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Terça-feira, 23 de abril de 2024

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Onde estão os professores homens nas salas de aula?

Foto: Valterci Santos/ Gazeta do Povo

Professor Bogo iniciou na carreira em 1966, tempo em que cara de bravo e braços cruzados já eram suficientes para deixar a turma calada

Professor Bogo iniciou na carreira em 1966, tempo em que cara de bravo e braços cruzados já eram suficientes para deixar a turma calada

Quando pisou pela primeira vez em uma sala de aula, o professor Orlando Bogo sentiu a responsabilidade da profissão e o respeito da turma. Era 1966 e Bogo era aluno do primeiro ano do curso de Letras, em Curitiba. Mesmo ainda sem o diploma, sentia no comportamento dos alunos o status da profissão. Nessa época não via diferença entre optar por ser advogado, engenheiro ou professor. Qualquer uma destas carreiras lhe renderia respeito e notoriedade.


Na época, as mulheres começavam a conquistar espaço no mercado de trabalho, sendo a principal área justamente o magistério. Já os homens, formavam uma pequena maioria no comando das salas de aula. De ano em ano, Bogo viu os seus colegas homens começarem a sumir das escolas e o número de professoras aumentar. “Os homens foram se afastando pela desvalorização da carreira. É uma pena porque tínhamos quadros excelentes. Ser professor não é fácil, mas se fosse bem remunerado, valeria a pena enfrentar os demais pontos negativos”, diz o professor.

Há dez anos, cinco em cada 100 professores da educação básica da rede municipal de Curitiba eram homens. Hoje, os professores do sexo masculino representam 2,8% do quadro.

Profissão feminina
O retorno do homem para a sala de aula é defendida por especialistas como uma forma de diversificar visões dentro da profissão e diminuir a ideia de que há carreiras destinadas a homens e outras a mulheres. “Não existem profissões masculinas e femininas e essa diferenciação na profissão docente reforça preconceitos sociais de que a mulher foi naturalmente criada para certas atividades e o homem para outras”, diz Amanda Rabelo, doutora em Ciência da Educação pela Universidade de Aveiro (Portugal) e que estuda a presença de homens no Magistério.

A regra de que os homens são minoria no magistério até o final do Ensino Médio é quebrada em duas situações: no ensino técnico eles representam uma leve maioria e nos cursinhos pré-vestibular, eles dominam.

O professor que inspira seus alunos e muda suas vidas são temas de boas histórias nas telas:

Ao Mestre, com Carinho (Inglaterra; 1967)

Desempregado, o engenheiro Mark Thackeray (Sidney Poitier) passa a lecionar em uma escola de um bairro operário de Londres. Não bastasse exercer um trabalho indesejado, os alunos são hostis e usam diversos recursos para o fazer desistir. Só quando o mestre troca seus métodos, passando a ter conversas francas sobre questões da vida, eles mudam de comportamento. Ao fim do ano, a turma está transformada e Thackeray passa a encarar o trabalho de educador com satisfação.

Sociedade dos Poetas Mortos (EUA; 1989)

Este drama já clássico, dirigido por Peter Weir, passa na Welton Academy, escola para garotos de famílias ilustres, onde a rotina consiste em tradição, honra, disciplina e excelência. Com a chegada do novo professor de Literatura, Mr. Keating (Robin Williams), algumas mudanças começam a despontar. Ele ensina a seus pupilos uma nova maneira de se estudar poesia, incentivando a livre apreciação da arte, lecionando fora de sala de aula e até fundando um clube, que dá o nome ao filme.

Gênio Indomável (EUA; 1997)

No Massachussets Institute of Technology, o professor Gerald Lambeau (Stellan Skarsgård) desafia seus alunos a resolver um problema matemático que ele próprio levou dois anos para conseguir. Do dia para a noite, misteriosamente a resolução aparece, mas não foi obra de nenhum aluno e sim do faxineiro Will Hunting (Matt Damon), órfão agressivo e sem instrução. O professor reconhece a genialidade do jovem e o ajuda a superar os traumas de infância e construir um futuro promissor. Drama dirigido por Gus Van Sant.
Hoje, os homens representam apenas 15% dos professores em sala de aula. Isso se considerados todos os níveis escolares. Na pré-escola eles são apenas 4% do total de quadros em todo o Brasil, seja na rede pública ou particular. A porcentagem aumenta na medida que cresce a etapa escolar, mas até os últimos anos do Ensino Médio, as mulheres ocupam 64,4% das vagas.

Salário

No início de carreira de Bogo, a semelhança com outras profissões valorizadas não era só na posição social. Com seus primeiros salários ele pagava a faculdade, sustentava mulher e filho e ainda sobrava dinheiro para mandar para a família, no interior de Santa Catarina. Em poucos anos o professor comprou casa e carro. Hoje, um docente da Rede Estadual de Ensino do Paraná entra na carreira ganhando R$ 700 por 20 horas de trabalho por semana.

Nos corredores do Colégio Estadual Dom Pedro II, no Batel, no qual se aposentou depois de 35 anos de magistério, Bogo lembra que quando o professor entrava em sala, a turma se calava. “Eram salas lotadas, mas os alunos silenciavam. Quando havia um burburinho a mais, eu ficava quieto, cruzava os braços e era o que bastava para que todos ficassem tranquilos”, conta. Tempos muito diferentes dos últimos anos, quando o respeito pelo mestre de longe lembrava aquele dos anos 60.

Acesso ao trabalho

No início do século 20, a mulher não era orientada para ter uma profissão e suas atividades eram restritas à vida doméstica. Aos poucos, elas passaram a ser incorporadas ao projeto educacional do país e a frequentar turmas de magistério. Até os anos de 1930, dar aulas era o único trabalho considerado digno para mulheres, porém, elas não poderiam abandonar as atividades do lar.

Segundo a pesquisa da pedagoga Amanda Oliveira Rabelo, doutora em Ciência da Educação pela Universidade de Aveiro (Portugal), as mulheres tinham uma ascensão profissional muito difícil. Mulheres que cursavam o Normal até a década de 1940 não tinham acesso aos cursos superiores, o que as fazia continuar na carreira de professora do antigo primário.

Nos anos 50 foi aberto caminho para que elas cursassem faculdade de Filosofia, e, a partir de 1953, a mulher passou a ter acesso aos demais cursos superiores. “Não houve uma abertura para elas, mas do ponto de vista histórico ocorreu uma entrada gradativa, conforme as mulheres desejavam ou necessitavam trabalhar. Como o magistério não conflitava com a destinação da mulher, o cuidado e a formação, elas foram bem recebidas”, diz Maria Rita César, professora do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero.

Embora bem remunerada no passado, Maria Rita discorda da ideia de que o magistério era tão valorizado quanto outras profissões. “Desde o início da profissionalização, o magistério era uma atividade menor, do ponto de vista dos sistemas de produção. Os professores, mesmo os homens, desde sempre também foram tomados como indivíduos que atuavam em um campo de profissionalização frágil”, diz Maria Rita.

A desvalorização da profissão foi aumentando, junto com a justificativa de que a mulher deveria ter o “dom” para o magistério e, assim, seu salário poderia ser menor. “Até porque esse dinheiro não seria para sustentar a família, pois caberia ao homem essa função”, escreve Amanda em sua dissertação, dedicada ao tema.
Paralelamente, o homem se distanciou das salas de aulas infantis, optando por trabalhar em áreas mais rentáveis, como as disciplinas específicas (Matemática, História, Geografia, Biologia etc.)
A professora da rede estadual de ensino do Paraná Janislei Albuquerque, lembra que era muito difícil para a mulher, até a década de 70, entrar nas séries do antigo científico, hoje Ensino Médio. “Tínhamos mais espaço nos primeiros anos de ensino, quando ainda tínhamos o papel não somente de educadoras, como de cuidadoras. A formação mais especializada exigia mais responsabilidade, o que era uma tarefa masculina”, diz Janislei, que é diretora do Sindicato dos Trabalhadores em Educação, a APP-Sindicato.
Janislei credita a desvalorização dos salários à nova concepção de ensino público que, quando foi democratizado, permitiu maior acesso de camadas populares e não recebeu investimento proporcional do governo. “A escola pública passou a receber o dobro de alunos com o mesmo recurso financeiro e os professores dobraram a jornada de trabalho com o mesmo salário”, explica ela.

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