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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Amor e obstinação

Mãe de aluno morto após treinamento dos Bombeiros transforma luto em luta por justiça

Foto: Reprodução

Mãe de aluno morto após treinamento dos Bombeiros transforma luto em luta por justiça
Em voz terna e perfil obstinado, Jane Patrícia Claro, 38, é o retrato da determinação e do amor aos quais quase naturalmente atribuímos a maternidade. Seu primogênito, Rodrigo Claro, foi vítima de excessos durante um treinamento militar no ano passando, dando a início a uma trajetória de luta. Este será seu primeiro dia das mães sem ele. A história é como a de outras mulheres fortes que transformaram a dor e a perda em um motivo a mais para resistir. No tom suave da voz, Jane constroe palavras duras, que lembram o luto e a dor, mas reforçam a luta de quem busca por justiça ao filho e enfrenta a autoridade para evitar que outras famílias sejam destruídas pela negligência.


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No ano passado, estiveram juntos na mesma data, quando ela veio à Cuiabá para visitá-lo. “Ficamos o dia juntos, fomos ao shopping, brincamos, como sempre fazíamos, falamos sobre seus planos... Agora sei que este ano ele não está comigo e que nunca mais vai estar. Tenho outros dois filhos, mas para a mãe, nada substitui. Poderia ter outros 10, 20, 30. Não tem diferença de amor entre eles. Não tem um filho que você ame mais. Mas um não substitui o outro”, conta.

Rodrigo tinha 21 anos e era o primeiro dos três. Ele morreu após uma série de afogamentos realizados na Lagoa Trevisan, em Cuiabá, pela Instrutora do 16º Curso de Formação de Bombeiros, Isadora Ledur, no dia 15 de novembro.  A tenente, que já respondeu a processo administrativo por uma denúncia semelhante, era responsável por 37 alunos e responderá pelo crime de maus tratos, uma vez que ficou constatado que a vítima foi submetida a uma série de afogamentos promovidos por ela.

Desde então, Jane assumiu a briga pela verdade. Junto à imprensa, denunciou os abusos e o corporativismo que cerca o caso, na rua, mobilizou um protesto para que as investigações não fossem esquecidas, longe dos holofotes, acompanha cada avanço no inquérito, reunindo-se com freqüência com os representantes da instituição. Paralelo a isso, cuida dos outros dois meninos, de 16 e 9 anos, que  tem recebido, assim como o pai, acompanhamento psicológico para conseguir lidar com a situação.

Em março, o promotor de Justiça Allan Sidney do Ó Souza, que atua perante a Justiça Militar, solicitou que a tenente responda ao crime de tortura e castigo do aluno soldado bombeiro Rodrigo Claro fora da Vara Militar. O entendimento é de que as informações trazidas no Inquérito Policial Militar caracterizam, em tese, crime de tortura na modalidade castigo, qualificada pelo resultado morte. Sendo assim, crimes dessa natureza não estão previstos no Código Penal Militar.

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A cada visita à Capital para tratar do assunto, no entanto, as esperanças diminuem. Há 30 dias, ela se reuniu com um dos Coronéis do Corpo de Bombeiros e reforça que, o que resta de expectativa está depositado na justiça comum, uma vez que, na militar os rumos não apontam para uma conclusão justa. “Eu não coloco ela [Isadora] como a única culpada. O comandante Reveles, estava lá, viu a situação e não fez nada, o tenente-coronel Licínio sabia de tudo e não fez nada, ela é a principal porque executou. É todo um sistema, uma corrente do mal.”

Ainda assim, resiste, constante como a saudade, a defesa da memória filho. Mesmo em face do corporativismo, das contradições e da burocracia, a dona de casa segue sem medo, ignorando a possibilidade de desistir.  “Acham que eu tenho que tremer por estar diante de militares. Ser militar não faz um homem melhor do que ninguém. É só uma farda e uma patente, que pra mim não vale nada se não há caráter. É isso que diferencia um homem do outro, o caráter, e infelizmente não são todos ali que tem. Claro que eu e minha família tomamos alguns cuidados, mas não tenho medo." 

A tragédia que impactou sua rotina, acabou por aproximá-la de colegas e amigos de Rodrigo, que carinhosamente a chamam de “mãezinha” ou tia. Ligação que se explica facilmente pela gentileza com a qual Jane se comunica. Sutileza acompanhada de garra e obstinação traçam o perfil que nutre grande simpatia e admiração.

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“É pelo meu filho que não desistio, mas também pela certeza que outras mães não precisarão sentir o que estou sentindo, que não irão matar mais sonhos, como os que morreram junto com o Rodrigo. E não foi só com ele. Quantos já passaram pela tortura e desistiram? Quantos convivem hoje com o trauma? É muito sofrido passar por isso e ver as pessoas mentindo, se contradizendo e ninguém dar a mínima pra isso, mas eu vou até as últimas conseqüências.

O caso 

Rodrigo ficou internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e faleceu por volta de 1h40. Ele teria sido dispensado no final do treinamento após reclamar de dores na cabeça e exaustão. O Corpo de Bombeiros informou que já no Batalhão ele teria se queixado das dores e foi levado para a policlínica em frente à instituição.Ali, sofreu duas convulsões e foi encaminhado em estado crítico ao Jardim Cuiabá, onde permaneceu internado em coma. 

A situação também é investigada pela Polícia Civil por meio da Delegacia de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP). Em fevereiro, quando o inquérito foi encerrado e os responsáveis apontados, Jane classificou o resultado como “vergonhoso”.

“A conclusão é extremamente branda, como nós já imaginávamos que seria. É um tapa na cara da sociedade e de toda a família, de quem esperava por justiça. Claro que estamos revoltados com a situação, no entanto, não estamos surpresos. Já acompanhamos outros casos parecidos envolvendo militares e a conduta da corporação é a mesma.”
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