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Sexta-feira, 29 de março de 2024

Opinião

Considerações sobre as novas medidas para reabilitação na Administração Pública Federal

Autor: Juliana Zafino Isidoro Ferreira Mendes

17 Jun 2020 - 08:00

A lei geral de licitações e contratos prevê pela inexecução total ou parcial do contrato a aplicação de sanções, tais como advertência, multa, suspensão temporária de participação em licitação e declaração de inidoneidade, para licitar ou contratar com a Administração Pública. A declaração de inidoneidade sobrepõe-se enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade.

No último 8 de junho, a Controladoria Geral da União, no uso de suas atribuições para expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos, conferidos pelo art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constituição, regulamentou os requisitos e o procedimento de reabilitação, após o cumprimento de sanção de declaração de inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública, que tratam especificamente o inciso IV e o § 3º, do art. 87, da Lei nº 8.666/93.

A Portaria nº 1214/2020 prevê que a pessoa física ou jurídica declarada inidônea para licitar ou contratar com a Administração Pública por ato do Ministro de Estado da CGU poderá requerer a sua reabilitação perante a mesma autoridade, observados os requisitos e o procedimento por ela fixados.




O pedido de reabilitação será processado pela Corregedoria-Geral da União - CRG, que adotará as providências necessárias para a sua instrução, através da Diretoria de Responsabilização de Entes Privados, a DIREP. Os requisitos para a concessão da reabilitação são cumulativos e estruturados em três pilares: do tempo, do ressarcimento e da superação dos motivos determinantes da punição.

No que pese ao tempo, a reabilitação não será concedida antes do transcurso do prazo de dois anos sem licitar ou contratar com a Administração Pública. Este lapso terá início na data da publicação do ato que aplicou a sanção de declaração de inidoneidade. Havendo prejuízos decorrentes dos atos que motivaram a aplicação da sanção, apontados pela Administração Pública, deve-se comprovar também o ressarcimento integral. Por último, os motivos determinantes da punição precisam ter sido superados e isto não será demonstrado apenas por simples declaração. A Portaria traz a obrigação de implementação e aplicação de programa de integridade, instituído de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo art. 42, do Decreto nº 8.420/2015, que regulamenta a lei anticorrupção. Para fins de comprovação, serão adotadas as definições e a metodologia constantes da Portaria CGU nº 909/2015, que dispõe sobre a avaliação de programas de integridade de pessoas jurídicas.

O que percebemos é que não bastará aguardar o período de impedimento sem licitar ou demonstrar que os motivos determinantes da punição não existem mais. O fato é que uma empresa que contrata basicamente com a Administração Pública costuma sofrer um grande impacto com o impedimento de participar das licitações e contratar com a Administração. A maioria delas sequer consegue superar, fechando suas portas, demitindo o seu pessoal e sucumbindo em diversas ações trabalhistas e fiscais. Talvez por esses motivos, os programas de integridade e compliance são recebidos à luz de paradigmas como engessamento das atividades e aumento de custo. O fato é que a grande maioria das pequenas e médias empresas neste país e que contratam com o poder público, não possuem programas de integridade e, verdadeiramente, não acreditam nisso. Todavia, o PL 1292/95 que revogará a atual lei de licitações (8.666/93) e criará um marco legal, substituindo a Lei do Pregão e Regime Diferenciado de Contratações – RDC, traz em seu bojo um novo modelo de gestão, estribado em pilares como o combate à corrupção através da prevenção e aumento na transparência, o que será cobrado de todos que com o poder público contratarem. Também já existem algumas leis estaduais e municipais que já exigem o programa de integridade como requisito para a contratação, ou seja, o caminho é sem volta.

A inidoneidade não é declarada apenas nos casos de fraudes ou de atos moralmente incorretos, mas também nos casos em que comprovadamente foi constatado que a empresa não possuía condições desejáveis para desenvolvimento do serviço prestado.

A opinião que adotamos sobre nós mesmos e, por consequência, difundimos à nossa empresa afeta diretamente na maneira pela qual levaremos nossa vida e conduziremos os passos do nosso negócio. Acreditar que a forma de agir deve ser a mesma, sem possibilidades de efetivas mudanças, por possuir qualidades imutáveis, sem análise crítica, pode ser um grande risco. Devemos buscar sentido em nossas crenças, pois elas guiarão o nosso destino e o destino do nosso negócio.

Afastando o paradigma de aumento nos custos, analisemos os pontos positivos dessa medida da CGU e que somente regulamenta o que as leis e decretos já estão trazendo. Afinal, passamos por uma expressiva transição de valores, na qual o cliente é muito mais exigente, não aceita ineficiência e muito menos corrupção. Fixemos a premissa de que o nosso cliente é a coletividade, representada pela Administração Pública. A dimensão aumenta consideravelmente e o gasto com a qualidade e eficiência pode ser encarada como investimento e não como custo.

A Administração Pública conta com pelo menos três tipos de fiscalização: a interna, que fiscaliza seus contratos e a entrega dos produtos adquiridos ou a execução dos serviços; a externa, exercida pelo Tribunal de Contas; e a do povo, que está mais exigente, tem nas redes sociais verdadeiros tribunais, com processamento, julgamento e aplicação de pena em tempo recorde. Não podemos esquecer da accountability, que poderá ser exercida de forma horizontal, entre poderes do mesmo nível, como instituições da esfera pública dentro dos três poderes, por meio da qual um fiscaliza o outro, como partidos políticos de oposição, órgãos de controladoria e instituições supranacionais; e de forma vertical, realizada em instância de poderes diferentes.

Deste modo, a reputação da empresa que contrata com o poder público precisa ser no mínimo boa, já que são muitos os fiscais. Assim, a reabilitação mediante comprovação de implementação do programa de integridade tem a finalidade de contribuir para que a empresa tenha desenvolvido normas internas que garantam que seus colaboradores, gestores e até mesmo seus fornecedores não incorram em atos que firam esta reputação.

Um programa de integridade não deve ser meramente formal, pois certamente se mostrará ineficaz para mitigar o risco de ocorrência de atos lesivos da lei anticorrupção. Não é possível obter êxito com o desenvolvimento às pressas de um código de conduta ou instituição de um canal de denúncia, é preciso demonstrar que a cultura de integridade está sendo efetivamente apoiada, difundida e aplicada.

Outra questão que devemos buscar sentido é na do engessamento. Cumprir regras não é estar engessado, mas saber por onde caminhar com segurança. Trabalhar em uma empresa correta, que cumpre todas as regras e que expõe claramente o que não tolera, gera uma sensação de segurança em seus colaboradores, o que aumenta a satisfação pelo trabalho, diminuindo riscos de atuações indevidas. Ademais, um plano de integridade e compliance costuma impactar positivamente o negócio como um todo, tornando-o mais organizado e eficiente, repercutindo também nas lideranças e na gestão em si.

A exigência da CGU, portanto, me parece muito mais favorável do que desfavorável, pois exige o desenvolvimento da empresa com medidas que contribuirão para o aumento de sua eficiência, para a melhora de sua reputação e mitigação dos riscos jurídicos e econômicos. Desenvolver o programa de integridade antes da necessidade de reabilitação, ou seja, de forma preventiva, certamente ampliará a capacidade de novos negócios, vez que a cultura que se instala é de conformação efetiva e integridade; também contribuirá para manter a empresa no mercado, gerando empregos e cumprindo a sua função social.

As medidas que exigem o desenvolvimento de programas de integridade e compliance não querem a quebra das empresas, mas a quebra de antigos paradigmas e mudança de comportamento. As novas medidas também possibilitam a proteção contra investidas de governantes que ainda buscam o enriquecimento sem causa às custas das empresas e empresários. Se buscamos um futuro melhor, devemos buscar caminhos diferentes, não mais fáceis, mas melhores.




Juliana Zafino Isidoro Ferreira Mendes. Advogada, cofundadora do Ferreira Mendes Advogados. Coordenadora da área de Direito Público e Regulatório. Consultora em Compliance. Secretária-Geral Adjunta da Comissão de Estudos Permanentes sobre o Compliance da OAB-MT.
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