Olhar Direto

Sexta-feira, 29 de março de 2024

Opinião

Relativismo x Livre Convencimento Motivado

Muitos de nós já nos deparamos com a situação em que, durante um diálogo, chegamos ao seguinte ponto: “essa é minha opinião e você precisa respeitar”.

Do ponto de vista social é interessante porque finaliza qualquer embate sem que haja necessidade da escolha de um vencedor. Então, ambos ficam satisfeitos.

Ocorre que essa situação muitas vezes acaba por esconder uma verdade evidente ou uma solução mais adequada.

Por exemplo: se você me diz que uma martelada forte é capaz de quebrar um copo de vidro frágil e eu lhe respondo dizendo que isso é impossível e ainda lhe digo que essa é minha opinião e ela deve ser respeitada, você pode silenciar e evitar uma discussão, mas, infelizmente, eu vou carregar comigo uma crença com grande chance de ser falha.

Essa noção de respeito à opinião, como espécie de valor inquestionável, tem um fundo histórico/filosófico que talvez muitos não conheçam.

Isso é fruto de uma corrente filosófica chamada SOFISMO, que por sua vez tem ligação muito próxima com outra corrente filosófica chamada RELATIVISMO.

Simplificadamente, sofistas eram filósofos gregos, do período socrático, que consideravam a verdade como o fruto do discurso mais convincente na ocasião de um diálogo. Para os sofistas, a verdade não era um estado natural e de fato, mas sim uma consequência do discurso mais convincente.

Ou seja, em uma conversa, a verdade estaria do lado daquele fosse capaz de, retoricamente, ser mais convincente.

Perto dessa noção, os Relativistas também acreditavam que a verdade é um conceito relativo. No sentido em que pontos de vista não têm valor absoluto ou inquestionável, mas sim natureza subjetiva, de acordo com as percepções de cada um.

Para essa corrente, todo ponto de vista é válido, necessário e capaz de indicar a verdade, pois depende das percepções de cada um. Daí pode vir o: “respeita minha opinião”.

Agora trazendo para atividade jurisdicional, de que maneira o Relativismo deve ser evitado em decisões judiciais?

O pano de fundo para esse tema é a recente decisão de um Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que decidiu pela manutenção do “foro privilegiado” para Flávio Bolsonaro em um procedimento em que é investigado.

O caso não será detalhado, pois aqui não se pretende uma espécie de crítica à decisão individualmente considerada. A utilização do caso serve somente como pano de fundo para uma análise geral sobre o Relativismo.

No caso citado, a decisão foi bastante protestada, pois contrariou totalmente a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal para aplicação da norma que permite a concessão da prerrogativa de foro.

Porém, quando questionado pela Folha de São Paulo, o desembargador respondeu que decidiu guiado pela sua consciência e pela Constituição.

Nem é preciso falar sobre a Constituição porque, como já mencionado, a decisão contrariou frontalmente a interpretação dada à norma constitucional que trata deste tema (Ação Penal 937 Questão de Ordem – STF-).

Mas, fora isso, perceberam onde está o Relativismo na decisão?

O desembargador julgou, de maneira contrária ao sentido dado à norma pelo Supremo Tribunal Federal, para atender à sua consciência. Em outras palavras, é a opinião dele e ele considera válida/aplicável, independente do que se afirme ao contrário.

É justamente nesse ponto em que se confundem o Relativismo e o Livre Convencimento Motivado, assim como a Independência Funcional.

Por livre convencimento motivado entende-se o sistema de apreciação de fatos e provas que permite ao juiz ser livre para compreensão da causa, desde que assim faça de maneira motivada. Próximo disso, a independência funcional garante a inexistência de hierarquia ou relação de subordinação que induza ou limite o trabalho do juiz.

Ocorre que essa liberdade não pode ser confundida com Relativismo. Decisão judicial não é palco para manifestação de opinião. O juiz pode e deve, sim, julgar de acordo com a sua consciência, mas para isso deve agir dentro dos limites de uma cláusula de consciência maior chamada Estado de Direito.

O Estado de Direito se manifesta através de normas jurídicas – Leis e Princípios - que se materializam através do trabalho de parlamentares escolhidos pela população. Logo, a consciência da população, manifestada através das leis, é o que deve prevalecer em uma decisão judicial.

Essa linha sensível que separa o Livre Convencimento do Relativismo deve ser sempre muito bem observada.

A população decidiu a maneira como determinados fatos devem ser tratados. Não pode um juiz sozinho alegar preponderância da sua consciência individual sobre a consciência coletiva, que se revela através das leis.

Todos nós devemos ficar muitos atentos a isso porque o Relativismo enfraquece o Estado de Direito. Veja bem, o Estado deve ser de Direito – pautado por normas jurídicas -, não de vontade de julgadores.

Com referência na publicação de Lenio Luiz Streck: https://www.conjur.com.br/2020-jul-02/senso-incomum-desembargador-rangeldecidiu-conforme-consciencia.


Roberto Peixoto Cordeiro - Advogado especialista em Direito Processual Penal.
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