Olhar Direto

Quinta-feira, 28 de março de 2024

Opinião

A recuperação judicial do empresário rural

O ministro  Marco Aurélio Bellizze deferiu, em 19.2.2019, “pedido de tutela provisória nº 1.920-MT” e concedeu tutela de urgência para que a recuperação judicial de produtor rural submeta não só os débitos contraídos após o registro do produtor rural na Junta Comercial, na forma do art. 971  do Código Civil, como também para submeter todo  e qualquer débito  independente da data de sua constituição.  Esta decisão está a indicar o caminho da perfeita solução de uma pungente questão que vem atormentando o agronegócio.  Claro, a decisão é liminar mas indicativa de que os argumentos do produtor rural impressionaram o Ministro, segundo o qual “...verifica-se, na hipótese dos autos, que a pretensão recursal mostra-se razoavelmente controvertida e suficientemente plausível, a fim de revelar presente a fumaça do bom direito”.

É curioso que a recuperação no agronegócio vem sofrendo resistências, que aos poucos, felizmente, vão sendo afastadas. O primeiro óbice consistia no entendimento segundo o qual o produtor rural não empresário (e que se torna empresário por simples manifestação de vontade na forma do art. 971 do CC), só poderia pedir recuperação se estivesse inscrito  na Junta Comercial há mais de 2 anos, exigência do art. 48, I, da Lei 11.101/2005, a LREF. Este óbice já foi afastado, pois o que a lei exige no referido art. 48 é o exercício de dois anos de regular atividade e não, dois anos de inscrição na Junta Comercial. Este óbice surgiu porque houve uma certa confusão com a lei anterior, o  Decreto-Lei 7.661/1945, que exigia, em seu  art.158, a prova de “exercer regularmente o comércio há mais de dois anos”, enquanto a lei atual exige “exercer regularmente suas atividades”. O produtor rural não inscrito na Junta, por óbvio, exerce regularmente suas atividades e pode pedir recuperação com inscrição inferior a 2 anos. Neste sentido: AI 2.037.064-59.2013.8.26.0000 – TJSP;  AI – CV nº 1.0000.17.026108-5/001 – TJMG; AI 2.048.349-10.2017.8.26.0000 – TJSP; AI 2.251.128-51.2017.8.26.0000 – TJSP; ARESP 896.041 – STJ – (decisão monocrática do Min. Marco Aurélio Bellizzze) – j. em 12.5.2016; REsp 1.478.001 – STJ – Rel. Min. Raul Araújo; REsp 1.193.115-MT- Rel. Min. Sidnei Beneti – (Este julgado não exige o exercício por dois anos após a inscrição, exige apenas que a inscrição seja anterior ao ajuizamento do pedido de recuperação).

Adotado tal entendimento e admitida a recuperação judicial  para empresário rural registrado há menos de dois anos, outro óbice surgiu pois entendeu-se que não estavam submetidos à recuperação os débitos  constituídos anteriormente à inscrição do produtor na Junta Comercial. O fundamento de tal corrente era o fato de não poder admitir-se que o credor fosse surpreendido  com a nova condição do devedor, ou seja: o banco havia emprestado a uma pessoa física (que não poderia pedir recuperação judicial) e agora via-se envolvido em uma recuperação. No entanto, e sempre mantido o respeito à corrente contrária, tal argumento não parece que possa se sustentar. Ninguém pode alegar desconhecimento da lei e o Código Civil, de 2002, em seu art. 971, criou uma situação absolutamente nova, ou seja, admitiu que o produtor rural, por simples manifestação de vontade unilateral, passasse à condição de empresário “...caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro”. Ora, o empresário que está sujeito a registro na forma do art. 967 pode pedir recuperação judicial e sujeitar à recuperação todos os seus credores, razão pela qual  o empresário constituído na forma do art. 971  também tem este direito.  Por outro lado, por conhecer o art. 971 do CC., qualquer pessoa ou, qualquer instituição financeira sabe que aquele produtor rural pode tornar-se, de um momento para outro e por manifestação unilateral de vontade, um empresário  equiparado “...para todos os efeitos...” a qualquer outro empresário que se constituiu na forma do art. 967. Portanto, não se pode falar em surpresa.

Outro argumento da corrente que adotou o óbice afirma que o registro na Junta Comercial é constitutivo e não declaratório, argumento que parece de certa forma, irrelevante. De qualquer maneira, o registro não é constitutivo, é declaratório. Imagine-se se um dentista, trabalhando sozinho em seu consultório, registra sua Eireli na Junta Comercial, por engano; claro que não se transformará em empresário. Por outro lado, se um comerciante individual de frutas inscreve-se no Registro Civil, nem por isso deixa de ser empresário, será empresário irregular.  Ou seja, a inscrição na Junta Comercial ou no Registro Civil  não constitui, apenas declara. A propósito, no REsp 1.193.115-MT, a Min. Nancy Andrighi, obter dictum afirma: “Ainda que a lei exija do empresário, como regra, inscrição no Registro de Empresas, convém ressaltar que sua qualidade jurídica não é conferida pelo registro, mas sim pelo efetivo exercício da atividade profissional. Não por outro motivo, entende-se que a natureza jurídica desse registro é declaratória, e não constitutiva”.

Um exame do sistema geral adotado no Código Civil, que afastou o ato de comércio e adotou a teoria da empresa, também leva ao mesmo resultado, questão porém cuja discussão tomaria um espaço que a exiguidade do espaço jornalístico não  permite.

Manoel Justino Bezerra Filho é professor do Mackenzie e da Escola Paulista de Magistratura e consultor jurídico na área empresarial
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