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Estagiários denunciam trabalho no Hospital Júlio Muller: “mão de obra barata, quase escrava”

Da Redação - Lázaro Thor Borges

Os estudantes de medicina que estagiam no Hospital Universitário Júlio Muller (HUJM) denunciam que são utilizados como ‘mão de obra barata’ pela empresa pública que está a frente da gestão da unidade de saúde. A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), que foi implantada no HUJM em 2012, administra diversos hospitais no Brasil.

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Ao Olhar Direto, os estudantes relataram que realizam um trabalho desgastante, com carga horária excessiva e obrigação do cumprimento de prazos e metas superior à capacidade laboral. Eles explicam que, além de terem de trabalhar no mesmo ritmo que um médico profissional, não recebem bolsa pelo serviço prestado. O dinheiro, que seria em torno de R$ 400, é convertido em alimentação.

“Em último lugar está a educação. Somos usados como mão de obra barata mesmo, quase escrava. A gente passa por coisas ali dentro sem ter o mínimo de amparo psicológico. Conheço ‘N’ colegas que estão tomando antidepressivo”, conta Angélica, que pediu para ter o nome verdadeiro preservado.

Depressão e excesso de trabalho

Sobre a carga horária excessiva, os estudantes dizem que na prática o período de trabalho cumprido é diferente do que é previsto em contrato. O problema, somado a todos os outros denunciados, tem ocasionado doenças psicológicas nos estagiários.

“A carga horária no papel é uma coisa e na prática é outra. No papel a gente trabalha bem menos do que na prática. Isso tudo deixa um ambiente bem insalubre, a gente sabe que na medicina é uma pressão maior, mas lá no hospital nada ajuda, o ambiente é hostil. A maioria dos colegas que eu conheço começa a tomar antidepressivo nesta época do estágio, porque é muita carga de serviço, é muita pressão, é complicado”, conta Luís, que também preferiu não se identificar.

O medo de ter o nome publicado ocorre principalmente porque os estudantes temem que a gestão do hospital passe a persegui-los por contarem a que tipo de trabalho estão submetidos ou por reclamarem formalmente com a administração. As histórias de represálias contra estagiários que denunciaram ou se revoltaram pela maneira como a unidade é tocada são recorrentes, dizem eles.

“Teve um colega nosso que tentou mudar esta situação porque ele viu que o tanto de horas que ele trabalhva era diferente do que estava no papel, e ele começou a fazer o que estava previsto e saindo no período certo, mas isso gerou uma revolta enorme no hospital, e é o que sempre acontece. Dentro do ambiente que a gente trabalha quem reclama disso acaba muito criticado. Então nós ficamos sem ter muito o que fazer”, explica Luís.

Caráter privativo

Apesar de ser uma empresa pública, o caráter ‘privativo’ da Ebserh também faz parte do rol de reclamações. Os estudantes defendem que a instituição se preocupa mais com os gastos do que com a valorização e humanização do atendimento. Segundo eles, a falta de ‘humanização’ no trabalho também é visível pela extinção do Conselho Gestor, que permitia a participação de um representante dos estagiários nas discussões sobre o futuro do HUJM.  

“Com a chegada da Ebserh esse conselho foi extinto. Colocaram um superintendente, e a partir de então o único cargo que a gente tem é na comissão do internato, que não é deliberativa, e a gente não tem nenhum contato com a gestão do hospital. Tudo é feito em instâncias hierárquicas superiores que a gente não consegue ter acesso. A gente não participa das decisões dos hospitais e não ficamos sabendo delas”, conta Reginaldo, outro estudante que teve o nome alterado para preservar sua identidade. 

Outro lado

A reportagem do Olhar Direto entrou em contato com a assessorida da Ebserh para verificar qual o posicionamento da empresa em relação às denúncias e às reclamações dos estudantes. Em nota, a Ebserh respondeu que o cumprimento de prazos e metas é natural no estágio e que a lei não prevê que seja pago remuneração pelo estágio de 12 horas por dia. 

Veja a nota completa:  

A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares e o Hospital Universitário Júlio Muller esclarecem que os estágios fazem parte do currículo dos cursos dos estudantes na universidade. A estratégia de ensino-aprendizagem é o ensino em serviço, ou seja, o acadêmico vai realizar determinados procedimentos no intuito de adquirir competência técnica para a profissão escolhida.

Cabe ainda ressaltar que os estágios na unidade se pautam na Lei nº 11.788, que dispõe sobre Estágio dos Estudantes, e a Resolução do Consepe nº 117/09, que trata das normas do estágio na UFMT. Ambas normativas não incluem a remuneração por meio de bolsa para estágio.

Com relação à colocação de "cobrança por cumprir prazos e metas", essa se refere às exigências que os estagiários precisam cumprir para obtenção das habilidades necessárias para sua formação profissional. Essa cobrança corresponde ao planejamento pedagógico que estabelece prazos e metas, em conjunto com as necessidades de um hospital.

Sobre a alimentação, vale destacar que ela não funciona como forma de pagamento, mas cumpre regulamentação do Ministério da Educação, de manter a alimentação dos estagiários que cumprem carga horária de 12h na modalidade plantão.

Ainda reforçamos que as opiniões dos estudantes não foram reportadas às instâncias correspondentes do hospital, que se colocam à disposição dos estudantes para quais quer esclarecimentos adicionais.

 
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