Olhar Direto

Quarta-feira, 17 de abril de 2024

Opinião

Carlos, não se mate

Não tem muito tempo, talvez só algumas semanas, que um tal ministro desabafou no twitter sobre como homens se sentem intimidados diante da postura das mulheres e seria por isso que muitos recorrem à violência. Era uma data comemorativa à Lei Maria da Penha que representa um marco em políticas públicas de combate à violência contra a mulher. Vamos olhar para alguns dados buscando fundamentar o que quero dizer: homens morrem mais do que mulheres, cerca de 75% dos suicídios são de homens; 91,4% dos homicídios são de homens. "E o governo não faz nada..." Faz sim, piora as coisas com pronunciamentos como o do tal ministro.

Sim, homens se matam e homens são assassinados. Mas enquanto 91,4% dos homicídios são de homens, cabe trazer outra variável: homens são assassinados na rua e mulheres em casa. Quem mata homens na rua? Outros homens. Quem mata mulheres em casa? Homens. Homens estão matando e se matando. "Ai mas, nem todo homem é assim, não é mesmo?"

O título deste artigo é inspirado em um poema de Carlos Drummond de Andrade, mas o que fez Drummond escrever pra um tal Carlos (pra si mesmo) um pedido de vida? Não se mate, diz o poema que discorre sobre o que seria uma desilusão amorosa e como "vida que segue" deve ser o lema. O "não se mate, Carlos" ecoa há décadas. Por que homens estão matando a si mesmo, aos seus pares, aos seus desiguais e às mulheres?

A explicação ainda é desconhecida por 75% dos homens brasileiros e é definida pelo termo: masculinidade tóxica. Em 2018, a "palavra do ano" foi masculinidade tóxica. É claro que "nem todo homem", afinal ser homem não é tóxico. Estamos falando de certos modos de ser homem e aí, amigão, todo mundo tem reflexos disso. Não tô falando aqui do clássico "homem não chora", mas também dele. A impossibilidade ou retração em manifestar sentimentos como medo, fraqueza, vulnerabilidade seria porque tudo isso é do universo tido como "feminino" e é preciso ocultar a ameaça de manchar a reputação. Até porque feminino é inferior e ninguém quer ser mulherzinha, né? Não podemos deixar de falar que as questões de raça, de sexualidade e econômicas são muito fortes também e entram na definição de masculinidade tóxica, uma vez que falamos de um perfil de homem tóxico. O patriarcado mata sem dó: mata mulheres e homens negros e pobres, mata as gays, mata as lésbicas, se mata quando não dá conta disso tudo.

Estamos falando aqui de traços como fechamento e competitividade que levam a uma agressividade com tendência à violência e ao uso desmedido da força. Assim, os homens são os que mais se suicidam, mais matam, mais morrem e mais se expõem a situações perigosas. Acontece que tá difícil continuar matando mulheres e sair impune, seja por leis mais rígidas, mas principalmente porque mulheres não estão mais se sujeitando a isso. Aí o tal ministro tem razão que os homens estão se sentindo intimidados. E o que fazer quando não posso matar o feminino corporificado no outro? Mato o feminino em mim. "Carlos, não se mate".

A escritora, Virginia Woolf, escreveu lá por 1930 que "as mulheres, durante séculos, serviram de espelho aos homens por possuírem o poder mágico e delicioso de refletirem uma imagem do homem duas vezes maior que o natural". Acontece que o espelho não quer mais refletir sua valentia, sua virilidade, sua masculinidade. O espelho resolveu olhar pra si. É hora de mudar, Carlos, "você é o grito que ninguém ouviu no teatro e as luzes todas se apagam", como bem disse Drummond. É hora de parar de ter medo de "ser mulherzinha" e virar gente. Acredite, é muito mais agradável que a morte. Mais coragem, homem, cadê aquele Davi contra Golias? Cadê aquele Hércules contra a Hydra de Lerna? Os monstros e gigantes são só as sombras da sua aversão ao feminino. Não se mate, Carlos. Mude.

Setembro Amarelo que é uma campanha brasileira de prevenção ao suicídio, iniciada em 2015. É uma iniciativa do Centro de Valorização da Vida, Conselho Federal de Medicina e Associação Brasileira de Psiquiatria.


Andhressa Sawaris Barboza é jornalista e cientista social com mestrado em Cultura Contemporânea. E-mail: andhressabarboza@gmail.com

  
 
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