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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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“A iniciativa privada também tem responsabilidade na crise”

Presidente da Suzano desde 2013, Walter Schalka está longe do perfil de chefe carrancudo e fechado. Ao contrário. Quando ele caminha na sede de São Paulo de uma das maiores empresas de papel e celulose do Brasil, cujo faturamento foi de R$ 10,2 bilhões em 2015, costuma ser parado por funcionários mais jovens sedentos por conselhos, que são logo atendidos pelo sorridente CEO. Ele, no entanto, faz questão de afirmar de que não tem certeza de nada, com exceção do futebol. Santista de coração, Schalka costuma brincar que, por conta de seu time, é especialista no esporte bretão. Em relação aos negócios, o executivo faz reflexões e críticas sobre o presente e o futuro da indústria nacional e do País. Mais do que isso: faz questão de ressaltar que ele e a empresa que comanda também precisam fazer parte da transformação do sistema. “Se não acabarmos com esse modelo em que todos acham que possuem mais direitos do que deveres com a sociedade, vamos quebrar o Brasil”, diz Schalka. Confira, a seguir, sua entrevista:


DINHEIRO – Como o senhor avalia o governo Temer e as medidas tomadas até agora?
SCHALKA – O Brasil precisa de uma megarreforma. A principal delas é um megachoque de produtividade na economia brasileira para o País deixar apenas de ser um exportador de commodities. A inserção do Brasil na economia global é muito tênue. O País perdeu o bonde da tecnologia da informação – empresas como Google, Airbnb e Uber não têm espaço para serem criadas por aqui. Ainda vamos perder as duas próximas revoluções: da biotecnologia e da nanotecnologia. Estamos viciados em pensar em reformas pequenas, que chamo de reformas band-aids, que atacam os problemas pontualmente. Temos um desafio bastante profundo, que é a questão fiscal, mas não é o único. E nem ela, com a PEC de limitação de gastos, está sendo atacada da melhor forma.

DINHEIRO – Por quê? 
SCHALKA – Porque, assim que aprovarmos a PEC do teto de gastos, vamos descobrir que precisaremos cortar algo. A partir daí, começarão mais problemas. Não vai dar para cortar da previdência, da saúde, da educação e do funcionalismo, por exemplo, por diversos motivos muito justos. E esse é o problema: todos são justos. Precisamos entender que é necessário um esforço conjunto, o que significa todos perderem benefícios. O governo terá de tirar o subsídio do empresariado em empréstimos do BNDES. Assim como diminuir benefícios dos atuais e futuros aposentados, ou a Previdência quebra. O mesmo terá de ocorrer com os sindicatos patronais e com os trabalhistas. Se não acabarmos com esse modelo em que todos acham que possuem mais direitos do que deveres com a sociedade, vamos quebrar o Brasil. E o que precisa ser quebrado é esse modelo.

DINHEIRO – E como fazer isso?
SCHALKA – Isso passa por mudanças muito mais profundas. Precisamos acabar com o sistema de indexação da economia, que afeta o trabalhador. Se todos os anos precisarmos dar reajuste no aluguel, na luz, no salário ou em qualquer tarifa, isso retroalimenta a inflação. Não resolve. Há que se mudar a legislação trabalhista para não usarem a Justiça como instrumento. Temos 4,6 milhões de processos trabalhistas no Brasil e com uma Justiça longa, custosa e que não leva a lugar nenhum. Nos EUA, há 10 mil casos trabalhistas. E como aqui o processo é gratuito e dificilmente há perdas, todos processam. Não tem sentido. Essas ineficiências que vão se acumulando no Brasil como um todo, vão tirando competitividade do sistema. A estabilidade do serviço público também tem de acabar. É impensável não poder demitir uma pessoa que não é eficiente porque ela passou em uma prova e ainda dar a ela um nível de previdência mais vantajoso do que na iniciativa privada. Na minha visão, estamos discutindo reformas que não vão mudar muita coisa no cenário.

DINHEIRO – Mas qual é a saída?
SCHALKA – Precisamos mudar a cultura da nossa sociedade, o que pode começar com uma reforma política. É necessário criar uma cláusula de barreira partidária e acabar com o fundo partidário. Precisamos de um processo de representatividade melhor, com menos partidos. Ao diminuir o número de partidos, os interesses irão se aglutinar. É necessário mostrar para as pessoas que temos mais obrigações com a sociedade do que direitos. Se não fizermos as transformações, que começam pela educação, não vamos conseguir nada.

DINHEIRO – Em médio prazo é possível fazer essa reforma cultural?
SCHALKA – Primeiro, temos de esquecer o nós contra eles. Precisamos chegar a uma conclusão de qual é o futuro que nós queremos para o Brasil. As pessoas devem entender que terão de fazer concessões. Estamos discutindo por coisas irrisórias, como o Bolsa Família, que é necessário. Mas temos de mudar o modelo assistencialista que adotamos para tudo. Isso é errado. Precisamos fazer com que as comunidades mais carentes tenham possibilidade de se desenvolver, mas, para isso, são necessários serviços básicos adequados. Não é uma reforma de meses e nem de anos, mas de gerações. Não vejo, no entanto, ação e liderança para que isso ocorra. Para piorar, existe aquele pensamento de que não vale entrar na política, pois lá há apenas gente suja. Se mantivermos essa ideia, nenhuma pessoa limpa entrará e vamos continuar alimentando esse sistema.

DINHEIRO – Então, não podemos descartar o senhor entrando na política?
SCHALKA- Não tenho pretensão política, mas converso com outros CEOs e empresários sobre o nosso papel na sociedade. A iniciativa privada também tem responsabilidade na crise. Acabamos tendendo a acreditar que o mundo político se distanciaria do mundo empresarial e aconteceu o contrário. Um se beneficiou do outro. Precisamos aumentar a nossa voz, fazer as sugestões e participar do processo de mudança. Isso é fundamental. A omissão da classe empresarial é inaceitável.

DINHEIRO – E o senhor enxerga um avanço do empresariado nesse tema? 
SCHALKA – Não. Ainda é muito tímido. Como 40% do PIB do País é do serviço público, as empresas se tornaram muito dependentes. Ficam todos com medo de perder mercado e não fazem nada. Precisamos olhar para frente com objetivos mais amplos do que, simplesmente, maximizarmos os nossos lucros. O empresariado tem de ajudar a sociedade a se transformar.

DINHEIRO – O senhor acredita que há um preconceito da sociedade com a iniciativa privada? 
SCHALKA – No Brasil ainda existe muito corporativismo em todos os setores e segmentos. Cada um defende os próprios interesses em detrimento dos objetivos comuns da sociedade. O setor privado não é diferente e precisamos quebrar esse ciclo. Vamos ter de abrir mão desses interesses. Então, se tiver que aumentar tributo para sair do atual momento, precisaremos pagar. Não podemos enxergar isso como negativo, mas como fundamental para esse processo de transição.

DINHEIRO – A indústria está cada vez mais perdendo espaço no PIB. Como o senhor enxerga esse momento?
SCHALKA – A indústria é um componente fundamental global e do Brasil. Essa percepção de perda de valor do PIB acontece em diversos países. Isso deve mudar assim que a indústria acordar e perceber que ela faz o produto para o consumidor final e que pode se aproximar dele, sem intermediação, e que pode ter uma enorme geração de valor. Entenderá que é possível usar a tecnologia para gerar uma disrupção e alterar o seu papel. O setor se acanhou ao longo da história e voltará a ter um espaço maior, não tenho dúvida.

DINHEIRO – Como o senhor está enxergando o atual momento do setor de papel e celulose?
SCHALKA – O setor está passando por uma transformação no mundo: diminuição na área de imprimir e escrever, por conta da digitalização, e crescimento de consumo nas áreas de tissue, como papel higiênico. Essa indústria, no Brasil, é ciclotímica. A volatilidade do câmbio, o qual não temos nenhum controle, e do preço da celulose, que está atualmente no pior patamar histórico, traz questionamentos sobre quais devem ser as modificações na indústria para aumentar o nível de rentabilidade. A Suzano optou por um caminho de melhorar processos e, consequentemente, a competitividade estrutural. Fizemos um programa de ataque a cada uma das etapas de produção buscando a redução dos custos e a alteração do modelo de negócios em um processo de diminuir os intermediários cada vez mais agressivos.

DINHEIRO – Na sua opinião, cortar intermediários é possível no segmento de celulose, que é tão distante do consumidor final?
SCHALKA – A indústria de celulose tem um problema muito sério no Brasil. Produzimos celulose por aqui, mandamos para a China, que faz o papel e envia o produto para o resto do mundo. A pergunta é a seguinte: qual é a lógica estratégica de não agregar valor à celulose? A primeira reação é dizer que a mão de obra na China é mais barata, mas na conversão para o papel não é necessário tanta gente. Depois falam dos impostos, só que os impostos para exportação no Brasil são zero. Por último, afirmam que o custo de capital chinês é menor. O que é verdade, mas é algo marginal. O da Suzano é 4,4%, enquanto o chinês é 3,2%. Tem diferença, porém não é algo tão significativo a ponto de justificar a falta de produção de papel no Brasil. Ou seja, deveríamos ser produtores de papel de maneira muito mais competitiva, assim como somos de celulose. Até por isso, fizemos investimentos de R$ 400 milhões em Mucuri e Imperatriz para ampliar a produção de papel tissue. Ao mesmo tempo, existe o projeto da árvore do futuro, que crescerá mais rápido e será mais resistente às pragas. O Brasil é o País mais competitivo do mundo em florestal, mas tem potencial para muito mais.

DINHEIRO – Como o senhor disse, o setor é muito refém de duas variáveis: preço da celulose e o câmbio. O que fazer para se tornar mais resistente?
SCHALKA – É necessário um redesenho da indústria. É frustrante você fazer um trabalho de evolução constante e ver seus dados financeiros instáveis por conta de fatores que não se pode controlar. A indústria precisará passar por uma transformação relevante. Pode ser por consolidação ou verticalização, que leve a uma criação de valor mais sustentável.

DINHEIRO – Tanto a Suzano quanto as suas principais concorrentes no Brasil e no mundo aumentaram as capacidades de produção. Não há muita oferta no mercado?
SCHALKA – O grande problema para a criação de valor foi o excesso de capacidade. Esse fator, somado ao crescimento da demanda internacional menor do que o esperado, vem gerando essa sobreoferta. A queda de preços é por conta disso. Como as empresas vêm operando abaixo do seu custo médio de capital na exportação de celulose, na prática estamos exportando capital. Não vejo isso como positivo para a indústria brasileira e nem para o Brasil.

DINHEIRO – Então, vocês não planejam aumentar a capacidade da empresa no curto prazo?
SCHALKA – Existe uma tendência da indústria de trabalhar em plena capacidade e temos floresta sobrando. Na teoria, seríamos os próximos a anunciar o aumento de produção, mas no curto prazo temos outras prioridades. Ficou provado, ao longo do tempo, que esses mega-investimentos em fábricas não vêm trazendo retorno adequado aos investidores. As unidades fabris geram caixa, mas também um grande problema de percepção. Uma coisa é gerar caixa, outra é gerar retorno sobre o capital empregado. São coisas completamente distintas. O crescimento não é a única maneira de criar valor para o nosso investidor.

DINHEIRO – A consolidação poderia mudar isso? É algo que a Suzano vem observando com atenção?
SCHALKA – É impossível olhar os números e não enxergar que há uma supercriação de valor na consolidação do mercado sul-americano e não apenas no brasileiro. Mas não há conversas por enquanto.
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