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Sexta-feira, 19 de abril de 2024

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Dois anos após a Copa, governo ainda paga R$ 63 milhões em CTs

A Copa do Mundo acabou em 13 de julho de 2014, mas dois anos depois as contas continuam chegando. Para financiar centros de treinamento que jamais foram usados no Mundial, o governo federal gastará R$ 63 milhões em 21 cidades, distribuídas por 11 estados. O valor faz parte de um pacote de ações de “incentivo à Copa do Mundo Fifa 2014", do Ministério do Esporte. Desse total,R$ 26 milhões já foram repassados e ainda há outrosR$ 37 milhões a serem distribuídos.


As cifras foram levantadas pelo GloboEsporte.com no Portal da Transparência e confirmadas pelos estados e municípios agraciados. De tudo o que será investido, só R$ 2,5 milhões foram liberados antes do início do Mundial. Ou seja, o grosso do dinheiro – mais de R$ 60 milhões – foi (e será) gasto para "incentivar" uma Copa do Mundo que já acabou.

Apesar da aparente contradição, três especialistas em administração pública afirmaram que não há ilegalidade no manejo desses recursos. Haveria, no máximo, demonstração de ineficiência por parte do governo – tanto de quem liberou quanto de quem recebeu os recursos. Os repasses começaram quando o ministro do Esporte era Aldo Rebelo, seguiram com George Hilton e vão continuar com Leonardo Picciani.

Segundo pessoas do ministério que analisaram os contratos, os critérios para aprovação dos convênios e o do volume de recursos eram confusos, sem padrão claro. A reportagem enviou uma lista de perguntas ao Ministério do Esporte, responsável pela liberação do dinheiro, que respondeu com uma nota de dois parágrafos, reproduzida abaixo na íntegra.

– O Ministério do Esporte tem como parte de sua missão permanente o fomento à prática esportiva e o aprimoramento da infraestrutura esportiva em todo o território nacional. Por isso, uma série de equipamentos públicos recebe recursos do Ministério para reforma, ampliação ou construção. Como parte do plano de nacionalização do legado esportivo da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos, um conjunto de estruturas públicas foi e está sendo qualificado para atender as diversas regiões do País.

– O investimento na melhoria de espaços identificados como possíveis Centros de Treinamento para a Copa está incluído nessa série de iniciativas, que tem a parceria de prefeituras e governos estaduais, responsáveis pela execução dos projetos, objetivando ampliar a estrutura para a prática esportiva em todo o Brasil. Alguns desses equipamentos, como o Estádio Anacleto Campanella (São Caetano do Sul/SP) e o Estádio Antonio Otoni Filho - Cave (Brasília/DF), estão qualificados como campos de treinamento para seleções olímpicas de futebol (masculinas e femininas) que virão ao Brasil para os Jogos Rio 2016.

Em agosto de 2012, a Fifa publicou uma lista com 47 cidades (distribuídas em 14 estados) candidatas a receber seleções durante a Copa. O governo então abriu os cofres para financiar obras nesses locais. Os repasses começaram em 2013. A essa altura ainda não estavam definidas quais seriam as 32 seleções classificadas ao Mundial, muito menos onde elas armariam suas bases.

A lista definitiva de onde cada seleção ficaria só saiu em fevereiro de 2014. Mas o programa do governo federal já estava em curso e não havia como pará-lo. Sob a justificativa de ajudar cidades (e estados) a receber seleções durante Copa, a União bancou – e ainda está bancando – obras que jamais foram utilizadas com este fim em 21 cidades. Praticamente a mesma quantidade de dinheiro – R$ 62 milhões – foi repassada a locais que de fato abrigaram times no Mundial.

Entre as cidades pelas quais a Copa não passou, a que mais receberá dinheiro será Cascavel (PR): R$ 7,7 milhões para “Reforma, Estruturação e Aquisição de Equipamentos para o Estádio Olímpico Regional Arnaldo Busatto”. Na justificativa apresentada ao ministério, a prefeitura argumenta que o estádio “foi qualificado pela FIFA como Centro de Treinamento de Seleções que servirá como base de uma seleção durante a Copa do Mundo da FIFA de 2014.”

Wanderley Faust, secretário de Esportes e Lazer de Cascavel, afirma que, por problemas na licitação, as obras só poderão ser entregues em setembro.

– Receberemos R$ 8 milhões do Ministério do Esporte. Se um estádio fosse construído do nada, custaria R$ 200 milhões. Perto disso, o [nosso] custo é irrisório. A região metropolitana de Cascavel tem 1 milhão de pessoas, e agora vamos ter condições de pleitear grandes eventos.

Um dos grandes eventos previstos para o estádio Arnaldo Busatto é um jogo entre Internacional e Santos pelo segundo turno do Campeonato Brasileiro.

São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, apelou a seus altos índices de qualidade de vida para solicitar recursos para a modernização do estádio Anacleto Campanella. Conseguiu R$ 6 milhões para isso. Desde o começo, entretanto, o Ministério do Esporte já sabia que o lugar não estaria disponível para servir como local de preparação para a Copa do Mundo.

O projeto previa o início das obras apenas para o dia 1 de julho de 2014, com o Mundial já em andamento. A reforma começou, de fato, no dia 4 de julho, quando as quartas de final já estavam em disputa. Quase nada foi feito, porém. Um dos prédios foi colocado no chão, mas nada subiu.

Funcionários do estádio dizem que a obra está paralisada desde março. Ao contrário do que afirma o ministério na nota enviada à reportagem, o município garante que não há possibilidade de o Anacleto Campanella ser utilizado como local de preparação para a Olimpíada.

A prefeitura, que já recebeu R$ 1,2 milhão, responsabiliza o Ministério do Esporte e a Caixa Econômica Federal pela demora.

– Lamentavelmente, não enviaram mais verba alguma – respondeu a assessoria de imprensa do município, que também não estipula prazo para a retomada dos repasses.

– A Prefeitura de São Caetano já tentou diversos contatos com o governo federal e não houve resposta conclusiva.

Também em São Paulo, Jaguariúna contava com o dinheiro do Ministério do Esporte e com a proximidade do aeroporto de Viracopos, em Campinas, para seduzir alguma seleção. Não funcionou. Dos R$ 2,6 milhões prometidos à cidade, só R$ 12,5 mil foram liberados, em 2015.

Sem aprovação do Corpo de Bombeiros e sem verba suficiente para a reforma, o estádio Alfredo Chiavegato está interditado há dois anos.

– Quase perdemos o gramado. Estamos agora fazendo os guarda-corpos, um investimento gradativo quando sobra um dinheiro. As coisas estão se deteriorando – diz o secretário de esportes da cidade, Antonio Carlos Bodini.

No começo de abril, o então secretário de futebol do Ministério do Esporte, Rogério Hamam, foi a Jaguariúna e prometeu se empenhar na liberação dos recursos. Dias depois, seu partido, o PRB – que comandava a pasta, com George Hilton, hoje no PROS – anunciou o apoio ao impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff (PT) e deixou o governo.

– Eu o levei ao gabinete do prefeito, ficamos bem felizes. Mas aí o PRB saiu da base aliada… – lamenta Bodini.

Hamam confirmou o encontro:

– Estive lá, cheguei a solicitar o levantamento do status do recurso. Logo em seguida houve o processo de saída (do PRB do Ministério do Esporte), e não tive tempo de colocar em prática.

PROTEÇÃO CONTRA O FRIO E PISTA DE SKATE

A justificativa apresentada por Gramado, no Rio Grande do Sul, foi insólita. A cidade pediu verba ao Ministério do Esporte para a construção de um ginásio fechado, coberto, "possibilitando às seleções de treinarem dentro de um espaço fechado caso as temperaturas sejam muito baixas, ou chuva ou neblina atrapalhem os treinos externos".

Nenhuma seleção ficou na cidade da Serra Gaúcha, mas Gramado foi contemplada com R$ 1.886.000, dos quais já foram liberados R$ 63 mil. Em nota, a prefeitura informou que "uma parte da obra foi concluída", que ainda "haverá a realização de licitações para finalização do projeto" e que o "o governo federal segue repassando o valor combinado para execução da obra".

Ali perto, Bento Gonçalves também assinou contrato – R$ 1.824.837,26 para reforma do estádio Montanha dos Vinhedos. Em fevereiro de 2014, técnicos da extinta CGU (Controladoria Geral da União, substituída pelo Ministério de Transparência) foram à cidade e concluíram que o objetivo do convênio estava “comprometido”.

O relatório apontou que apenas um dos itens do contrato havia sido licitado e contratado. Aos fiscais, a prefeitura respondeu que as obras estavam marcadas para começar apenas em abril – o projeto original previa a conclusão de todo no mês anterior. Mais: àquela altura, com R$ 912.418,53 recebidos, Bento Gonçalves já tinha sido riscada da lista de cidades que receberiam uma seleção.

O município retomou as obras no local em maio, para a terceira e última fase. A prefeitura prevê investimento de R$ 1.899.362,35 para finalizar a reforma até outubro.

Na outra ponta do Brasil, 4 mil quilômetros ao norte, o estado do Maranhão já teve liberados R$ 3.798.738,24, mesmo sem receber nenhuma seleção durante a Copa. Os repasses foram realizados após o encerramento do Mundial – R$ 3,4 milhões neste ano, R$ 398.738,24 em 2015. Em nota, o Governo do Maranhão explicou o que fez com o dinheiro:

– A Secretaria de Estado do Esporte e Lazer (Sedel) informa que os recursos repassados pelo Governo Federal referentes ao chamado “Legado da Copa” estão sendo aplicados em obras de reforma e melhorias do Complexo Esportivo Canhoteiro (em São Luís), que compreende, além do Estádio Castelão, Ginásio Poliesportivo Castelinho, pistas de kart, atletismo, parque aquático, ginásio de artes marciais, pistas de ciclismo e skate.

Algumas cidades perderam acesso ao dinheiro por não terem iniciado as obras até junho de 2015, prazo limite estipulado pela Caixa Econômica Federal, banco que realizava os repasses.

Araraquara (SP), por exemplo, tinha direito a R$ 2,02 milhões para adequação da Arena da Fonte. O mesmo aconteceu com Macaé (RJ) – convênio de R$ 1,7 milhão –, Macapá (AP) – R$ 4,1 milhões –, Maracanaú (CE) – R$ 3 milhões – e Palmas (TO) – R$ 2,7 milhões –, todas excluídas da ação por não apresentarem boletins de medição das obras até junho do ano passado. A capital do Tocantins teve outro convênio aprovado, este em execução, de R$ 2 milhões, dos quais R$ 11,5 mil já foram liberados.
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