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França demarca condições para acordo entre UE e EUA

Valor Online

Paris manterá firme a pressão sobre os negociadores da União Europeia (UE) para que persistam na postura de linha dura em questões agrícolas fundamentais nas negociações com os Estados Unidos sobre um novo acordo de livre comércio, disse o ministro da Agricultura francês, Stéphane Le Foll.

Os "limites intransponíveis" em que a França insiste são quaisquer mudanças das normas europeias contra a importação de produtos agrícolas transgênicos (OGM), de carne produzida com o uso de hormônios de crescimento, de carne limpa por produtos químicos e de animais clonados. Esses temas deverão ocupar o centro das discussões nas conversações sobre o pacto comercial, que serão retomadas agora após o fim da paralisação parcial do governo dos EUA.

"A França estará extremamente vigilante, a fim de garantir que os limites intransponíveis definidos nos poderes [de negociação] dados à Comissão Europeia sejam integralmente levados em consideração", afirmou Le Foll ao "Financial Times".

Paris adotou uma postura altamente cautelosa para com as negociações, destinadas a criar uma Parceria Transatlântica de Comércio e Investimentos, que o presidente Barack Obama e a Comissão Europeia querem ver concluída já no ano que vem.

A França vetou a inclusão, nas negociações, da "exception culturelle" (exceção cultural), que permite que países protejam seus setores de audiovisual, como cinema e música. Paris estipulou ainda condições rígidas para o setor de agricultura.

Embora setores como o de serviços financeiros também tendam a apresentar entraves, a posição da França em produtos agrícolas e alimentos ilustra os obstáculos. Lobbies poderosos do lado dos EUA encaram como protecionistas as barreiras europeias sobre questões como os produtos transgênicos e os hormônios de crescimento e querem vê-las reduzidas.

Perguntado se conseguia vislumbrar espaços de manobra em relação a essas questões, Le Foll respondeu: "Muito difícil... Temos diferenças reais [com os EUA] de enfoque e de legislação sobre essas questões. Não podemos imaginar que as normas europeias, que são associadas ao debate público e à opção dos consumidores, possam ser modificadas nas negociações com os Estados Unidos."

Le Foll, há muito tempo um auxiliar próximo do presidente François Hollande, falava momentos antes de a UE fechar um acordo de comércio com o Canadá, na sexta-feira. Ele reconheceu que a França tem seus próprios interesses por concessões americanas em áreas como seu veto à carne bovina europeia, que remonta à doença da vaca louca, da década de 1990, a proibição americana ao queijo feito com leite não pasteurizado e sua recusa em aceitar "indicadores geográficos", questão na qual o Canadá fez concessões.

Esses indicadores, por exemplo, impedem a rotulagem de qualquer vinho espumante como champanha, a não ser que ele tenha sido produzido na região francesa de Champagne.

Mas o ministro disse que a França já tinha um superávit de US$ 2 bilhões em alimentos e vinhos no comércio com os EUA. "Repito, o diálogo precisa ser construído sobre [o reconhecimento] das concepções muito diferentes de agricultura", disse ele.

"Não é questão de ter medo da concorrência. A concorrência existe no mercado hoje entre sistemas agrícolas diferentes. Mas o comércio tem de se dar num quadro que respeite as opções e estruturas dos diferentes sistemas, entre as quais a opção assumida democraticamente pela Europa em torno dessas questões [como bem-estar dos animais e rígidos padrões sanitários]."

Ao defender a agricultura diversificada, de pequena escala, da UE, Le Foll disse que não se deveria permitir que o sistema agrícola mundial se desdobrasse em especializações, em que diferentes regiões cultivassem a maior parte de cada um dos diferentes produtos agrícolas.

"O que aconteceria se uma região especializada sofresse um grande problema sanitário ou uma seca ou enchente? Seria um grande risco. Para garantir nossa capacidade de alimentar o mundo nos próximos anos, precisamos fomentar a produção agrícola em todos os lugares."

Apesar de suas diferenças, Le Foll disse que a França detectou a existência de "convergências" entre os EUA e a UE ao exigir condições para ampliar o acesso das economias emergentes a seus mercados. Ele lamentou o acordo firmado pela UE quase uma década atrás para pôr fim aos pagamentos de "restituições" que, na prática, subsidiavam alguns produtos agrícolas europeus de exportação, sem garantir "reciprocidade".

A França quer ver novas concessões das economias emergentes sob a forma de padrões sanitários e acesso "bilateral" ao mercado nas negociações na Organização Mundial de Comércio (OMC) marcadas para dezembro em Báli.

Referindo-se aos protestos contra a queda da renda dos criadores de suínos e frangos na França, Le Foll disse que parte do problema diz respeito à Alemanha. A França foi afetada "pela concorrência da Alemanha, que é uma concorrência desleal, porque a Alemanha não tem um salário mínimo e nós temos. Isso é um problema".

Isso significa que os trabalhadores migrantes contratados sob um programa de licença de trabalho são muito mais baratos para os produtores alemães do que para seus colegas franceses. Le Foll disse que a Alemanha concordou em apoiar as propostas francesas de enrijecer o esquema.
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