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Opinião

O mundo invisível

Eustáquio Rodrigues Filho

Há um mundo invisível em nossa cidade. Povoado com pessoas invisíveis. Não, não são as pessoas ou esse mundo que estão invisíveis aos nossos olhos. São nossos olhos que estão dessensibilizados e não enxergam o que está diante deles.

Recentemente estive envolvido em uma ação de distribuição de alimentos para moradores de rua e meus olhos se abriram para essa dura realidade. Obviamente que já me deparei com um ou outro morador de rua, mendigos, pedintes, etc., mas nunca na forma de aglomerados ou pequenas comunidades (se é que se pode chamar assim), que sempre passaram despercebidos por mim e, garanto, pela grande maioria da população.

Em nossos deslocamentos pela cidade, o conforto do nosso carro, os vidros fechados para o ar se manter climatizado, músicas altas e o pensamento em nosso próprio umbigo, nos mantém alheios a tudo que se passa a nossa volta. Quantas vezes passamos pelos viadutos da cidade e jamais reparamos na quantidade de pessoas que ali moram? Quantas vezes ultrapassamos as pontes que ligam Cuiabá e Várzea Grande e jamais imaginamos a multidão que mora ali embaixo e nos arredores dessas pontes, quase sempre escondidos pela densa vegetação ciliar? Quantas vezes fechamos nossos olhos para isso e negamos enxergar essa realidade nua e crua?
Negamos enxergar a pobreza, a doença, a total falta de amparo moral, econômico, físico e espiritual a essas pessoas.

São párias, abandonados a sua própria (má) sorte. Alguns estão lá por sua livre escolha, por não querer ter uma vida produtiva, muito menos uma família (ou a família não o quer). Outros estão lá porque foram encarcerados pelas drogas. Mas a maioria está lá por falta de opção, por puro abandono, por distúrbios psíquicos e espirituais, necessitando de um olhar dessa mesma sociedade que insiste em fechar os olhos para isso.

Vale lembrar que essas carências vão muito além dos moradores de rua. Chegam até os bairros periféricos, em tetos mal erguidos sobre as cabeças de pais e mães desempregadas, de crianças malnutridas e sem escolaridade. Pessoas com teto, mas igualmente sem dignidade, sem oportunidades, sem serviços públicos básicos como saneamento, educação e saúde.

Mas ao contrário do que possa parecer, esse artigo não é para as pessoas acima descritas. Este artigo é para nós, camada privilegiada da população que se preocupa mais com a foto que vai colocar nas redes sociais, com a compra do próximo carro, com o novo restaurante da moda ou com o próximo show de um artista nacional – não que quem tenha esses privilégios não sejam merecedores deles pelo esforço do próprio trabalho. Mas devemos abrir e levantar os nossos olhos para, de alguma forma, fazer com que aquelas pessoas – seres humanos como eu e você – ergam suas cabeças, abram um sorriso e enxerguem a vida de forma mais positiva.

O que vamos fazer - nós que nos auto conclamamos "pessoas de bem" - com nossas vidas, a partir do momento que esse mundo invisível se tornar visível e palpável, para que a vida dessas pessoas seja mais digna, menos sofrida e com mais esperança?


Eustáquio Rodrigues Filho é Servidor Público e Escritor – Autor do livro: Um instante para sempre.
 
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