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Quarta-feira, 17 de julho de 2024

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Índios do Peru foram os primeiros a domesticar palmito cultivado no Brasil

As comunidades indígenas tiveram papel importante no domínio de alimentos que fazem parte do dia a dia das pessoas. Entre esses alimentos está a pupunha. A história da domesticação da palmeira amazônica começa no Peru.


Em poucos lugares do mundo a natureza é tão generosa e, ao mesmo tempo, tão desafiadora e surpreendente. É impossível chegar a qualquer lugar de Iquitos, a maior cidade da Amazônia peruana, na beira do Rio Amazonas, sem cruzar com centenas de mototaxi. Em meio a uma confusão fica o mercado Belém, onde é vendido de tudo.

Um dos produtos oferecidos é o pijuayo, nome espanhol da pupunha. Os frutos da árvore são unanimidade na Amazônia. Na época de colheita, que vai de janeiro a abril, esses frutos são os reis dos mercados. Eles cumprem a função de reforçar a dieta dos povos da floresta.

Segundo o biólogo americano Charles Clement, a pupunha é a única palmeira amazônica, entre as 150 conhecidas, considerada totalmente dominada pelo homem, uma vez que culturas como a do açaí ainda estão em processo de domesticação. “Domesticação nada mais é que pegar algo que uma vez foi silvestre e transformar em algo que é mais agradável pra nós humanos, para nossa vivência, para nosso uso”, diz.

De acordo com estudos, os primeiros exemplares podem ter surgido no sudoeste da grande floresta. Depois, seguindo pelo Rio Madeira, chegaram ao Pará, região chamada pelos cientistas de Amazônia Oriental. O outro caminho, pelo lado ocidental, teria sido pelo estado do Amazonas e entrou no Peru até chegar à América Central.

Não há registros históricos sobre o local exato do começo da domesticação da pupunha, mas sabe-se que entre os pioneiros do domínio estão os índios aguarunas, que vivem na região do Rio Marañon, na Amazônia peruana. O conhecimento e a técnica de manejo adquiridos há muitos anos se espalharam rio abaixo.

A aldeia Au Au Hun é uma das mais isoladas da etnia aguaruna. Visita na aldeia é motivo de festa. Como em toda celebração, há sempre uma bebida de boas vindas. A bebida servida é um licor conhecido por massato, que nunca falta nas comunidades indígenas peruanas. O estranho, para os padrões comuns, é o modo de preparo. A raiz da mandioca é a matéria-prima. O resto é feito na base mastigação.

Nas comunidades indígenas as palmeiras servem para quase tudo: telhado das aldeias, as paredes e até a arma de caçar. Mesmo o que parece imprestável tem serventia.

No extremo norte do Peru, conhecida como um dos paraísos das águas amazônicas, fica uma das aldeias dos índios boras yutoto. Esta etnia peruana ocupa grandes faixas de terra na Amazônia perto das fronteiras do Peru com a Colômbia e o Brasil. A aldeia tem 65 famílias que ocupam oito mil hectares de floresta.

Para chegar ao pupunhal da aldeia é preciso atravessar igapó. Só quem conhece os atalhos da floresta consegue encontrar as palmeiras mais carregadas. Se a safra é boa, em único dia é possível garantir pupunha para toda semana. O palmito não tem tanto valor para eles.

Origem
O surgimento de plantas sem espinhos é um mistério no processo da domesticação da pupunha que nem a ciência consegue explicar direito. Para entender o que houve foi necessário percorrer várias regiões do Peru, cruzar a Cordilheira dos Andes e enfrentar estradas perigosas pelo interior do país.

A aldeia San Juan, em Yurimaguas, no Alto Amazonas, é o berço da pupunha sem espinho. A raça da palmeira facilitou muito a vida dos índios. Mas é preciso subir nos troncos lisos das pupunheiras para buscar os cachos.

Alguns cientistas acham que a pupunha sem espinho é resultado de uma mutação. Mas o agrônomo peruano, Jorge Perez, especialista em pupunha, tem outra teoria. “O que aconteceu no passado foi um cruzamento. Quando a pupunheira abre seu cacho, imediatamente as flores femininas estão ávidas para fecundar. Então, o pólen de outra palmeira que não tem espinho, chamada camona, provavelmente fez essa polinização e apareceu essa hibridação natural. Através disso, foi possível conseguir as pupunheiras sem espinho”, diz.

Há milhares de anos, as comunidades nativas, involuntariamente, encarregaram-se de espalhar a novidade pela região. Uma das suposições diz que os índios xauins eliminavam todas as pupunheiras que encontravam com espinho. As plantas mais jovens também eram cortadas. Isso teria ajudado a natureza a criar uma raça que levou a região de Yurimaguas a entrar para a história da pupunha.

Cultivo nacional
O Brasil deve à região de Yurimaguas a introdução do cultivo do palmito de pupunha em terras brasileiras. As primeiras sementes da variedade saíram daquele lugar. O peruano Jorge Perez ajudou nessa empreitada, mas quem se arriscou para transportar a carga foi o agrônomo capixaba Adilson Pereira.

Foram necessárias três semanas de viagem entre a saída de Yurimaguas e a chegada a São Mateus. O agrônomo se especializou na produção de mudas, regularizou a situação do plantio no Ministério da Agricultura e conseguiu disseminar a cultura do palmito de pupunha pelo país.

O agrônomo vê um futuro promissor para o cultivo de pupunha no Brasil. “Até mesmo porque passa a ser uma necessidade a gente ter uma palmeira pra esta substituição. As palmeiras de extrativismo estão acabando”, completa.
O que nunca vai acabar é essa busca do homem pelo conhecimento. A pupunha é um exemplo do quanto é importante a domesticação das plantas. O domínio que faz sonhar, criar, evoluir e produzir.


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