Olhar Direto

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Opinião

Agrotóxicos, venenos ou remédios?

Visões políticas e fatos científicos desconexos que podem matar a galinha dos ovos de ouro de Mato Grosso

O debate em torno dos agrotóxicos é um dos mais sensíveis e complexos, como o próprio título deste artigo. Talvez o tema ganhe esta magnitude pelas excessivas manifestações políticas, que em alguns casos chega ao viés ideológico se revestindo de conhecimentos científicos que ainda não demonstram indubitavelmente a correlação de causa e efeito, especialmente nos trópicos. Por conta desta complexidade, manifestar uma opinião conexa, que contemple aspectos científicos, políticos, econômicos e ambientais é, praticamente, impossível. Ainda assim, arrisco-me numa reflexão neste incêndio que há muito tempo queima em nosso estado.

Primeiramente, considero que se buscamos interferir e propor soluções neste tema vital para Mato Grosso e o Brasil, devemos nos apoiar na ciência e em fatos muito bem comprovados. Nenhum ator público deve se guiar e tomar decisões baseadas em dados que não sejam (re)produzidos, (re)validados e fortemente (re)comprovados no ambiente que se estuda e se aplica, seguindo metodologias de estudos primários e secundários. Logo, aponto a principal reflexão deste artigo: Devemos proibir o uso do herbicida glifosato no estado de Mato Grosso baseados, principalmente, em dados e fatos apontados nos Estados Unidos da América e na Europa? A ciência deverá ser a resposta para suportar tal decisão. A ciência é universal. Ela é a detentora do saber.

Imagine você leitor, uma conversa entre um médico e um químico sobre aquilo quê muitos chamam de pesticidas (o sufixo cida vem do latim caedere e significa matar) e o químico conhece como agroquímicos, ou seja, produtos químicos usados na agricultura. Em sua acalorada defesa o médico sustenta que as substâncias presentes nesses produtos são tóxicas, contaminam os rios, os peixes, os alimentos, os seres humanos, que são demônios que causarão câncer e, portanto, defende que os pesticidas devem ser banidos da face da terra. Ao final da discussão, para relaxar, eles acendem um cigarro. Existe contradição maior do que essa?

Infelizmente é fato que muitas substâncias químicas tóxicas e cancerígenas estão presentes no nosso dia-a-dia. No cigarro, por exemplo, estima-se que são mais de 4700 substâncias tóxicas, sendo pelo menos 70 delas carcinogênicas. Não existe produto de consumo com potencial químico maléfico tão assustador. Em função dos malefícios, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) obriga que os fabricantes exibam fortes imagens e mensagens de advertência nos rótulos de cigarros e outros produtos de tabaco, como algumas aqui reproduzidas.
   
Outra situação cotidiana pode ser percebida por qualquer um de nós ao abastecer um veículo automotor. Olhe na bomba de combustível e você verá um aviso obrigatório com os dizeres: “A GASOLINA CONTÉM BENZENO, SUBSTÂNCIA CANCERÍGENA. RISCO À SAÚDE”. Em função da exposição ocupacional ao Benzeno em Postos Revendedores de Combustíveis, o Ministério do Trabalho obriga afixar o aviso.
O cigarro e a gasolina podem ser considerados modelos universais. Isto é, a gasolina ou o cigarro no município de Sorriso, no norte de Mato Grosso, conhecido como a Capital Nacional do Agronegócio, terão o mesmo efeito que nos Estados Unidos, na França ou na China. Por outro lado, com os agroquímicos não é assim. Sua dinâmica é fortemente afetada pelo clima, condições meteorológicas, solo, interações químicas com outras substâncias, formas e doses de aplicação, dentre outras variáveis.

Falando em doses de aplicação, na ciência existe uma frase que já se tornou praticamente um enunciado: “A diferença entre remédio e veneno é a dose”. Embora esse “enunciado” se pareça quase como um desses ditados populares, este é regra na maioria dos estudos de moléculas químicas ou bioquímicas usados para controle da vida na terra. Nos cinco reinos do mundo vivo, as substâncias químicas são imprescindíveis, são a origem e fim de toda matéria. Porém, se vão desempenhar a função de remédio ou veneno depende se o objetivo é produzir ou destruir membros destes reinos. Por exemplo, se queremos garantir alimentos suficientes para a manutenção de espécies do reino Animalia (humanos, animais, entre outros), empregam-se moléculas (químicas ou bioquímicas) que ajudam a preservar e cultivar outras espécies de outros reinos ou do mesmo reino. Ocorre que todos os reinos vivos se conectam e formam um ecossistema complexo. Encontrar um equilíbrio neste processo é um enorme desafio. Devemos buscá-lo, incansavelmente, para garantir a sustentabilidade da vida no planeta terra.

No caso dos benefícios e malefícios dos agroquímicos na produção de alimentos, essa busca só terá sucesso se houver conexões e colaborações duradouras para produzir dados robustos e sólidos conhecimentos sobre o uso dos agroquímicos e suas consequências para o meio ambiente como um todo, considerando as diferentes características locais e suas interconexões.

Um exemplo de estudo no nosso estado refere-se à identificação da presença de agrotóxicos no leite de lactantes residentes no município de Lucas do Rio Verde, no ano de 2011. Passados oito anos, o que foi feito cientificamente para demonstrar uma relação de causa e efeito? Foram detectadas novas contaminações? A contaminação é recorrente? Ela difere significativamente quando se usa diferentes formas de pulverização? As moléculas contaminantes se acumularam nas lactantes? Quais os efeitos na saúde das lactantes? As crianças desenvolveram alguma doença diretamente relacionada à amamentação pelo leite contaminado? Enfim, sobram mais perguntas do quê respostas. Assim é a produção de conhecimento pela humanidade. Ao encontrarmos uma evidência para uma hipótese é comum (desejável) que se abra a possibilidade de novos questionamentos. Isso é o que nos moverá para um futuro melhor.

Embora esteja distante da minha formação acadêmico-científica, como cidadão é preciso reconhecer algumas atuações políticas que interferem na correta avaliação dos cenários. Recentemente, os dados do uso per capta de agrotóxicos no Brasil foram amplamente divulgados, destacando que o Estado de Mato Grosso é o primeiro neste ranking. Este é um exemplo de uso político de dados técnicos, quando não evidencia o fato de que somos um estado demograficamente pequeno, ocupando a 25˚ posição no ranking de densidade demográfica do Brasil, com apenas 3,36 habitantes/km2. Ao mesmo tempo o estado de Mato Grosso é a locomotiva do agronegócio do país. Ora, para qualquer profissional imbuído de propósitos técnico-científicos o uso per capta de agroquímicos no estado será muito acima das demais Unidades Federativas.

Lembro também, que um embate político recente resultou na manutenção da cobrança de impostos sobre comercialização de remédios e isenção sobre os agroquímicos, amplamente divulgada na tramitação e aprovação do PLC 53/2019, enviado pelo poder executivo à Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Não seria o caso de os Deputados também terem defendido e aprovado a isenção dos impostos sobre os remédios? Outro momento político ocorreu no início deste ano quando foi aprovado o novo Fethab (Fundo Estadual de Transporte e Habitação), com aumento da taxação da produção agrícola. 

Entretanto nestes dois momentos políticos o interesse não foi preservar a saúde das pessoas e evitar os riscos que a atividade agrícola oferece ao ambiente. Não se cogitou qualquer política público-privada voltada para a produção de conhecimento científico sólido, de longo prazo, que possa definitivamente estabelecer as relações de causa e efeito do uso e manuseio dos agroquímicos nas regiões do Cerrado, Pantanal e Amazônia. Esses são os nossos biomas, não estão na Europa ou Estados Unidos da América. Portanto, pode ser que os resultados aqui sejam diferentes, desprezíveis ou mais catastróficos, do quê no hemisfério norte. Só a ciência de qualidade poderá dar essa resposta.

No cenário atual, seguirmos na cruzada contra os agrotóxicos, diante da escassez de dados científicos locais e fidedignos, significa matar a galinha dos ovos de ouro do Estado de Mato Grosso. Antes de corrermos esse risco, vamos buscar uma resposta definitiva, definir processos seguros de uso e manuseio, pesquisar e desenvolver novas alternativas tecnológicas. Só precisamos tomar a decisão, ter ousadia e conectar pessoas formando uma força tarefa contra a falta de conhecimento de um tema tão importante para o meio ambiente, para a saúde das pessoas e vital para o financiamento do Estado. Independentemente do que se encontrará é preciso que façamos aqui, com união dos poderes públicos, do setor produtivo e da academia mato-grossense. Basta definição e, principalmente que os poderes executivo, legislativo e judiciário assumam a responsabilidade e disponibilizem uma fração dos seus orçamentos e duodécimos e que o setor produtivo reverta uma pequena parte de seus lucros. Juntos temos competência para esse desafio. 

Nesta semana a Assembleia Legislativa deve começar a votar o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentária (PLDO/580-2019), para o exercício 2020. Veremos se este assunto será pautado?

Depois de tudo, se os agentes públicos ainda assim desejarem banir alguma coisa eu sugiro que comecemos pelo cigarro e pela gasolina.

Ah!! Já imagino que os ideólogos de plantão vão justificar que cigarro e gasolina não são alimentos. Então, encerro esta reflexão e, lembro que a ciência já comprovou que a contaminação não se dá só por ingestão, mas também ocorre por inalação e contato.

Professor Ailton J. Terezo, 
Doutor em Química de Materiais - UFMT
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