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Segunda-feira, 22 de julho de 2024

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Real mais fraco é útil para o Brasil, diz Lipton

A saída de capitais do Brasil provocada pelas discussões sobre o ritmo de redução das compras de ativos pelo Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) foi em alguma medida positiva para o país, ao levar a uma desvalorização do real, disse David Lipton, primeiro-vice-diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI). Para o número 2 do Fundo, o enfraquecimento do câmbio provavelmente foi algo útil para o Brasil, dada a sua situação em termos de crescimento .


Com o real mais depreciado, a competitividade externa do país vai melhorar, como destaca o relatório Panorama Econômico Mundial (WEO, na sigla em inglês), divulgado na semana passada, que projeta uma pequena diminuição do déficit em conta corrente devido ao câmbio mais fraco, projetando um rombo de 3,4% do PIB em 2013 e de 3,2% do PIB em 2014.

Segundo Lipton, o mais apropriado para o Brasil e para a maior parte dos emergentes é ter um câmbio flutuante, num cenário em que pode haver volatilidade, a depender de quando o Fed começará a comprar menos títulos do Tesouro e papéis lastreados em hipotecas. Em caso de falta de liquidez ou de risco de ajustes desordenados, cabe aos bancos centrais atuar para superar esses problemas, disse ele. O BC brasileiro, por exemplo, adotou em agosto um programa de intervenção diária no câmbio, para aumentar a liquidez.

Lipton não vê problema no fato de o país ter déficits nas suas transações de bens, rendas e serviços com o exterior. Acho desejável para o Brasil ter um déficit em conta corrente no momento. Se financiado de modo sustentável por capitais de longo prazo, o Brasil poderá importar mais bens de capital, algo importante para estimular o investimento, notou Lipton.

O número 2 do FMI ressaltou justamente a necessidade de o Brasil caminhar para um crescimento liderado pelo investimento, e não pelo consumo. Nós frequentemente aconselhamos à China que é necessário reequilibrar a economia do investimento para o consumo. O Brasil provavelmente tem que reequilibrar a economia um pouco na outra direção , afirmou ele, que não acredita num pouso forçado da economia chinesa nos próximos 12 a 24 meses. Lipton tampouco aposta num tombo dos preços de commodities, por antever uma recuperação gradual da economia global.

Ao falar da ameaça de o teto da dívida americana não ser elevado, Lipton alertou para as graves consequências para os EUA e para a economia global. Haveria a necessidade de cortes drásticos de gastos, porque o governo teria que equilibrar imediatamente o orçamento, e, pior, surgiram dúvidas sobre um calote nos papéis do Tesouro. Isso tenderia a ser muito perturbador para os mercados de capitais, porque os títulos do Tesouro são os instrumentos financeiros mais amplamente usados num conjunto de diferentes tipos de contratos de empréstimos e de muitos tipos de transações.

Se o impasse fiscal for resolvido, contudo, os EUA têm boas perspectivas de crescimento, dada a força do setor privado, afirmou ele. PhD por Harvard, Lipton esteve no Tesouro americano entre 1993 e 1998, no governo Clinton. Também passou pelo Citi. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida na quinta-feira.

Valor: Há sinais de uma recuperação mais forte nos EUA, como se pode ver no mercado imobiliário e no setor manufatureiro, mas o desemprego continua alto e o crescimento em 2013 vai ficar abaixo de 2%. Qual é a real solidez da retomada da economia americana?

David Lipton: A nossa avaliação é de que o setor privado está ganhando dinamismo nos setores que você mencionou, como o imobiliário e o manufatureiro. O que está segurando a recuperação é o peso do ajuste fiscal americano. Vamos ver como se desenrola o impasse no Capitólio sobre o orçamento. Mas, se isso não for um obstáculo, nós esperamos que, no ano que vem, o impacto da redução do déficit público sobre a economia será um pouco menor. Nós vemos uma recuperação ganhando fôlego, estimando um crescimento de cerca de 2,5% em 2014 (para este ano, o FMI projeta expansão de 1,6%).

Valor: O sr. citou o impasse fiscal. As batalhas sobre o orçamento causaram a interrupção parcial das atividades do governo, o shutdown , e a ameaça de que o teto da divida não seja elevado. Em que medida isso afetará a economia americana?

Lipton: O shutdown tem um efeito negativo, mas ele tende a ser pequeno se for de curta duração, porque as coisas estão meramente sendo adiadas. Analistas do setor privado têm dito que a interrupção das atividades do governo por algumas semanas pode tirar de 0,2 a 0,3 ponto percentual da taxa anual de crescimento. Um shutdown mais longo pode ter maiores consequências, mas ainda de tamanho modesto. Se o teto da dívida não for elevado, isso pode ser mais prejudicial. O governo teria, formalmente falando, que equilibrar imediatamente o orçamento, uma vez que ele parte de um déficit. Seria um ajuste muito significativo [o Bank of America Merrill Lynch diz que o governo teria que cortar o equivalente a 4% do PIB]. Não está claro como isso seria conseguido. Mais do que isso, dúvidas seriam levantadas muito rapidamente se haveria um calote nos títulos e notas do Tesouro. Isso tenderia a ser muito perturbador para os mercados de capitais, porque os títulos do Tesouro são os instrumentos financeiros mais amplamente usados num conjunto de diferentes tipos de contratos de empréstimos e de transações. É muito difícil atribuir um número a isso, mas é razoável dizer que, se os EUA fossem empurrados para um calote seletivo, isso causaria sérios prejuízos ao país e, como resultado, à economia global.

Valor: Há um cenário em que pode haver uma série de acordos de curto prazo, que evitam o pior, mas sem resolver a questão de modo permanente. Como esse padrão de impasses fiscais frequentes pode afetar a recuperação?

Acho desejável para o Brasil ter déficit em conta corrente agora. Ninguém está sugerindo que todo emergente tenha superávit

Lipton: Você está certo que seria um problema e não é o modo adequado de administrar as políticas. A nossa diretora-gerente, Christine Lagarde, tem sido muito clara em dizer que os EUA, como a maior economia do mundo, devem se dedicar a lidar com as questões fiscais, tomando decisões orçamentárias de uma maneira mais comedida e profissional. Seria muito melhor do que ter situações como a interrupção parcial das atividades do governo e o impasse sobre o teto da dívida. Nenhuma dúvida sobre isso.

Valor: A revolução do xisto está em curso, os custos trabalhistas estão sob controle e a taxa real de câmbio parece mais favorável para os EUA. Esses fatores significam que a economia americana recuperou competitividade internacional?

Lipton: A economia americana ganhou alguma competitividade, e isso já começou a contribuir para a recuperação do crescimento. Mas esses fatores ainda são provisórios, e até que o governo lide com as questões fiscais, de modo que as dúvidas que pairam sobre a sustentabilidade fiscal de longo prazo sejam resolvidas, continua a haver uma nuvem sobre a economia.

Valor: Como o sr. analisa a comunicação do Fed sobre a política monetária?

Lipton: O Fed embarcou numa política monetária não convencional para lidar com uma situação extremamente não convencional. Depois da crise financeira global, houve um congelamento do crédito e da liquidez, e eles tomaram medidas extraordinárias para lidar com isso. Os juros se aproximaram de zero, e eles tomaram outras medidas extraordinárias por meio da política monetária não convencional, para tentar oferecer algum empurrão para manter a economia em marcha nesse período difícil. Eles merecem muito crédito pelo que fizeram. À medida que a economia começou a se recuperar, perceberam que seria necessário sair dessa política extraordinária e, uma vez que ela é extraordinária e não convencional, precisariam de novos modos de explicar o que pretendem fazer. Começaram então com o que eles chamam de orientação futura [forward guidance, em inglês], para explicar a lógica futura de suas políticas. Isso quer dizer que o ritmo de retirada dos estímulos, uma vez que começar, vai depender da situação da economia, e eles disseram que vão olhar para inflação e a taxa de desemprego. Está correto o que fizeram, ao adotar um novo arranjo para a orientação futura, para comunicar melhor as intenções. Houve momentos em que os mercados reagiram com força às explicações, especialmente quando eles começaram a falar sobre a redução do ritmo de compra de ativos. Acho que os mercados ouviram a comunicação do Fed nos últimos cinco meses e entenderam um pouco melhor o que o Fed tem em mente. É natural que possa haver alguma reação exagerada, alguma volatilidade, e o melhor que o Fed pode fazer é garantir que a saída dos estímulos monetários dependa da situação da economia, que seja ordenada e comunicada do melhor modo possível.

Valor: O que mercados emergentes como o Brasil devem fazer para resistir a esse cenário de normalização das taxas de juros nas economias avançadas?

Lipton: Primeiro, acho importante que todos os mercados emergentes entendam que a recuperação da economia americana é fundamentalmente algo bom para os EUA e para o mundo, porque ajuda a estimular o comércio global. Mas junto com isso virá a necessidade de normalizar as taxas de juros, e haverá um impacto financeiro de taxas mais altas que será negativo. O Brasil precisa ouvir o que o Fed está dizendo, ou o que tem sido dito em fóruns internacionais, como o encontro anual do FMI e do Banco Mundial [na semana passada], incluindo o G20. Eles permitiram que o câmbio fosse flexível. Acho que, em alguma medida, a conversa sobre a redução do ritmo de compra de ativos nos EUA, que levou à saída de capitais do Brasil, foi na verdade um fator útil. O enfraquecimento do câmbio provavelmente é positivo para o Brasil, dada a sua situação em termos de crescimento. Mas, se houver movimentos de mercado ou de fluxos de capitais que sejam desvantajosos, eles devem considerar qual é a reação apropriada a esse cenário. Acho que não é a situação do Brasil no momento.

Valor: O Banco Central brasileiro anunciou em agosto um programa de intervenção no câmbio, para melhorar a liquidez no mercado.

Lipton: Sim. É apropriado para o Brasil e provavelmente para a maior parte dos mercados emergentes permitir que o câmbio seja flexível. Cada Banco Central, é claro, tem a obrigação de garantir que os mercados permaneçam em ordem. Com isso, se houver falta extrema de liquidez no mercado de câmbio ou em outro importante mercado de financiamento doméstico, é tarefa do BC entrar e tentar superar os problemas.

Valor: Houve uma considerável desvalorização do câmbio. O sr. acha então que isso será positivo para Brasil?

Lipton: Acho que o que ocorreu até o momento foi provavelmente um evento positivo. Isso não significa que deve continuar sem pausa. O julgamento precisa ser feito à luz de outros fatores da economia brasileira.

Valor: O crescimento brasileiro tem sido bem menor do que no período entre 2004 e 2008. O que explica o desempenho mais fraco do país especialmente desde 2011?

O crescimento no Brasil deve ser liderado pelo investimento. O potencial do país para crescer desse modo seria maior

Lipton: Há vários aspectos aí, mas deixe-me colocar desse modo. Nós frequentemente aconselhamos a China que é necessário reequilibrar a economia do investimento para o consumo. O Brasil provavelmente tem que reequilibrar a economia um pouco na outra direção, de um crescimento liderado pelo consumo para um crescimento liderado pelo investimento. O potencial do Brasil para crescer seria maior. Com mais investimento e um maior estoque de capital, cada trabalhador, em essência, teria mais Máquinas e Equipamentos, e isso poderia ajudar a aumentar os salários no longo prazo, elevando o consumo no longo prazo. Mas é necessário, no curto prazo, construir uma economia maior e mais forte por meio de mais investimento.

Valor: O Brasil vai crescer 2,5% neste ano, com inflação próxima de 6% no acumulado 12 meses, um déficit em conta corrente que está em 3,6% do PIB em 12 meses. O que essa combinação diz sobre o desempenho macroeconômico do país?

Lipton: Acho realmente desejável para o Brasil ter um déficit em conta corrente no momento. Ninguém está sugerindo que o Brasil ou outros mercados emergentes devem todos ter superávits em conta corrente. Se o Brasil puder financiá-la de modo sustentável, por meio do investimento estrangeiro direto ou por financiamento de longo prazo, o país poderá importar bens de capital, o que pode ser parte do esforço de construção do investimento ao qual eu me referia. É uma boa discussão perguntar qual deve ser o tamanho grande do déficit em conta corrente. Mas, se foi apoiado por financiamento sustentável, pode ser um fator que contribui para o crescimento mais rápido.

Valor: Alguns analistas dizem que as contas fiscais brasileiras não são tão sólidas como há alguns anos. Como o sr. vê a política fiscal brasileira? O sr. está preocupado com o tamanho da dívida?

Lipton: Eu não acho que a posição fiscal do Brasil atual seja a fonte do problema. O Brasil tem uma regra fiscal, e precisa aplicá-la de um modo que todo mundo possa entender como será a política fiscal não apenas neste ano, mas também no futuro, e precisa garantir que haja o financiamento adequado, especialmente de fontes privadas, que seja significativo o suficiente para impulsionar com mais rapidez o investimento. O Brasil necessita impulsionar a poupança doméstica, criando um ambiente que assegure a existência de um sistema financeiro que transforme essa poupança em investimento mais forte.

Valor: O FMI disse que o Brasil deve promover um ajuste fiscal para colocar numa firme trajetória de queda a relação entre a dívida bruta e o PIB.

Lipton: Há uma regra fiscal, e ela deve ser colocada em prática, sendo seguida de modo que a dívida bruta esteja numa trajetória que nunca coloque em risco a sustentabilidade do setor público. É importante que o Brasil planeje com antecedência e defina com credibilidade que a trajetória da dívida pública nunca levantará dúvidas sobre as finanças públicas.

Valor: A era de preços de commodities em alta parece ter acabado. Como isso vai afetar um país como o Brasil? O sr. concorda com a análise de que o superciclo de commodities chegou ao fim?

Lipton: Acho que o que é chamado de superciclo provavelmente terminou, mas, até que se descubra em que velocidade e em que medida a economia global retomará o crescimento, é difícil saber o que vai ocorrer com os preços de commodities num horizonte de cinco a dez anos. O Brasil precisa estar pronto para um período em que os preços de commodities não serão tão fortes como já foram, e não estarão numa trajetória de alta como já estiveram. Isso significa tentar encontrar indústrias para investir de modo a fortalecer a economia além dos setores de recursos naturais.

Valor: Mas o sr. não espera um tombo dos preços de commodities.

Lipton: Nós não prevemos um tombo dos preços de commodities. O índice que nós seguimos recuou e pode continuar em queda. Mas o nosso cenário básico é de continuidade do crescimento global e, nesse quadro, os preços não levariam um tombo.

Valor: O sr. vê o risco de um pouso forçado ou o governo chinês conseguirá promover uma transição suave para um ritmo mais sustentável de crescimento?

Lipton: Nós continuamos a ver crescimento rápido na China, um pouco mais baixo do que eles tiveram, mas eles cresceram a taxas extraordinariamente altas. Nós não vemos um pouso forçado no curto prazo, num cenário de um a dois anos. Dito isso, há muitas coisas que a China pode fazer para fortalecer e reequilibrar a sua economia. Eles têm, em essência, o problema oposto do que o Brasil. Eles investiram tanto, mais de 50% do PIB, por tantos anos, que correm o risco de ter retornos muito baixos dos investimentos que estão fazendo. Isso pode causar muitos problemas para uma economia, se os empréstimos não forem pagos, ou os investimentos não tiverem uma boa remuneração. O que nós os encorajamos a fazer é transferir mais recursos para a renda das famílias, para que o consumo ganhe importância como motor do crescimento. E nós achamos que há muito mais que eles podem fazer nesse sentido, o que pode ajudá-los a evitar um risco de um pouso forçado num futuro mais distante.

Valor: O FMI estimou que o deficit fiscal ampliado da China seria de cerca de 10% do PIB e a dívida pública ampliada , de 50% do PIB, se incluídos os gastos dos governos locais, por exemplo. Em que medida essa questões o preocupam?

Lipton: Nós tentamos fazer uma avaliação mais ampla das finanças públicas na China, incluindo os gastos e as dívidas dos governos locais. No momento, toda a dívida, mesmo quando você usa esse conceito ampliado , está num intervalo razoável. O fundamental é como definir um sistema de governança que garanta que o gasto público em todos os níveis na China seja mantido num intervalo administrável, e que o dinheiro gasto seja usado em despesas úteis e que promova o reequilíbrio sobre o qual falamos.
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