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Sexta-feira, 29 de março de 2024

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Com Gabriel Medina, Brasil vive uma nova onda

Foto: Reprodução

Com Gabriel Medina, Brasil vive uma nova onda

RIO - Subtraída por números escandalosos, a começar pela goleada por 7 a 1 para a Alemanha, a pátria pendurou as chuteiras na árvore de Natal, junto com as contas a pagar em 2015. Afogado em dúvidas, o brasileiro vê na prancha de Gabriel Medina, que alcançou nesta sexta-feira no Havaí a glória de ser o primeiro brasileiro campeão mundial de surfe, uma tábua da salvação. No vácuo deixado pelos fracassos do futebol, o torcedor pegou carona nos carros de Ayrton Senna e soltou o ar que lhe oprimia o peito no ritmo dos golpes da raquete de Gustavo Kuerten. Agora é a vez de o surfe pôr o orgulho nacional na crista da onda, mesmo que o esporte, tal qual o local da decisão do título, o Havaí, ainda seja uma ilha cercada de desafios.



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— O Medina está sendo tratado como um Neymar pela carência ídolos no Brasil. Há semelhanças entre ele e o Guga, a começar pela figura do pai. O padastro do Medina virou seu treinador da mesma forma que o Larry (Passos) se tornou referência para o Guga. Outro ponto é que o surfe e o tênis são esportes muito em baixa no Brasil — disse Marcelo Andrade, ex-diretor executivo da Associação Brasileira de Surfe Profissional (Abrasp), ao lamentar que o crescimento na década passada não tenha ampliado a base. — O Brasil não se aproveita dos talentos para desenvolver o esporte. O tênis regrediu depois do Guga, só o vôlei tem uma evolução, mas às custas dos escândalos de corrupção que a gente tem visto.

Na ausência de esperança coletiva, resta se agarrar ao sucesso alheio. Mesmo que conheça pouco de modalidades como judô ou iatismo, a cada quatro anos o torcedor abre a bandeira e o peito à espera de medalhas. Poucos viram uma regata de Torben Grael, mas no momento da vitória todos se sentem igualmente campeões. A derrota, no entanto, é pessoal e intransferível. Diante dessa relação, a máxima de um certo técnico de futebol — “Eu ganho, nós empatamos, vocês perdem” — serve como termômetro do espírito esportivo nacional. Mais do que participar das competições esportivas, o brasileiro gosta é de ganhar.

— Essa adesão passa pela vontade de se sentir realizado pelo esporte. Mas é algo esporádico, como aconteceu com o automobilismo, o tênis e agora o surfe. Não são modalidades arraigadas na cultura, dependem de um ídolo — disse o professor Ronaldo Helal, que une teoria e prática, como torcedor do Flamengo e sociólogo, para reforçar a fronteira entre o futebol e os demais esportes. — No futebol, os ídolos passam, e a paixão pelos clubes continua. Quando o Brasil não tem favoritismo na modalidade, pode valorizar até o 20º lugar. No futebol, ninguém aceita ser o segundo.

Depois que Medina despontou para o título, a única expectativa também era pela vitória. Seu caminho até a glória era também um rito de passagem para toda a modalidade. Num clique, o surfe virou plataforma para a navegação da bandeira e do bom humor brasileiros. Diante da conquista virtual, as redes sociais se conectaram aos coqueiros da Praia de Pipeline e muita gente, que nunca tinha botado o pé na prancha, deitou nos louros.

Num perfil caricato da maior autoridade da República, uma fotomontagem subaquática exibia a presidente de biquíni com mensagens de apoio a Medina. Na busca por vitória e prazer, a erotização faz parte da festa: “Gente, não entendo nada de surfe, mas admiro muito esse rapaz, Gabriel Medida. Ele, ali no mar, sem camisa... Alguém sabe se ele tem namorada?”, brincou a atriz e humorista Mônica Iozzi em sua conta numa rede social.

COMENTARISTAS DE OCASIÃO

A invasão do movimento leigo na praia do surfe fez a modalidade entrar nas conversas de botequim, portarias e esquinas.

— Se é brasileiro, temos que fazer fé para que ele ganhe, já sofremos muito esse ano — disse o garagista Cristiano Ferreira, que é vascaíno e nem sabe que o brasileiro Filipe Toledo é o atual campeão da segunda divisão do surfe, o WQS.

Ao contrário de quem tem as marcas da dedicação ao esporte na pele, aqueles que surfam na popularidade alheia sofrem mais pela espera das ondas. No período em que a última etapa da temporada ficou suspensa à espera de melhores condições, o encontro da ignorância com ansiedade fez chover previsões cômicas, como a de que Medina só seria campeão em 2020 por causa dos adiamentos.

— Ouvi até que a organização tinha botado o campeonato no lugar errado, que em Pipeline não dá onda — disse Marcelo Andrade, diante da heresia de quem ousa subestimar a meca do surfe, com seus cilindros ocos por onde o surfista tenta sair antes da baforada de espuma.

O cachimbo de água lembra que é preciso fôlego e lucidez para que a onda seja duradoura e que o esporte não mergulhe no vazio, como aconteceu com o tênis.

— A diferença para o Guga é que o Medina faz parte de uma geração que vai manter o Brasil na elite do circuito por mais tempo — disse Pedro Falcão, atual diretor-executivo da Abrasp, sem se deixar levar pelo que se vê no topo, por saber que a continuidade do surfe depende do que está no fundo. — Falta comprometimento com o mercado nacional, os brasileiros do WCT não competem no país. Precisamos de uma política esportiva desde a base. O surfe é o esporte mais democrático, a praia é de graça e sobram muitas pranchas em bom estado que não servem mais aos atletas de ponta.

RECEITAS EM QUEDA

A solidariedade não consta das leis do mercado, que fazem patrocinadores abrirem suas tendas apenas quando o clima está favorável. Na primeira década do século, o suporte de grandes empresas ao circuito nacional permitiu que as marcas de surfwear investissem mais nos atletas e na adaptação deles a tipos de onda que não existem no país. Assim foram formadas gerações que deixam o Brasil hoje com sete representantes entre os 36 surfistas do WCT. Até 2011, o circuito nacional teve premiação de até R$ 200 mil por etapa, quase dez vezes mais do que a Abrasp distribui hoje em eventos regionalizados. A evolução e o atraso obedecem ao movimento das marés.

Se ainda não foi capaz de inverter o fluxo dos investimentos do alto nível para a base, Medina já fez o orgulho subir novamente ao patamar que aponta para a carência geral da nação. No ano de números escandalosos e do duro golpe dos 7 a 1 no Mineirão, quem perde dentro de casa deve olhar para os próprios erros em vez de apontar o dedo. Depois que a frustração e a euforia passam, só resta o desafio da série seguinte. Em vez de se deixar levar pela espuma, é preciso ver onde a onda se forma, para se proteger dos riscos e tirar o maior proveito possível dessa força da natureza que é o esporte brasileiro.

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