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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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Massacre em Colniza amedronta assentados e escancara lado sangrento do agronegócio; vítimas relatam ataques

Foto: Rogério Florentino Pereira/Olhar Direto

Massacre em Colniza amedronta assentados e escancara lado sangrento do agronegócio; vítimas relatam ataques
Manchete em veículos de comunicação Mato Grosso a fora, a chacina que deixou nove mortos em Colniza (1065 km de Cuiabá), soou como mais um alerta aos trabalhadores rurais, que, assim como aquelas vítimas, vivem à sombra da morte. No sistema que se sustenta pela violência, os assentados da Gleba Gama, em Nova Guarita (673 km da Capital) compõe mais um triste retrato do trabalho no campo. Alvo de inúmeros ataques, registraram nos últimos 10 anos quase 400 boletins de ocorrência denunciando ameaças e agressões, não obtendo, durante todo o período, nenhuma resposta efetiva das instituições competentes. 


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Vítimas do Estado, da Justiça e da Polícia, estes moradores ilustram os dados reunidos na 53 ª edição do Caderno Conflitos no Campo Brasil 2016, que apontam para a existência de mais de cinco mil famílias envolvidas em conflitos agrários em Mato Grosso, o primeiro no Centro-Oeste em violência no campo. A negligência foi relatada por duas moradoras da região, que, recentemente estiveram em Cuiabá, para, mais uma vez cobrar providências e denunciar o lado sangrento que o agronegócio mascara em propaganda e porcentagens estratosféricas.

Em Nova Guarita , elas estão entre as doze famílias que dividem 409 hectares em pequenos sítios, nos quais, em decorrência da invasão de um fazendeiro, não é possível mais plantar ou produzir nada . Por medo, não se identificaram ao afirmar que perderam nas contas de quantas vezes passaram por ataques de capgangas ou pelo descaso da Polícia. “Tem vez que a polícia vai, tem vez que não. Mas quando é o fazendeiro que chama, eles sempre vão. O oficial de justiça também nunca acha o fazendeiro, mas nós ele acha”, afirma uma das mulheres.

Segundo o coordenador do Fórum Estadual de Direitos Humanos e da Terra, Inácio Werner, além das centenas de registros já mencionadas, ainda há casos nos quais os policiais se recusam a confeccionar o boletim, ou, quando o fazem, acabam incriminando os próprios denunciantes que saem da delegacia sem uma cópia documento. “Recentemente tivemos que solicitar junto a Secretaria de Segurança o fornecimento de uma cópia que deveria ter sido entregue no ato da denúncia. Quando lemos o documento, vimos que ele colocava os camponeses como os criminosos”, explica.  

Mãe de um casal de crianças, uma das camponesas, de 34 anos conta ter nascido em uma família de agricultores, tendo dedicado sua vida ao mesmo ofício. Sua casa já foi alvejada, incendiada e, em um dos piores episódios, alvo de um avião que passou por ali lançando veneno. “Quando colocaram fogo na minha casa, falaram que a gente tinha que sair, aí a gente subiu pra cidade. Hora que voltamos no outro dia estava tudo queimado. Não tem um caso pior, tudo é ruim. O veneno foi grave a gente se intoxicou, tem laudo médico e tudo”, relata emocionada.

Além dos atos de violência mais graves, os moradores lidam cotidianamente com os efeitos da derrubada de suas cercas e a destruição de suas lavouras, causada pela invasão do gado que pertence à fazenda vizinha. Soma-se a isso, as ameaças veladas, materializadas ali na presença de cruzes fincadas na frente das casas. “A cerca, toda semana que faz, cortam. A gente fecha pra colocar ali um gado, pra gente ter uma vaca de leite, mas não dá.”


De acordo com sua vizinha, de 43 anos, a gleba, composta por 409 hectares divididos entre 12 famílias, conta um projeto de reflorestamento e dispunha da produção de arroz e feijão. “Quando nós entramos lá a gente tinha roça. Plantávamos arroz, feijão, vassoura, de tudo tinha, mas agora, de um tempo pra cá ele não deixa mais porque solta o gado em cima das nossas plantas. Ele cria o gado em cima, por isso não estamos plantando.”

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Mesmo diante da insegurança e da falta de recursos, agravada pelas invasões, os trabalhadores encontram na luta pela terra a motivação para permanecer ali.  “A gente continua pra ver se alguém toma alguma providência, mas cansa. Já pensei em desistir, mas só que lá é nossa família. Vai sair e largar os companheiros pra trás? Vocês não tem noção do que é isso. Não tem paz. Acho que a justiça está cega, não existe pra gente. Você não sabe o que é estar aqui e ligar pra sua família sem saber o que está acontecendo lá. A gente pensa nos nossos filhos, no dia de amanhã da gente”, diz a primeira, com lágrimas nos olhos.  

Igualmente indignada, a colega divide as histórias de perseguição. “Uma vez meu filho estava no terreiro de casa quando um dos filhos dele soltou um cachorro pitbull, se não fosse meu marido estar chegando do serviço aquela hora, tinha pegado meu filho na porta da minha casa, o piá era de menor e ficou escondido em uma moita nos chamando de morto de fome, filho da puta, e tudo que você imaginar. Se a gente reagisse, ou se fossemos nós que cortássemos a cerca, uma hora dessa a gente já estava na cadeia. Isso tudo é crime.”

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) denuncia que um fator determinante  para o aumento 33%  dos casos de conflitos agrários, é a estruturação da pistolagem, que encontra subterfúgios na impunidade para reforçar suas ações pelo interior. Segundo o coordenador da instituição, Cristiano Cabral, os atos antes cometidos por pistoleiros isolados, hoje podem ser atribuídos a associações de pistoleiros mantidas por fazendeiros para fazer sua “segurança”. Com os homens armados seriam gastos de R$9 a R$ 12 mil reais por mês. Como resultado disso, nos últimos anos 272 famílias foram vítimas dos criminosos

Ele também explica que a impunidade reforça a sensação de insegurança entre os assentados, que, diante da negligência do Estado, muitas vezes abrem mão de realizar as denúncias.Exemplo disso é a falta de punição para os 130 assassinatos registrados no campo desde 1985, que seguem sem punição aos responsáveis. 

De acordo as assentadas, o homem que reclama o pedaço de terra em Nova Guarita é proprietário da fazenda Baixa Verde, e nunca morou ali. Ele e um de seus filhos seriam os responsáveis pelos ataques. “Nessa área nossa ele nunca morou, e quando ele vai na Justiça ele mente que mora lá, mente que não anda pela nossa área sendo que ontem mesmo ele estava por lá, todos os dias eles estão passando por lá. Parece que a gente é covarde e não tem coragem de fazer nada, mas não é falta de coragem é que a gente está lá querendo um pedaço de terra pra sobreviver.”

Quase sem esperança, mas firme em suas próprias convicções, a camponesa apela à Justiça, para que a vida e dignidade dos moradores dali e de qualquer outra região com situações semelhantes seja garantida. “A Justiça deveria olhar mais para os pobres, porque se estamos é aqui, é porque não temos dinheiro pra estar em outro lugar. Só estamos lutando pra dar uma vida melhor pros nossos filhos. Queremos viver em paz, mas cada vez que vem uma notícia como essa, a gente pensa que do mesmo jeito que fizeram lá, podem fazer com a gente.”

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