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Quarta-feira, 24 de abril de 2024

Opinião

Defensoria Pública. Por que não a conhecer, antes de falar?

A Defensoria Pública é uma instituição jovem se comparada às demais instituições públicas do Brasil. Afinal, ela foi formalmente criada na Constituição de 1988 e só foi instalada em Mato Grosso no ano de 1999.

Talvez por isso, muitas pessoas que jamais precisaram se socorrer dos serviços da instituição não a conhecem de fato, o que as leva a, vez por outra, terem um entendimento distorcido sobre o que é a Defensoria Pública.

Para se ter uma noção inicial sobre sua importância, vou me valer de algumas informações e assertivas extraídas de instituições ou pessoas “de fora” da instituição e, por isso, completamente isentas em suas manifestações:

A Defensoria Pública é considerada a segunda instituição pública mais importante do Brasil, ficando atrás apenas das forças armadas, segundo pesquisa realizada pelo Conselho Nacional do Ministério Público no ano de 2017.

A Defensoria Pública é a instituição mais confiável e mais bem avaliada do sistema jurídico nacional, segundo pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas no ano de 2019.

A Defensoria Pública é a maior instituição criada pela Constituição de 1988, segundo afirmou o ministro Reynaldo Fonseca, durante recente julgamento do caso Marielle, no Superior Tribunal de Justiça.

O renomado professor de direito Celso Antônio Bandeira de Mello afirmou que não há nada mais nobre que a Defensoria Pública (...). “É a coisa mais linda que alguém pode fazer na vida. Se me voltassem os anos, eu seria um defensor público”.

Mas, para além de argumentos retóricos como esses, que poderiam ser citados aos montes, a importância da Defensoria Pública também pode ser demonstrada em números, como os seguintes:

A Defensoria Pública tem maior taxa de sucesso que os advogados particulares quando recorre ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra decisões de instâncias inferiores (Folha de São Paulo, 06.11.2019).

Defensoria Pública é responsável por quase metade dos recursos apresentados em instâncias superiores (Época, 29.10.2019).

A Defensoria Pública de Mato Grosso atendeu, em 2019, cerca de 250 mil pessoas em seus núcleos de atendimento, segundo dados da Corregedoria-Geral do órgão.

A Defensoria Pública de Mato Grosso realizou, em 2019, mais de 500 mil atividades jurídicas em defesa da população vulnerável do Estado, segundo dados da Corregedoria-Geral do órgão.

Desde o início da pandemia do coronavírus, em março deste ano, a Defensoria Pública já realizou mais de 65 mil atividades jurídicas em favor da população, mesmo mantendo medidas de distanciamento e prevenção ao contágio.

Pois bem!

A Defensoria Pública é a instituição criada pela Constituição Federal para disponibilizar ao cidadão o mais básico de todos os direitos: o direito a ter direitos.

De nada adiantaria a nossa carta magna ter estabelecido os diversos direitos e garantias, individuais e sociais, que lá estão relacionados, se a população não tivesse um instrumento para fazer valer esses direitos quando eles lhes fossem negados.

Para a pequena parcela da população que pode pagar um advogado privado para defender os seus direitos (essa mesma parcela que, em grande parte, desconhece a Defensoria Pública), não haveria problema nenhum. Mas, para a maior parte da população brasileira, a Constituição só tem sentido e significância porque existe a Defensoria Pública.

Com a Defensoria, a população não precisa mais pedir, implorar, suplicar. Ela pode exigir os seus direitos, contra quem quer que esteja se contrapondo a eles, pessoa física ou jurídica, entidade privada ou ente público.

Portanto, é a Defensoria Pública quem faz valer, para a maior parte da população brasileira, tudo aquilo que lhe é assegurado na Constituição e nas leis.

E, sendo assim, resta-nos indagar: Por que, até hoje, passados 21 anos desde que a Defensoria foi instalada em Mato Grosso, ela não consegue apoio estatal para preencher todos os cargos existentes? Por que, por falta de recursos suficientes, ela continua sendo um direito sonegado a grande parte da população mato-grossense? Por que, de tempos em tempos, surgem pessoas ou entidades tentando menosprezar a importância da Defensoria? Enfim, a quem interessa o enfraquecimento da Defensoria Pública?

A Defensoria Pública de Mato Grosso é uma instituição aberta e transparente, e basta uma simples análise em seus números e uma rápida comparação com outras instituições para não restar dúvidas de que ela é o órgão que mais precisa de investimento estatal.

Para termos um parâmetro concreto, tomemos como exemplo aquela outra instituição pública que, em muitos aspectos, mas, sobretudo, em relação à estrutura administrativa, é muito semelhante à Defensoria. Refiro-me ao Ministério Público.

Vejamos.

Os locais onde a Defensoria e o Ministério Público devem atender são basicamente os mesmos. Onde há uma unidade do poder judiciário deve haver uma unidade da Defensoria e uma do Ministério Público.

O trabalho exercido pelos membros da Defensoria e pelos membros do Ministério Público é basicamente o mesmo, apenas com algumas especificidades e lados opostos na maioria dos processos judiciais. Mas fazem praticamente a mesma coisa. Tanto assim que, em países como a Argentina ambas as instituições são chamadas pelo mesmo nome (Ministerios Publicos – de Fiscalia e de la Defensa), e em outros como os Estados Unidos os profissionais que atuam nas duas instituições são identificados da mesma maneira (attorneys).

O custo com a folha de pagamento, em tese, deveria ser o mesmo, já que a remuneração dos membros de ambas as instituições são semelhantes e estão delimitadas pelo teto constitucional e, ademais, por precisarem atuar nos mesmos locais fazendo trabalho semelhante, a quantidade de servidores auxiliares, em tese, deveria ser a mesma.

O custo de manutenção da estrutura de funcionamento, da mesma forma, deveria ser o mesmo, pois ambas a instituições precisam ter prédios nas mesmas localidades e de tamanhos compatíveis, para abrigar o mesmo número de servidores.

Portanto, não há nenhuma razão que justifique haver diferença entre o tamanho das despesas para manutenção das duas instituições. Muito menos para haver uma diferença tão gritante quanto a que, de fato, há.

Vamos, então, à comparação entre os valores disponibilizados, pelo Estado, a cada um dos órgãos para fazer frente à suas despesas.

O Ministério Público teve disponibilizado para se manter funcionando em todo o Estado de Mato Grosso a importância de 492 milhões de reais, em 2020.

A Defensoria, também para atender a todo o Estado de Mato Grosso, teve disponibilizada a importância de 147 milhões de reais, em 2020.

Como já dito, ambas as instituições possuem as mesmas necessidades, as mesmas despesas. Mas o orçamento do Ministério Público é mais que o triplo que o da Defensoria.

Ora! Se o Ministério Público precisa de 492 milhões de reais para conseguir atender a todas as comarcas do estado, como alguém pode esperar que a Defensoria, com menos de um terço desse valor, consiga também atender ao estado inteiro?

Isso não faz nenhum sentido. Por qualquer ângulo que se analise, fica claro e indene de dúvidas que é impossível para a Defensoria Pública conseguir chegar a todos os lugares em que o Ministério Público já chegou com tamanha diferença de orçamento. É questão puramente matemática.

Veja: não se espera que a Defensoria Pública, de uma hora para outra, tenha um salto orçamentário enorme e iguale o seu orçamento ao do Ministério Público, que já existe há muito mais tempo. Sabemos que isso só poderá ser feito de maneira gradual.

O que se espera é que, enquanto essa igualdade orçamentária não for alcançada, não se exija que a Defensoria consiga chegar a todos os lugares em que o Ministério Público já chegou. Nós trabalhamos muito, e fazemos muito. Mas não fazemos milagres.

Por tudo isso, causa enorme estranheza e, até, certa indignação, quando, de tempos em tempos, justamente quando o assunto em pauta é a divisão orçamentária entre todos os órgãos do Estado, surge alguém ou alguma instituição insinuando, na mídia em geral, que a Defensoria Pública só atende os grandes centros, que algumas comarcas possuem número desproporcional de Defensores, que o problema não é falta de dinheiro, ou que um único Defensor poderia atender a 3, 4 ou até 5 locais ao mesmo tempo. Sim, já se falou esse absurdo.

O problema é que, para aquelas pessoas indicadas no início deste texto, aquelas que não conhecem, de fato, o trabalho da Defensoria Pública, essas mentiras várias vezes repetidas podem, às vezes, passar por verdades. E, aí, criam-se entendimentos distorcidos sobre essa tão importante e essencial instituição. Se alguém só conhece o trabalho que os Defensores e Defensoras realizam dentro das salas de audiências dos fóruns, e nada mais, esse alguém pouco sabe sobre o que Defensoria Pública. Estar na sala de audiências é somente uma pequena parte de todas as nossas obrigações para com a população.

O que nos ameniza é que, basta a pessoa interessada em conhecer a instituição buscar informações na fonte, isto é, ir até qualquer um dos diversos núcleos de atendimento da Defensoria, conversar com as milhares de pessoas que são atendidas diariamente pela instituição ou com as diversas organizações sociais com as quais a Defensoria interage diariamente na defesa dos direitos dos cidadãos, para que se entenda, de maneira concreta, o que é a Defensoria Pública.

Não tem erro. É conhecer a instituição, in loco, para se tornar um defensor dela. Só não reconhece a sua importância e as suas necessidades aqueles que não a conhecem.

Então, fica o convite para todos os que sentem a necessidade de se manifestar publicamente sobre a Defensoria Pública. Venha nos conhecer, antes de se pronunciar. Somos a instituição mais aberta e transparente que existe. Estamos à disposição para discutir qualquer assunto de interesse público. E, para aqueles que quiserem conhecer a instituição, estamos dispostos a ouvir sugestões e acatá-las, se forem fundamentadas e, sobretudo, forem benéficas à população.

Mas, para quem é avesso ao contato com o povo, sobretudo com as pessoas mais pobres; para quem nunca conviveu com pessoas que vivem nos lixões; para quem nunca interagiu com pessoas que moram nas ruas; para quem nunca esteve perambulando de madrugada acompanhando famílias de pessoas moribundas tentando conseguir um leito de hospital para salvar a vida de um pai, de uma mãe, de um filho, ou de uma filha; para quem nunca chorou junto de uma mãe pela morte de seu filhinho, que morreu não pela doença, mas por ser pobre; para quem nunca entrou dentro de um presídio para procurar pessoas que não deveriam estar lá, e que só lá estão por serem pobres; para quem, enfim, só conhece pobreza em teoria; para essas pessoas nós pedimos: não fale sobre o que não conhece. Não fale sobre Defensoria Pública.




Clodoaldo Queiroz Defensor Público-Geral do Estado de Mato Grosso
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