Olhar Direto

Sexta-feira, 29 de março de 2024

Opinião

O Brasil não é para amadores

Não gostaria de iniciar este artigo caminhando pelo terreno arenoso do espectro político bipolarizado entre “esquerda” e “direita”. Primeiro, porque essas categorias já se encontram poluídas e são insuficientes para abrigar as ideias de como achamos que deve ser a ordem política. Parte do problema já escrevi e encontra-se disponível nesta coluna (https://www.olhardireto.com.br/artigos/exibir.asp?id=11993&artigo=esquerda-e-direita-em-uma-regua-ideologica-que-nao-faz-sentido), contudo e, lamentavelmente, o imaginário do “homem médio” já está rigorosamente comprometido com os conteúdos de “esquerda e direita” como sendo aqueles, pasmem, preenchidos pelos pensadores alinhados à própria esquerda. Para piorar, a grande maioria dos pensadores de direita alinham suas análises sob este prisma. Fazer o quê! O jogo é pesado mesmo.

Para todos os efeitos o atual governo é de “direita”. O que isso significa na prática? Como dito, o senso comum identifica a direita com “autoritarismo”, “racismo”, “injustiça social”, “privilégios para brancos e ricos”, “desigualdade” etc; contrário senso, fica com a esquerda a “justiça social”, a “igualdade nos resultados”, “fraternidade”, “direitos sociais”, “assistência aos pobres e oprimidos” etc. É óbvio que tudo isto é “clichê”, não tem sustentação na teoria política, tampouco na realidade. Mas, existe na cabeça da “intelligentsia” desde a Revolução Francesa (nascedouro da fé revolucionária que contamina corações e mentes até os dias atuais).

Essa linguagem deformada e estereotipada, posto que signo, significado e o referente foram alterados em função da mensagem ideológica e revolucionária que precisava ser transmitida foi construída ao longo de toda a experiência comunista, capitaneada pela extinta URSS e seus países satélites. A URSS extinguiu-se, mas não foi o “fim da história” que profetizara o economista Francis Fukuyama. A história do movimento comunista internacional continua firme e forte, apenas, é óbvio, com estratégias e novos pensadores, os quais reciclam as velhas concepções marxistas nas inúmeras usinas de doutrinação espalhadas pela sociedade. Parece teoria da conspiração? Quem dera fosse. Quem pesquisar vai encontrar sólidos elementos factuais que corroboram essa tese.

Essa citada deformação de conceitos e uso de linguagem marcada nos textos de mídia produzem no imaginário um senso comum incapaz de ler a realidade como ela é. Se você leitor fizer um esforço de interpretação e análise em um texto jornalístico poderá identificar esse fenômeno. As referências ao Presidente da República como “ultra-conservador”, ser de “extrema-direita”, adotar atitudes “fascistas” ou ser “autoritário” servem exatamente para cumprir esse papel. Perceba que nunca é dito o que significam esses termos. Como se fosse do conhecimento comum das pessoas identificar elementos de fascismo ou o que ainda é mais complexo, reconhecer uma ação política como integrante da disposição conservadora. Afirmo com convicção: a grande maioria (esmagadora maioria) não é capaz de descrever com clareza as características e idiossincrasias dos inúmeros modelos de ordem ideológica. Muitos intelectuais, tampouco, também o são. Primeiro, pelo tempo que exige de estudos e reflexão. Segundo, porque requer uma postura intelectual honesta para assimilar conceitos destituídos dos eventuais preconceitos, já fixados no aparelho cognitivo do agente sobre o objeto do seu estudo.

Feito esse preâmbulo, reporto-me a um dos efeitos concretos desse fenômeno. Reverbera-se na grande mídia, com poucas exceções, a insistência em taxar o Governo Bolsonaro em geral e a pessoa do Presidente em particular, como “autoritarismo” e “autoritário”, respectivamente. Podemos entender como “autoritário” um governo ou uma pessoa que degenera aquilo que conhecemos como “autoridade”. Esta é um atributo inerente aos cargos públicos ocupados pelos agentes públicos. É atribuída pela Lei e tem como corolário o poder-dever para exercer as competências definidas pelo ordenamento jurídico. “Autoritarismo” poderia ser entendido, grosso modo, como a degeneração da autoridade. Em ciência política, seria um governo ou sistema político cujo poder está centralizado numa pessoa ou nas mãos de um pequeno grupo que o exerce através do uso excessivo de autoridade; despotismo. Estaria o Brasil, hoje, sob o comando de uma pessoa ou um grupo de pessoas, ao arbítrio e ao arrepio da lei, limitando direitos ou impondo deveres? Por mais que você não estime ou mesmo odeie a pessoa do Presidente, estando você com o direito de assim pensar, não me parece que haja nada de concreto no atual governo que confirme ou corrobore tal tese. Muito pelo contrário. Temos assistido a inúmeros atos legítimos emanados do Executivo Nacional e que foram anulados ou revogados pelos órgãos de controle sem haver, por parte do Governo, a aplicação à fórceps, de tais atos. Ora, isso é um fato verificável.

Até pela natureza dos poderes Executivo e Legislativo, vemos que enquanto vigir o ambiente democrático, o sistema de freios e contrapesos inibe a emanação do autoritarismo nestes. Perceba que do legislativo não há como sair atos autoritários, uma vez que todas as resoluções oriundas do parlamento se originaram do sistema colegiado, ou seja, foram votadas pelos representantes do povo. Você pode até não concordar com determinada lei, mas deverá obedecê-la ou judicializá-la. Do mesmo modo, os atos do Poder Executivo são objetos de controle tanto pelo Legislativo quanto pelo Judiciário. Qualquer tentativa do Executivo em dar eficácia a um ato anulado representa uma ruptura e quebra da ordem estabelecida, adentrando-se uma nova ordem política, agora sim, restando legítimo postular-se em autoritarismo.

Resta-nos o Judiciário. Por mais paradoxal que possa parecer, se há no Brasil, hoje, emanações de atos autoritários e ao arrepio das leis vigentes, eles têm origem exatamente no poder cuja competência é proteger a nação de tais ações. O Poder Judiciário tem no STF seu órgão máximo. Nos termos do art. 102 da Carta Magna, compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição. Isto significa ter a exclusividade na interpretação dos dispositivos constitucionais. Formada com uma redação de 250 artigos, trata-se de uma “grande” constituição. Proporciona ao STF uma significativa parcela de poder político. Sim, pois a constituição desse órgão é uma combinação entre o Executivo e o Legislativo. Seus Ministros são escolhidos e indicados pelo Presidente da República dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada e, após uma sabatina no Senado Federal, nomeados no cargo para lá permanecerem até os 75 anos de idade.

Atualmente, a Corte Suprema está formada por onze ministros, sendo: 01 indicado pelo Governo Jose Sarney; 01 pelo Governo Collor de Melo; 01 pelo Governo FHC; 03 pelo Governo Lula; 04 pelo Governo Dilma e 01 pelo Governo Temer. Essa composição apresenta pelo menos 09 Ministros nomeados em governos de esquerda, para não entrar no mérito se o governo Sarney e Collor foram de esquerda ou direita (particularmente, entendo que de esquerda). Seria leviano afirmar categoricamente que o fato de haver sido nomeado por determinado governo, o Ministro, necessariamente, vai prolatar decisões favoráveis ao governo e não à justiça. Em tese, podemos postular essa hipótese.

No caso concreto, pelo menos durante o atual governo, não é o que se observa. São inúmeras as situações, algumas mais evidentes, outras menos. Para ficar apenas com duas: o Ministro Alexandre de Morais anulou decreto legítimo do Presidente da República que nomeou o Diretor Geral da Polícia Federal, sem argumentos sólidos, mas tão somente em ilações sobre o futuro. Renomados juristas classificaram a decisão como teratológica. Ainda, o mesmo Ministro, preside um Inquérito para apurar supostas “fake news” produzidos por pessoas apoiadoras do Governo. Todo o inquérito está eivado de irregularidades que, para resumir, atentam contra o sistema penal de modelo acusatório estabelecido pela Constituição. Algo que o Ministro conhece bem, porquanto é autor de obras de direito constitucional. Com a recente validação do referido inquérito pelo plenário da Corte, pergunta-se: a quem recorrer?

“A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”. Profetizou o ilustre brasileiro Rui Barbosa (1849-1923). Aos que são contra o Governo e aplaudem a egrégia corte diante de tais arbitrariedades, sugiro que alarguem o pensamento, porque o mundo dá voltas e totalitarismo não tem preconceito: chega de mansinho e atinge a todos. A postura irresponsável do Poder Judiciário pode dar azo a manifestações em prol de rupturas democráticas, o que é sempre péssimo para a Nação. O melhor ensinamento da política conservadora, ainda, infelizmente, desconhecida e caricaturada no Brasil, é o exercício da ação política com prudência. “Para que possamos amar nosso país, o nosso país deve ser amável”, escreveu Edmund Burke (1729-1797), considerado o pai do conservadorismo político moderno. Povo nas ruas não é causa, é consequência de algo que não vai bem no mundo dos nossos representantes. O Poder Judiciário, até pela sua natureza aristocrática (no sentido de excelência ou dos melhores), porquanto não são escolhidos diretamente pelo povo, possuem a responsabilidade de trazer o equilíbrio nas relações complexas entre os poderes e entre estes e seus representados e, jamais, ser um fator de desestabilização.




Julio Cezar Rodrigues é economista e advogado (rodriguesadv193@gmail.com)


























 
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