Olhar Direto

Sexta-feira, 29 de março de 2024

Opinião

Entregar os anéis

A decisão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), tomada na última sexta-feira (11/05), de acatar liminar para suspender o pagamento de uma gratificação estabelecida pela Procuradoria Geral de Justiça de Mato Grosso veio atender a um anseio popular.

De fato era um despropósito o pagamento deste tipo benefício a categorias que têm gratificações desta natureza, sobretudo num momento como este de pandemia e concentração de esforços no enfrentamento do vírus. A estimativa feita era que o referido benefício alcançaria R$ 9,6 milhões de reais em um ano.

Mas quero destacar um outro aspecto nessa história. É bem notório que os órgãos de controle, de forma geral, têm perdido freios nesta matéria remuneratória. Isto fica bem evidente quando o assunto são as famosas verbas indenizatórias, tão condenadas por eles no Poder Legislativo.

Porém a mudança acabou vindo de dentro da corporação, a despeito de todas as pressões oriundas da sociedade civil, canalizadas pela imprensa e mídias sociais. O CNMP é um órgão de controle administrativo externo do Ministério Público, a exemplo de Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em relação ao Poder Judiciário. Mas é composto, na sua maioria, por membros do próprio Ministério Público, nas suas várias ramificações.

De acordo com o site deles, dos 14 membros atuais 8 são representantes de alguma instância do MP, com o restante cabendo ao STJ, STF, Câmara dos Deputados, Senado Federal e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Quer dizer, é uma ferramenta de autocontrole, ainda que externa aos seus jurisdicionados. Logo, qualquer decisão sua na verdade se trata de uma autorreforma ou autorregulação.

Neste caso ficou bem notório que a decisão de suspender visa “entregar os anéis para preservar os dedos”. As carreiras do Ministério Público em todos os níveis já possuem uma boa remuneração e gratificações, além da excelente infraestrutura física e tecnológica que lhes atende. Aumentar isto num momento de pandemia significa chamar muito a atenção de todos para esta situação.

Isto numa conjuntura em que se discute corte de salários de servidores públicos, congelamento de reajustes e enxugamento dos benefícios já existentes, especialmente aqueles que excedem o teto constitucional de remuneração. Estes valores ultrapassam a casa de R$ 2 bilhões em todo o país.

Portanto, a meu ver, essa decisão visou retirar o foco do Ministério Público nesse período. Em particular quando muitos trabalhadores estão em regime de home office e quando há uma vigilância redobrada por gastos governamentais. Poderia ser passado um “pente-fino” nos benefícios já existentes e prejudicar a sua continuidade.

Atende, portanto, a um interesse da própria corporação em não se expor demais diante da opinião pública e dos demais poderes. Só reforça este diagnóstico de insulamento burocrático excessivo que eles vêm apresentando. Ele trouxe ganhos inegáveis na profissionalização da gestão destes órgãos e na missão constitucional também, mas com efeitos colaterais danosos.

Dito de outra forma: só eles conseguiram se regular. Porque feriu os interesses da corporação como um todo, como já apontei. Acabaram se imunizando contra qualquer outro tipo de controle. Isto é danoso para a democracia, já que produz um tipo de poder absoluto, sem qualquer forma de contestação. É lamentável que não tenhamos visto grandes reações nos outros poderes. Temos uma elite política sub judice hoje, que acaba ficando com medo de se expor diante de situações como essa.

Isto não exclui, porém, o controle social. Que permaneça sempre atento e vigilante para situações como essas e consiga furar essa barreira do insulamento burocrático. E ao Ministério Público recomendo que compreenda melhor a sociedade que temos. O mundo mudou afinal.



Vinicius de Carvalho é gestor governamental, analista político e professor universitário.
xLuck.bet - Emoção é o nosso jogo!
Sitevip Internet