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Quarta-feira, 24 de abril de 2024

Opinião

As pessoas mais fortes que conheci

Julgamentos de valores e concepções podem existir implícitos na fala cotidiana. Sem perceber, acreditamos e reproduzimos morais antigas e idéias que talvez não façam mais sentido. 

Dessa forma, reforçamos conceitos que alimentam preconceitos. Diminuímos ou condenamos o outro e, às vezes, nós mesmos.  Como tudo que é arraigado, é difícil de perceber, só prestando muita atenção.

Em se tratando de saúde mental, particularmente na depressão, dois conceitos, com todas suas cargas semânticas parecem dialogar nas entrelinhas: o fraco e o forte. 

Depressão remete a algo que deprimiu, que caiu, não conseguiu se sustentar com as próprias pernas. É, portanto, entendido como fraco, incapaz e frágil. Quando alguém se revolta por receber o diagnóstico, verdadeiramente está negando esses rótulos. 

Nomear e tratar o sofrimento o torna mais real, precisar de ajuda de algo externo, como medicação, atesta impotência. Com isso, as poucas miligramas de um comprimido pesam uma tonelada, ao olhar todos os dias para a medicação a pessoa enxerga sua fragilidade, seu lado passional e inseguro. 

A abordagem profissional que vai além dos medicamentos, conduz, na maioria dos casos, a uma melhora significativa e duradoura do humor, mas o lembrete encapsulado e diário da fraqueza pode continuar lá. Ninguém quer se ver como fraco, e na busca por ser forte, abandonam o tratamento.

O forte é altivo, imponente, vigoroso,  tem coragem e resolve seus problemas sem ajuda. Para vencer é preciso ser forte. Quem é forte consegue trabalhar e não reclama, não se queixa, pois segue firme, decidido. Está feliz, aproveitando a vida que conquista com sua força. 

Esse imagético do forte é a contraposição de uma pessoa deprimida. Frases como: "você precisa ser mais forte" e "isso é coisa de gente fraca" estão carregadas dessa visão. Um entendimento arcaico e ultrapassado da depressão. 

Quando trazemos o adoecimento para a esfera do tratamento moderno, a carga semântica do cuidado é oferecida. Acolhimento e compreensão não enxergam conteúdos morais e valores de forte e fraco perdem o sentido. 

"Mas eu sempre fui tão forte", se te ensinaram a vida inteira que depressão é sinal de fraqueza, esteja aberto a rever seus conceitos. Ninguém deixa de ser forte porque está adoecido. 

Na verdade, as pessoas mais fortes que conheci sentaram em um consultório na condição de pacientes. Sair da cama, ir ao médico, fazer terapia, viver e continuar buscando bem estar é nadar contra as ondas do mar, é matar um leão por dia, isso só se faz com muita força. 

Chorando você ainda é uma fortaleza. O sofrimento não diminui sua grandeza. Quem tentou suicidio terá cicatrizes, mas elas não podem ser marcas de covardia. 

Perceba a força pela sua trajetória, pelo o que já passou, o que já sentiu. Se empodere de saber que resistiu a tudo isso, às vezes desistiu de tentar, mas novamente, com muita firmeza, voltou.  

E finalmente, se orgulhe de ter buscado e perdurado em um tratamento muitas vezes difícil, que não é para os fracos.


Manoel Vicente de Barros é Psiquiatra em Cuiabá e atua no tratamento de Depressão e Ansiedade, CRM 8273, RQE 4866.
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