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Notícias / Economia

Mercosul não superou entraves comerciais

O Estado de S. Paulo

Livre circulação de mercadorias da Cordilheira dos Andes ao Arquipélago de Fernando de Noronha, do Oiapoque ao Canal de Beagle. Este era o principal espírito do Mercosul quando os quatro países fundadores - Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai - assinaram sua certidão de nascimento, o Tratado de Assunção, em 1991.

Mas, antes da vigência total da liberdade de comércio, haveria um período inicial no qual diversos setores empresariais nos países sócios desfrutariam de redução gradual de tarifas alfandegárias que permitiria uma adaptação competitiva. Essa primeira infância do Mercosul terminou em 1995. No entanto, a partir de 1996 prolongou-se por vias indiretas, já que começaram a surgir em Buenos Aires pedidos de exceção por empresários argentinos que exigiam medidas contra a entrada em massa de produtos brasileiros por mais tempo.

Na mira estavam os Suínos, frangos, calçados, móveis e papel, entre muitos outros. A partir dali, e até hoje, a expressão "avalanche (ou inundação) de produtos brasileiros" (nunca comprovada) tornou-se um bordão dos empresários argentinos, enquanto as medidas protecionistas da Casa Rosada cresciam gradualmente nos tempos do presidente Carlos Menem (1989-99), que apesar do discurso neoliberal brecava as mercadorias brasileiras. Menem também pressionava o Brasil flertando com os Estados Unidos, com o qual ameaçava fechar um acordo de livre-comércio.

O sucessor de Menem, Fernando De la Rúa (1999-2001), também aplicou medidas protecionistas, cuja artífice foi a secretária de Indústria, Débora Giorgi, que pedia mão dura com o sócio do Mercosul. Em 2004, o bloco foi novamente abalado por brigas comerciais quando Néstor Kirchner (2003-2007) pegou o governo Lula de surpresa ao iniciar a "Guerra das Geladeiras", contra eletrodomésticos "Made in Brazil".

Outra etapa protecionista começou em 2008, quando Cristina Kirchner empossou como ministra a ex-secretária Giorgi. As medidas, entre as quais licenças não automáticas, cotas, acordos de preços, medidas antidumping e valores-critério, foram aplicadas em grande escala.

Bloqueio. Mas, desde 2011, o secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, implementou a modalidade de ordens verbais, telefonando à alfândega para impedir a entrada de produtos, provocando longas filas de caminhões. E na última meia década caminhoneiros argentinos bloquearam a fronteira com o Paraguai para impedir a entrada de produtos paraguaios.

Por divergências ambientais, manifestantes argentinos bloquearam por quatro anos uma das três pontes com o Uruguai, levando o governo em Montevidéu a alegar "bloqueio econômico". A gota d"água ocorreu em fevereiro do ano passado com a criação das "Declarações Juramentadas Antecipadas de importação" (DJAI), que obriga todas as empresas argentinas que desejem importar a apresentar, previamente, um relatório detalhado à Administração Federal de Ingressos Públicos (Afip).

E o empresário deve esperar a resposta positiva do governo argentino, que não conta com prazo para emitir uma decisão.

O livre-comércio de automóveis deveria ter começado no ano 2000 no Mercosul. No entanto, desde a virada do século os governos argentinos arrancam do Brasil adiamentos do regime automotivo. Para não admitir o fracasso, utilizam o eufemismo de "comércio administrado" para a venda de automóveis entre os dois países.

O açúcar brasileiro é outro produto da lista negra, impedido de entrar no país desde os anos 90 pelo lobby de usineiros do norte argentino.

Desde 1999 os países do Mercosul propuseram o "relançamento" do bloco em cinco ocasiões, como tentativa de maquiar sua prejudicada imagem.

Além disso, criaram em 2004 um tribunal para a solução de controvérsias (que até agora agiu apenas em algumas ocasiões) além do "Mecanismo de adaptação competitiva" em 2006 (jamais colocado em funcionamento). Mas os problemas comerciais internos continuam crescendo, sem solução.

Futebol. Os presidentes do Brasil e da Argentina atenuam conflitos recorrendo a argumentos futebolísticos ("só o que nos divide é o futebol") ou metáforas matrimoniais ("o Mercosul é como todo casamento, sempre existem brigas").

Enquanto adia a resolução dos problemas internos, o bloco recebe novos sócios. Foi o caso da Venezuela, colocada no Mercosul em julho do ano passado por Brasil, Argentina e Uruguai graças à suspensão do Paraguai (que era contra). O bloco também analisa pedidos do Equador e da Bolívia.

Na lista de assuntos pendentes está a retomada das negociações do Mercosul com a União Europeia, que aguarda definição desde 2004. Para o ex-secretário de Indústria Dante Sica, diretor da consultoria Abeceb, o governo argentino poderia aliviar as tensões com o Brasil caso facilitasse as negociações com os europeus.

O ex-secretário de Comércio Exterior Raúl Ochoa, que participou ativamente da criação do Mercosul no início dos anos 90, afirmou ao Estado que a paciência do Brasil com a Argentina, costumeira no governo do presidente Lula, entrou em declínio com o governo Dilma Rousseff.

Já um veterano diplomata argentino que participou nos anos 80 das primeiras negociações com o Brasil, crítico da postura dos últimos governos, afirmou ao Estado em tom de alerta: "Um dia a paciência brasileira acabará de vez. E nós vamos ficar aqui, de escanteio, na periferia do planeta..."
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