Imprimir

Opinião

Legalização do aborto: Solução ou problema novo ?

Julio Cezar Rodrigues

O SUS divulgou para a imprensa que os gastos com internações hospitalares para tratamento de complicações decorrentes de abortos ultrapassou a casa dos 486 milhões em um período de dez anos (disponível em www1.folha.uol.com.br, acessado em 29/07/2018).

Ainda, segundo o sistema, nesse intervalo o número de internações caiu 7%, mas as despesas hospitalares subiram 12% em razão da gravidade dos casos. Em quase um terço dos casos registrado, houveram sérias complicações após o aborto, como hemorragias e infecções. Ao menos 4.455 mulheres perderam a vida no período de 2000 a 2016.

É UM CENÁRIO TRÁJICO. A sociedade atual tem muitos problemas complexos para enfrentar e localizar o melhor caminho para resolvê-los. Não há dúvidas que o aborto é um dilema ético dos mais acirrados e difíceis de serem enfrentados, tanto no campo teórico como na prática, onde continuam ocorrendo como os números do SUS revelam,  independente do juízo de valor que as pessoas façam dele.

Sob o ponto de vista da lei,  o aborto é permitido nos casos em que a gestação implica risco de vida para a mulher, quando a gestação é decorrente de estupro (já previstos no código penal de 1940) e no caso de anencefalia (recentemente julgado pelo STF). Nos demais casos o aborto é crime. Tramita no STF, sob relatoria da Ministra Rosa Weber, uma ação que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.

Esta ação foi protocolada pela ONG Anis-Instituto de Bioética e, claro, pelo PSOL. O fundamento é de que a proibição do aborto violaria direitos fundamentais previstos na constituição, entre eles o direito a dignidade, cidadania e à vida, porque parte do pressuposto de que as mulheres a colocam em risco ao buscar a interrupção clandestina da gravidez.  É bom deixar claro que o PSOL representa o pensamento de esquerda sobre esse tema, uma vez que toda a esquerda defende o aborto sob tais premissas.

Particularmente, por ter a convicção de que os direitos não são absolutos, defendo que a regra geral seja a proibição da conduta abortiva em qualquer momento da gestação. As exceções previstas na lei e jurisprudência do STF são razoáveis e, teria dificuldades em contra-argumentar pela sua extinção.

Perceba leitor que nas três situações disciplinadas como autorizativas do aborto, a decisão deve ficar sob o arbítrio da mulher. São momentos extremos de colisão de direitos fundamentais. Argumentaria que poderia ser traçado uma analogia com as excludentes de ilicitude do direito penal (legítima defesa, estado de necessidade e estrito cumprimento do dever legal).

Uma abordagem metafísica desse tema nos remete à nossa natureza de entes perfectíveis, ou seja, estamos sujeitos à melhorias e aperfeiçoamentos. Algum dia atingiremos a perfeição? Não acredito em absolutos nessa fase da existência. Absolutos morais, indubitavelmente, designam atributos de um ser supremo.

Nós humanos, vivendo em um planeta finito com recursos escassos, podemos, no máximo, fazer o melhor possível. Tratando de aborto provocado ou intencional, o “melhor possível” é assumirmos a posição de que não conseguiremos achar a solução ideal ou perfeita. Aristóteles diria para sermos prudentes e moderados na busca do melhor caminho.

Os dados do SUS evidenciam em números a existência do problema e seus custos para os contribuintes. Causa espécie que partidos como o PSOL e praticamente todos os demais partidos de esquerda, defenderem a descriminalização pura e simples do aborto, sem assumirem a sua responsabilidade pela construção de uma sociedade que levou a esse estado de coisas.

Pergunto: quem são, em sua maioria, as mulheres que decidem pelo aborto? Será que parte significativa dos casos não possuem relação com a incentivação da sexualização precoce nas crianças, a tolerância com drogas e alucinógenos, o estímulo cada vez maior à satisfação das sensações primárias, o desmantelamento das tradições familiares, a busca desenfreada por emoções rápidas, fugazes, edonistas, consumistas e, parafraseando Bauman, líquidas? Será que essa mundo sem ordem e de tudo é permitido e nada deve ser proibido que o pensamento revolucionário nacional vem empreendendo desde a década de 60 não tem correlação com o problema? Se a solução é matar pessoas indesejáveis, porque a esquerda não defende com “unhas e dentes” a pena capital para crimes hediondos (inclusive os de corrupção em que estão atolados) ou mesmo a castração química para estupradores? A única resposta que você ouve dessa gente é: “você é conservador e defende interesses da classe dominante, branca e burguesa”. Enfrentar problemas éticos com frases de efeito não leva a lugar nenhum.

Pedir mais educação para evitar que as mulheres abortem, mesmo sendo permitido, ao mesmo tempo em que se entrega um sistema de ensino ideologizado e que vai de encontro às verdades que poderiam mitigar ou eliminar o problema é uma irresponsabilidade e desonestidade intelectual. Bem, mas exigir responsabilidade de revolucionário é um pouco demais.

Defender o sexo indiscriminadamente e o aborto como “método” contraceptivo é brincar com a natureza humana e nossos atributos de entes diferenciados e possuidores da mais complexa estrutura existente no universo, nossa consciência.

No aspecto econômico, a solução da esquerda, como sempre, passa por entregar a fatura aos pagadores de impostos. Perceba que pugnam pela liberação do aborto, mas não que seja custeado por meios próprios pela abortante. Por que não? Afinal de contas não tenho preocupação em gerar riqueza, mas somos expert em gastá-la. Há, sim, nossa constituição garante tratamento médico para todos, por que não usá-lo?

O mesmo raciocínio da esquerda se aplica à liberação das drogas. Jovens, usem à vontade. O tratamento da dependência e demais doenças derivadas? Não se preocupem, o SUS garante. Ser responsável e cuidar da própria existência? Claro que não. Isso é coisa de conservador reacionário. O Estado existe para bancar a “farra” e excessos de todos, afinal a “carne é fraca” e precisamos de diversão sem responsabilidade. O melhor dos mundos não é mesmo?

Liberar o aborto sem restrição, a meu ver será apenas para trocar um problema por outro. Como nesse país ninguém planeja para além de um mandato de governo, resta apenas as soluções ruins e paliativas. Assim, o raciocínio para o aborto é o seguinte: não adianta proibir porque as mulheres fazem do mesmo jeito e estão morrendo por isso.

Bem, temos em torno de 60 mil assassinatos por ano no Brasil, porque não descriminalizamos o homicídio doloso já que todos estão matando mesmo? Calma, como a esquerda já pacificou que criminoso é vítima da sociedade, o próximo passa será esse.

O pior é que muitos que estão nessa “onda” da esquerda, o fazem sem saber que são massa de manobra do projeto da revolução cultural. O barco chamado Brasil está fazendo água e nossa esquerda política lembra a orquestra do Titanic que se diverte enquanto afunda.

Roguemos para que pelo menos uma “névoa” de lucidez e bom senso desça sobre as mentes que discutirão esse tema complexo e que a eventual “solução” que porventura vier a ser sedimentada não se torne apenas mais do mesmo.
 

Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)
 
Imprimir