 em rede social.
 
Essa “inteligência” de Palocci, segundo Lula, durou até o petista ser preso. “Palocci para sair da cadeia criou ficção que não para em pé - conheça as contradições de seu depoimento”, afirmou Lula em 18/09/2017.
 
Disse Palocci em um dos trechos de sua carta: “Até quando vamos acreditar na autoproclamação do ‘homem mais honesto do país’ enquanto os presentes, os sítios, os apartamentos e até o prédio do Instituto (!!) são atribuídos a Dona Marisa? Afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?”
 
Palocci, se você, com o todo o respeito, permitir, ousaria afirmar que sua pergunta é retórica. Você sabe a resposta! Como um bom partido militante da ideologia marxista/leninista, com estratégia de tomada de poder via revolução cultural e hegemonia do pensamento (Gramsci) e travestido de partido social-democrata (ver “carta ao povo brasileiro” de 2002 de autoria de Palocci), o PT simplesmente fez aquilo que a cartilha que rege esta mentalidade apregoa.
 
Com propaganda massiva de culto à personalidade, transformaram Lula em Líder messiânico e pai dos pobres. Crioiu-se o mito. Até Obama, no auge da popularidade de seu primeiro mandato, o proclamou como “o cara”. Contudo, quando o dinheiro acabou, a carruagem virou abóbora. Citada ainda no contexto da Guerra Fria, “o socialismo dura até acabar o dinheiro dos outros” é uma célebre frase atribuída à Primeira-ministra britânica Margareth Thatcher. Nada mais apropriado para sintetizar os treze anos de governo petista.
 
O que Palocci, acertadamente pede ao seu partido, mas que nunca será ouvido, é que o PT assuma sua responsabilidade nesse processo. Parece simples mais não é. Fazer isso seria desmistificar ou desendeusar Lula. É como se um determinada religião que professa uma crença em um determinado deus, descobrisse que essa deidade é má. Renunciá-la significaria destruir a essência desta religião e lançar ao vazio todos os seus seguidores (inclusive os líderes que certamente se beneficiassem desse credo). A saída? Vamos construir uma retórica que livre nosso deus deste enredo. Vamos salvar nosso deus para salvar-nos juntos.
 
Assim é o PT. Vem daí a analogia de Palocci com “seita guiada por uma pretensa divindade”. Não Palocci. O PT não fará essa revisão de sua estratégia política porque está preso a esta lógica mortal de depender, para sua existência política/ideológica, da continuidade de Lula ser glorificado como mito. O PT não sobrevive sem Lula. Este é maior do que aquele.
 
É Palocci. Por mais paradoxal que seja, o excesso de popularidade, dinheiro e ausência de oposição levou o PT à bancarrota. Que sirva de lição histórica. A democracia, pelo menos da forma como ainda a entendemos, não admite excessos. Ou a balança mantém-se em equilíbrio, ou a face oculta do autoritarismo, arrogância, vaidade e ego inflado floresce, tenta se legitimar e acaba por sucumbir à própria gravidade. Como uma estrela que queima seu combustível e morre.
 
 
Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)
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