Olhar Direto

Sexta-feira, 29 de março de 2024

Opinião

Causas Irrefutáveis das Queimadas do Pantanal

Na próxima segunda-feira (21) iremos celebrar o Dia Mundial da Árvore envoltos por um sentimento de profundo pesar em relação a nossa biosfera local. Nos primeiros sete meses deste ano, o principal rio do Pantanal atingiu o menor nível em quase cinco décadas; a chuva escassa já representa uma das maiores secas da nossa história recente; o desmatamento cresceu e os incêndios devastaram mais de dois milhões de hectares, tamanho referente a 10 vezes as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro juntas. É o pior período de queimadas que temos registro desde o fim dos anos 90 somado a uma das piores secas dos últimos 47 anos.

Um trágico balanço que talvez nunca chegue a ser de fato fechado.  Até porque, se é possível mensurar prejuízos econômicos e financeiros decorrentes da destruição de pastagens, lavouras de subsistência e de bens, como cercas e currais, a dizimação da fauna calcinada pelas labaredas representa um dano incalculável para a natureza, cuja regeneração pode demandar décadas.

O drama da maior série de queimadas no Pantanal pode ser visto bem longe das matas e várzeas da região. No centro de Cuiabá, as máscaras de proteção ao Covid não evitam o cheiro forte da nuvem cinzenta sobre a cidade. Os termômetros registram recorde de temperatura e o clima nos dá a sensação de estarmos numa sauna a céu aberto. A fumaça dos incêndios no bioma e na Amazônia inclusive já começou a chegar aos Estados do Sudeste e do Sul.

Queimadas numa região de produção de bois e secas prolongadas são corriqueiras. As deste ano, porém, alcançaram dimensão avassaladora e inédita para sitiantes, barqueiros e boiadeiros que carregam a experiência de uma vida inteira enfrentando as estiagens. Os pequenos pecuaristas podem inclusive perder a fonte de renda porque os pastos que já eram modestos foram reduzidos a cinzas. O incêndio também é mais um golpe para a indústria do turismo que já vinha mal por conta da pandemia.

A grande questão é que o Pantanal nunca é colocado em listas de prioridades para a conservação da natureza, tanto no nosso país como no mundo. E isso traz consequências drásticas. Esse ecossistema é um dos menos pesquisados no Brasil - Amazônia e Mata Atlântica chegam a ter mais de 1000 vezes o número de referências em artigos. Não existe nenhuma lei que rege especificamente o Pantanal (como por exemplo Lei da Mata Atlântica) e nem um fundo para a conservação da região (como o Fundo Amazônia). O Pantanal é um bioma ignorado. E o fogo nos colocou sob um holofote de manchetes trágicas que desnudaram essa dinâmica de abandono político e pouco interesse intelectual.

Pela estrada até Poconé é possível ver a devastação do fogo que consome a vegetação nativa desde julho. Também fica visível a ausência de ações intensivas do Poder Público para conter os focos pois, apesar da destruição ser enorme, as equipes do Corpo de Bombeiros estão aquém do contingente necessário para uma situação dessa magnitude. Além disso, a articulação para integrar as Forças Armadas ao trabalho foi muito morosa e chegou tarde, quando o Pantanal já ardia transformando o bioma num cemitério de animais carbonizados por todos os lados. De todo modo urge aumentarmos esse efetivo (para ontem).

A inércia do Governo do Estado frente ao avanço do fogo em áreas de preservação, e também nas áreas urbanas, só reforça a análise desastrosa do executivo neste imenso desastre ambiental.

Porém, não há dúvida de que o inventário da tragédia que transforma em cinzas boa parte do rico e frágil bioma pantaneiro impõe sobre a nossa geração um irrefutável ônus. Ainda que não como culpados diretos pelo desastre ambiental, mas como fiéis depositários de um dos mais ricos e delicados patrimônios naturais da Terra, que nos compete legar às gerações futuras tal e qual o recebemos.

É com a perspectiva dessa responsabilidade ética geracional que devemos encarar a tragédia atual como situação-limite, uma dramática e contundente advertência de que devemos fazer mais, e já, para evitar que a recorrência de desastres como este fique apenas na dependência de elementos climáticos ou de eventuais descontroles de queimadas para renovação de pastagens, prática centenária da cultura pantaneira.

Se o bioma Pantanal, como observamos, não se deixa repartir por uma linha divisória imaginária, temos de pensar soluções comuns para problemas e desafios igualmente comuns para toda a bacia. E nenhum desses desafios é mais urgente do que a prevenção contínua de incêndios devastadores como o que vivemos hoje.


Euclides Ribeiro, advogado especialista em Recuperação de Empresas e Empresários Rurais e pré- candidato ao senado pelo Avante
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