Eu até tento ver algum sentido em frases motivacionais que circulam na véspera do Dia Internacional da Mulher. Mas seria preciso fechar os olhos para Joana Rodrigues, Laiany Almeida, uma outra mulher que não teve o nome divulgado, e tantas outras que sequer tomamos conhecimento sobre a violência que sofrem. Destaquei estas porque são casos recentes ocorridos em Mato Grosso, e porque envolvem uma crueldade assustadora.

Joana, 45 anos, foi morta a facadas no final de fevereiro, em Paranatinga, pelo então marido, José Rodrigues de Oliveira, 42 anos, que confessou o crime. Não bastasse a dor da perda, a família ainda precisou vir a público desmentir a "justificativa" dada por ele em depoimento: um amante. Não bastasse o intragável gosto da impunidade – ele foi liberado pela polícia por ter se apresentado espontaneamente – os familiares tiveram que explicar que isso não procede, que a investigação e a perícia não apontaram vestígio de que teria outra pessoa no quarto no momento do crime.

Eu sinto muito, muito mesmo, pela dor da família, sinto muito que tenham precisado dar este tipo de declaração tentando preservar a memória de Joana. Sinto pelo que devem ter ouvido a respeito dela, a vítima, que não bastou ser morta, foi ainda chamada de adúltera. Mais que isso, apontada como merecedora da morte por uma traição que, insisto, a família desmentiu. Se isso não te causa ânsia, indignação ou raiva, procure ajuda psicológica, quem sabe ainda dê tempo.

Eu me pergunto até quando seremos punidas por esse modelo patriarcal ridículo que, principalmente neste caso, tem raízes na colonização. O Brasil foi regido, desde então, até 1916, pelas Ordenações Filipinas (Código Filipino), compostas por leis compiladas em Livros por ordem de D. Felipe I (Portugal). Eram isentos de pena aqueles que ferissem as mulheres com pau ou pedra, bem como aqueles que castigassem "suas" mulheres, desde que moderadamente.

Os homens tinham também o direito de matar "suas" mulheres quando encontradas em adultério; bastava que houvesse rumores públicos (RODRIGUES, Maria Alice. A mulher no espaço privado: da incapacidade à igualdade de direitos. Rio de Janeiro: Renovar, 2003). Somente 350 anos depois, em 1830, o Código Criminal afastou parte dessas normas, incluindo a morte por adultério.

Porém, a traição cometida pela mulher casada seria crime em qualquer circunstância, enquanto para o homem casado, apenas se o relacionamento adulterino fosse estável e público. Voltamos ao Brasil Império ou nunca saímos dele? Joana foi morta e teve a imagem denegrida para lavar a honra de José. Que honra? Que droga de honra?

Laiany Almeida, de Peixoto de Azevedo, tinha apenas 18 anos de idade, mesmo número de facadas que recebeu do ex-marido de 23 anos, Odir Santos. Mais um que não aceitou o fim do relacionamento. Na noite do crime, a vítima não atendeu sua ligação e, descontente por ser ignorado, matou-a. Não satisfeito, avisou a família dela, com as mãos sujas de sangue e fugiu.

No dia 02 de março, em Canarana, Lucas da Silva, 27 anos, atirou na cabeça dos dois filhos, de três e seis anos de idade, e se matou em seguida. Estava inconformado com a separação e com o fato de ter sido preso após denúncia de agressão da ex-companheira. Quando saiu da prisão, avisou que se vingaria. A menina de três anos não resistiu, o menino de seis ainda está internado.

O caso já é cruel e assustador só com este resumo. Mas aí eu decidi ler os comentários da matéria em um dos sites de Cuiabá. Um deles questionava porquê as crianças estavam com a avó quando o pai foi busca-las com a desculpa de que queria dormir com elas. A mãe estava em outra cidade. A mulher, que sofreu violência doméstica, ameaças por parte do agressor, e a dor de perder uma filha e ver o outro hospitalizado, foi chamada de irresponsável.

Mulheres mortas e cruelmente punidas todos os dias pelo machismo. Feliz Dia da Mulher pra quem?


Nara Assis é jornalista e servidora pública estadual