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Sábado, 20 de abril de 2024

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Ligações diretas entre o sistema econômico e as mudanças climáticas

A notícia sobre a mudança de era do planeta, que comentei no último post , foi para a mesa do restaurante onde comemorávamos o aniversário de uma amiga. Alguns, mais radicais, puseram no centro do debate a questão em si, trazendo lembranças vivas de paisagens que viram se modificando e que, por isso, não deixam dúvida sobre a conclusão do estudo. Outros questionaram a importância de se ter essa informação:


“Amanhã vou acordar, escovar os dentes, tomar café, sair para trabalhar. Exatamente como faço todos os dias. Saber que estamos na era Antropoceno não vai mudar em nada isso. Já saber que o prefeito aumentou a passagem de ônibus, sim, muda muito meu dia e meu humor”, disse um dos amigos.

Por sorte a conversa não polarizou. Embricou-se para uma reflexão maior, que me permitiu lembrar algumas passagens interessantes do último livro de Naomi Klein, “This changes everything”, ainda sem tradução no Brasil. A jornalista e ativista ambiental canadense tem tido uma postura bem crítica sobre o que o senso comum absorve de informações a respeito das mudanças climáticas, e seu objetivo de fazer a correlação entre o sistema econômico e o clima tem sido alvo também de avaliações negativas, como não podia deixar de ser.

Mas há muitos que gostam das provocações propostas por Klein, entre os quais eu me incluo. No mínimo, o livro dela merece ser lido por quem pretende entender sobre o tema e refletir para além da já desgastada intenção de descobrir “riscos e oportunidades” nas mudanças do clima. É muito mais do que isso. E envolve, de fato, muito mais questões econômicas do que se pode imaginar. Mas, até que ponto essa informação tem chegado corretamente à opinião pública? Foi esse o tom da discussão no restaurante.

Cada vez há mais estudiosos que apontam  falhas no imenso caminho percorrido até aqui pelos responsáveis por difundir dados precisos sobre a influência das atividades humanas nas mudanças climáticas. A quantidade  de poluição na atmosfera pós-Revolução Industrial só iria atingir o planeta no fim do século, diziam os primeiros informes, há mais de três décadas. E essa possibilidade de postergar o problema, sobretudo porque o dia a dia exige hoje já uma série de decisões bastante complexas, teria empurrado para debaixo do tapete várias teorias importantes que precisavam estar circulando mais.  Até porque, como se sabe, os problemas não estão esperando o fim do século, já batem à porta dos vulneráveis.

O comportamento dos “verdes” teria também seu papel de influência nessa divulgação que só pretende tornar massificar dados pouco úteis, quase simplórios. Anthony Giddens, que foi assessor do primeiro-ministro britânico Tony Blair e escreveu “A política da mudança climática” (Ed. Zahar) em 2009, citou o que poderia ser uma trava no caminho do entendimento sobre as mudanças climáticas. Para ele, os ambientalistas tornaram-se pessoas raivosas, hostis ao industrialismo, o que os teria afastado de qualquer possibilidade de serem levados a sério, principalmente por quem defende a indústria como geradora de emprego e renda:

“Sobretudo em seu desenvolvimento recente, na Alemanha das décadas de 70 e 80, os verdes se definiram em oposição à política ortodoxa. Nenhuma dessas posturas é particularmente útil para a tarefa de integrar as preocupações ambientais às nossas instituições políticas estabelecidas. É preciso discernir o que é ou não valioso nas filosofias políticas ambientalistas”, escreve ele.

Não é a conclusão que Naomi Klein chega depois de muitas pesquisas feitas com o objetivo de perceber o papel dos movimentos ambientais na função de ajudar a se constatar que alterações climáticas e interesses econômicos estão particularmente ligados.

“Aquecimento global não foi definido desde sempre como uma crise que é alimentada pelo consumismo, ou pelas altas emissões do setor agrícola, ou pela cultura dos carros, ou por um sistema de comércio que insiste em que distâncias geográficas imensas não importam. E são essas as raízes do problema que demandariam mudanças profundas no estilo de vida, de trabalho, de alimentação e de consumo. Em vez disso, as mudanças climáticas foram apresentadas como um problema técnico cujas soluções podem ser produzidas no mercado, por empresas especializadas”, escreve Klein.

É fora da realidade pensar assim, argumenta a jornalista. Mercado de carbono, precificação de carbono, são para ela soluções “mágicas” que, no fim das contas, vão apenas servir para excluir os que já estão na periferia do sistema. Nesse ponto, Klein tem um seguidor de peso, nada menos do que o papa Francisco. Em sua Encíclica do ano passado (leia aqui), totalmente dedicada às mudanças do clima, o Sumo Pontífice diz que o mercado de carbono  “pode levar a uma nova forma de especulação, que não ajudaria a reduzir a emissão global de gases poluentes”. Não é à toa que a jornalista foi convidada para um seminário no Vaticano pouco depois do lançamento da Encíclica.

O mercado de carbono pode permitir, em suma, que aqueles que já poluem continuem poluindo. E ainda há chances de os poluidores conseguirem ser ressarcidos caso implementem alguma medida que baixe suas emissões de carbono:

“As companhias de óleo que operam no Delta Niger, por exemplo, que ateiam fogo ao gás natural lançado no processo de perfurar poços de óleo estão pleiteando receber do governo caso decidam mudar essa prática pela captura do carbono, que seria mais amigável ao meio ambiente. Mesmo uma indústria altamente poluidora que instala um equipamento  para manter o gás poluente fora da atmosfera pode se qualificar como um ‘empreendedor verde’ segundo as regras das Nações Unidas. E isto, em troca, é usado também para justificar mais emissões em outro lugar qualquer”, escreve Klein.

 Para a escritora, não há muita diferença entre os que concordam que as mudanças climáticas são uma grande ameaça ao nosso sistema econômico e social mas se recusam a acreditar nas pesquisas científicas que  provam a interferência das atividades humanas no clima e aqueles que acreditam que as mudanças climáticas podem ser resolvidas com ajustes no jeito de fazer negócios. Ela tem dificuldade em descobrir quem está mais enganado.

“Se o aquecimento fosse assim tão horrendo quanto Al Gore fala em seu ‘Verdade inconveniente’, o movimento ambientalista não deveria estar pedindo mais ao público do que trocar a marca do sabão líquido, andar mais de bicicleta ou fazer doações para alguma instituição? Ele não deveria estar exigindo que se fechassem as companhias de combustíveis fósseis?” Eis a pergunta inconveniente de Naomi Klein, já que a ativista não poupa denúncias contra os verdes. A maioria das grandes e conhecidas organizações que se destinam a cuidar do meio ambiente estão ligadas à indústria petrolífera ou a qualquer outra de setores poluentes, e esta seria uma das principais razões que pode explicar o fracasso da missão de convencer as pessoas à causa.

Escrito em 1995, portanto três anos antes de o Protocolo de Kyoto ser assinado, o livro “Green Production”, de Enrique Leff, amplia essa indignação de Klein. Cita o relatório escrito após um seminário que aconteceu na cidade suíça de Founex em 1971 e serviu como base para a Conferência de Estocolmo em 1972, no qual se insiste que os custos crescentes para manter o meio ambiente não deveriam “obstruir o crescimento de nações industrializadas e que essas deveriam buscar a oportunidade de realocar para países menos desenvolvidos suas indústrias mais poluidoras”.

“Assim, a vantagem comparativa proposta pela industrialização nos países desenvolvidas foi fundada em princípios de uma distribuição equalitária de contaminação em vez de possibilidades de construir alternativas de uma produção racional baseada em diversidade cultural e ecológica”, escreve Leff.

As informações estão aí e estão chegando cada vez para um número maior de pessoas. Importa perceber isso e ir em busca de mais e mais dados que possam servir para se formar um cenário. É possível quando se consegue abandonar nosso eterno vício de entender o mundo como sim e não, preto e branco.
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