Olhar Direto

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Opinião

A ineficiência na arrecadação tributária do Estado

No momento atual o Governo de Mato Grosso tem alardeado muito na mídia o discurso de crise fiscal do Estado. Este tema não é novo, mas recorrente nos últimos cinco anos, período em que o Estado deixou de registrar superávit fiscal e passou a apresentar déficit. Não era diferente a retórica do governo antecessor, cujo mandato inteiro foi permeado pelo discurso de crise e de déficit público.

Embora possamos concordar parcialmente com a identificação do déficit fiscal do Estado, tanto no governo antecessor quanto no atual ele decorre da situação de receita menor que a despesa. Entretanto, não podemos concordar com o discurso do governo, que elege o servidor efetivo como bode expiatório.

Os arautos do governo bradam aos quatro cantos que a principal causa é a despesa de pessoal, que cresceu muito nos últimos tempos.  Porém, não fazem uma análise minuciosa sobre os vários aspectos da despesa de pessoal no formato que deve ser separado para análise: ativos, inativos, despesa de pessoal dos Poderes, despesa decorrente de indenizações, etc.  

Primeiramente, afirmo que a situação da crise fiscal não ocorreu pelo lado da despesa de pessoal efetivo, se tivesse ocorrido, deveria haver uma separação das diversas categorias de classificação dessa despesa para análise antes de afirmar que a culpa é do servidor efetivo.  Ainda que a crise tivesse ocorrido pelo lado da despesa de pessoal, seria necessário dar transparência aos números verdadeiros e apresentar à sociedade informações justas e verídicas.

Como exemplo de análise, poderiam mostrar em que aspecto a folha de pagamento cresceu, caso realmente tenha havido esse crescimento. Houve aumento desproporcional de quais tabelas de subsídios das carreiras? Houve aumento do número de servidores efetivos nomeados em que áreas? Houve aumento de servidores comissionados? Só afirmar que a despesa pessoal cresceu mostra uma incapacidade analítica do governo.

Vou mostrar através de dois números-índices simples o erro na condução da política pública do governo anterior e do atual.

O primeiro deles, que chamarei de índice de liquidez da receita tributária para cobertura da folha de pagamento, mede o quanto da receita tributária é usada para pagar a folha de servidores.  Aqui não separei a folha de pessoal dos Poderes, ativos e inativos porque o número global já é suficiente para demonstrar o erro de análise dos governos. 

O segundo, que chamarei de percentual de arrecadação tributária sobre o PIB, mede quanto o PIB contribui para a arrecadação tributária do Estado. Como parâmetro de análise, levarei em consideração o intervalo de 2006 a 2016. Esses 10 anos serão suficientes para explicar o período dos governos Blairo e Silval e dois anos do governo Taques.

Podemos ver que as despesas de pessoal em 2006 somaram R$ 2.173,55 bilhões e a arrecadação tributária R$ 3.507,85 bilhões. Logo, o índice de liquidez da receita tributária para cobertura de folha foi de 0,69. Para cada R$ 1,00 arrecadado com a receita tributária o Estado gastava R$ 0,69 com pagamento de pessoal, ficando com uma situação fiscal positiva de R$ 0,31 por real arrecadado.

Já em 2016 as despesas de pessoal somaram R$ 11.207,56 bilhões e a receita tributária, R$ 9.333,10 bilhões. O índice de liquidez da receita tributária para pagamento de pessoal foi de 1,20. Então para cada R$ 1,00 arrecadado com receita tributária o Estado gasta R$ 1,20 para pagamento de pessoal, ficando com déficit fiscal de R$ 0,20 para cada real arrecadado.

O leigo pode tirar uma conclusão precipitada e simplista de que a despesa de pessoal cresceu desordenadamente e em 2016 a arrecadação da receita tributária não foi suficiente para cobrir o pagamento da folha de salário dos servidores.  

Para desmistificar esse erro, vamos analisar o segundo indicador. Vimos que em 2006 o Estado arrecadou com receita tributária R$ 3.507,85 bilhões, tendo um PIB de R$ 30.700,16 bilhões de reais. Analisando o percentual de arrecadação da receita sobre o PIB vamos encontrar 11,43%.  Assim, a medida da eficiência da arrecadação tributária sobre o PIB era 11,43% do PIB.

Já no ano 2016 o Estado arrecadou R$ 9.333,10 bilhões, com um PIB de R$ 123.834,25 bilhões. Logo, o índice de arrecadação da receita tributária sobre o PIB foi de 7,53%. Nota-se que houve redução da arrecadação da receita tributária sobre o PIB.

Ainda que tenhamos verificado um crescimento vigoroso do PIB, o índice de arrecadação da receita tributária sobre o PIB caiu 3,90% no período de 10 anos.  Enquanto o PIB quadruplicou, a receita tributária arrecadada foi reduzida. Esse indicador mostra que o Estado perdeu eficiência na arrecadação tributária e explica pelo lado da receita tributária a verdadeira causa do déficit fiscal.

Imaginando que o Estado arrecadasse com a mesma eficiência de 11,43% do ano 2006 no ano 2016, com essa arrecadação a receita tributária seria R$ 14.154,25 bilhões e não R$ 9.333,10 bilhões, como registrados do Relatório Resumido da Execução do Orçamento (RREO) do 6º semestre.

Com essa hipótese de arrecadação da receita tributária de R$ 14.154,25 bilhões e uma despesa de pessoal de R$ 11.207,56 bilhões, teríamos o índice de liquidez da receita tributária para pagamento de pessoal de 0,66.

Na verdade os números mostram uma redução do índice de liquidez da receita tributária para pagamento de pessoal de 0,69 para 0,66 no período de 2006 para 2016. Nesse mesmo cenário, o saldo líquido do pagamento da folha com a receita tributária seria de R$ 2.946,69 bilhões para gastos em melhoria dos serviços públicos.

Podemos concluir que nesses últimos governos houve uma perda considerável da eficiência da estrutura de tributação e arrecadação do Estado de Mato Grosso.

Por conta da falsa identificação do problema do déficit público, imputando-o ao crescimento da folha de servidores, o governo atira no alvo errado. A incapacidade de identificação do problema correto leva o governo a atingir os servidores a qualquer custo, fazendo corte de salários, impondo perdas inflacionárias (não pagamento do RGA), suspendendo progressões, cortando horas-extras, etc.

Altos salários devem, sim, ser investigados, mas é papel de auditoria especial que deve verificar caso a caso antes de expor o nome das pessoas. Não se pode demonizar o servidor público jogando informações falsas à sociedade para convencê-la da necessidade de aplicação de medidas impopulares contra os servidores. Muitos desses altos salários publicados são a soma de salário com 13º. O pagamento do 13º junto com o salário no mês de aniversário do servidor era uma prática até dezembro de 2018.

Podem ocorrer ainda casos em que há acúmulo de salários com pagamento de indenizações de licença prêmio – prática legal autorizada pelo governo anterior para algumas categorias de alto escalão, como militares, juízes, etc.

Como economista com MBA em planejamento e elaboração de políticas públicas e especialização em auditoria governamental, vejo com grande desprezo o erro do novo governo, assim como já tinha visto e prenunciado o fim do governo do seu antecessor.

Por que o Estado não arrecadou em 2016 com a mesma eficiência do ano de 2006? A explicação das causas dessa perda de eficiência deve ser investigada analisando o número de incentivos fiscais, processo de fiscalização e/ou ineficiência de cobrança e arrecadação, falta de fiscalização em setores de grande volume de contribuição, perdão de dívidas, corrupção, ineficiência na cobrança dos devedores e redução de alíquotas de tributação.

Só de incentivos fiscais serão R$ 3,40 bilhões em 2019 e nos últimos 10 anos esse número poderá passar de R$ 20 bilhões. A dívida ativa, créditos que o governo tem a receber com empresários e cidadãos, já chega a R$ 46 bilhões, mas é mais fácil tirar daquele que trabalha do que enfrentar os responsáveis pelo problema.

Ainda que o governo não consiga atingir de imediato a eficiência da arrecadação tributária do ano de 2006, é preciso melhorar a arrecadação da receita tributária. Com um aumento de 2% na eficiência da arrecadação tributária o Estado poderia aumentar em pelo menos R$ 2 bilhões a conta dessa arrecadação. Com essa medida o Estado se recuperaria em menos de dois anos.

Em resumo, o déficit fiscal do Estado tem como principal causa a ineficiência da arrecadação tributária.
 

Nilson Antonio Batista é economista com MBA em Planejamento e Formulação de Políticas Públicas e especialista em Auditoria Governamental.
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